As normas constitucionais, as leis e os contratos são as fontes primárias das obrigações, quais sejam aquelas que criam deveres jurídicos que os obrigados devem cumprir em dada ordem jurídica. Se não o fizerem, faltarão a dever jurídico e responderão pela falta e suas consequências perante aqueles que suportaram os efeitos do descumprimento.
A responsabilidade, a princípio presente apenas nas relações interindividuais privadas, ingressa nas relações entretidas entre o estado e a sociedade, de sorte que não mais exista uma só espécie de relação, nas ordens jurídicas contemporâneas, em que não se cogite da responsabilidade do estado e de seus agentes pelo descumprimento de deveres jurídicos.
A noção jurídica de responsabilidade enquadra-a como o dever secundário que se substitui ao dever primário que deixou de ser cumprido: o descumprimento do dever primário de diligência em face do outro gera a responsabilidade civil; o descumprimento do dever primário do servidor em face do interesse público gera a responsabilidade administrativa; o descumprimento do dever primário de respeito à dignidade da pessoa humana gera a responsabilidade penal. Eis as três esferas da responsabilidade.
A resposta jurídica ao descumprimento de obrigação primária, na esfera da responsabilidade civil, acarreta uma sanção patrimonial, consistente na reparação dos danos materiais e morais decorrentes da violação ao dever jurídico. Na responsabilidade administrativa, a resposta jurídica ao descumprimento será uma sanção funcional, concretizada na imposição de uma penalidade ao servidor, cujo grau máximo será a demissão do serviço público. Na responsabilidade penal, a resposta jurídica ao descumprimento traduzir-se-á na aplicação de sanção pessoal privativa da liberdade do acusado achado culpado.
Em todas as esferas, a apuração da responsabilidade pressupõe as garantias da defesa e do contraditório, em processo regular.
Essas três esferas são independentes entre si, salvo específicas exceções, e produzirão respostas jurídicas igualmente independentes, ou seja, o mesmo agente descumpridor do dever jurídico e causador de danos poderá ser responsabilizado civil, administrativa e penalmente, se a sua conduta houver configurado ilícito civil, administrativo e penal, cada qual apurado em instância própria.
Duas tendências acompanham a evolução da responsabilidade no direito hodierno: não há nichos de irresponsabilidade e a todo dano deve corresponder uma reparação.
O Projeto de nova lei geral das licitações e contratos administrativos, que a Câmara dos Deputados vem de aprovar, ao identificar os agentes públicos incumbidos de organizar, conduzir e fazer executar tais licitações e contratos, define, em seus artigos 7º a 10 (Capítulo IV – Dos Agentes Públicos, do Título I – Disposições Preliminares), suas respectivas atribuições, vale dizer, os deveres jurídicos primários que lhes cabe cumprir, do que resultam responsabilidades em caso de as atribuições serem veículo de ações ou omissões funcionais geradoras de danos, materiais ou imateriais, à administração e/ou aos particulares que participam das licitações ou que venham a contratar com a administração.
Já no art. 6º (Capítulo III – Das Definições), o Projeto indica quais são esses agentes e o que deles espera a norma primária. O inciso L nomeia a “comissão de contratação: conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares”), e o inciso LX alude a “agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Admnistração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento da licitação”.
O Projeto adota nomenclatura diversa para designar o que a legislação revoganda chama de comissão de licitação (Lei nº 8.666/93) ou de pregoeiro (Lei nº 10.520/2002). Cumpre indagar se tal diversidade de rótulo altera a substância da responsabilidade desses agentes e comissões, já que, tanto a comissão de contratação quanto o agente de contratação, assim nomeados no Projeto, recebem da norma projetada cometimentos semelhantes àqueles que a legislação revoganda destina às comissões de licitações e aos pregoeiros e suas equipes de apoio.
Controvérsias sempre existiram quanto à responsabilidade funcional de servidores nas licitações e contratações da administração pública no pertinente à extensão dessa responsabilidade: se se contém na chamada fase externa da competição ou se se estende à fase interna do procedimento de licitação e à execução do contrato.
A dificuldade geradora das controvérsias começa na delimitação daquelas atribuições e termina na aferição do grau de influência ou participação que os agentes terão exercido para a ocorrência de irregularidades, vícios ou defeitos comprometedores da licitude das licitações e dos contratos: (i) da condução e do julgamento do certame; (ii) da execução do contrato dele decorrente ou do contrato celebrado sem licitação; e (iii) dos resultados de interesse público que a administração esperava obter com a execução do contrato.
Tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial dos Tribunais de Contas há pontos de dúvida e divergência acerca da normas regentes da atuação daqueles órgãos e servidores, seja no que respeita à extensão de suas atribuições ou no concernente à concorrência de culpa na sua atuação com a de outros agentes públicos na produção de resultados danosos, pelos quais lhes cumpriria responder ou não. A mudança de nome – de comissão de licitação para comissão de contratação, de pregoeiro para agente de contratação – sugeriria que o Projeto pretende estender as responsabilidades desses agentes à formalização e execução do contrato resultante da licitação?
Daquelas divergências, por vezes ambiguidades, se extrai que as contratações administrativas, precedidas ou não de licitação, constituem ponto sensível do processo cultural de transição por que vem passando a gestão pública brasileira, especialmente quanto aos novos paradigmas jurídicos que as devem presidir no estado democrático de direito, a saber:
(a) a supremacia da Constituição, de que decorrem a efetividade dos princípios presentes em seu texto, explícita ou implicitamente, e a cogência das políticas públicas que estabelece;
(b) a obrigatoriedade da declaração dos motivos (conjunto das razões de fato e de direito que justifica e legitima as escolhas que impulsionam cada decisão administrativa);
(c) a submissão da discricionariedade administrativa a controles, internos e externos, com o fim de certificar-se se a autoridade administrativa adotou a melhor solução dentre as lícitas e possíveis;
(d) a importância de esses motivos e discricionariedades estarem deduzidos, de modo completo e transparente, nos autos de processos administrativos bem instruídos;
(e) a busca permanente do consenso sociedade–Estado na definição das opções administrativas que refletem na qualidade de vida das populações sobre as quais repercutirão aquelas opções.
Sob o regime da Lei nº 8.666/93, são atribuições da comissão de licitação:
Art. 6º
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XVI – Comissão – comissão, permanente ou especial, criada pela Administração com a função de receber, examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramento de licitantes.
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Art. 51. A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação.
Releiam-se o inciso L, do art. 6º, do Projeto: “comissão de contratação: conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares”); e o inciso LX: “agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Admnistração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento da licitação”.
Vê-se que nenhuma das atribuições cometidas à comissão de licitação, à comissão de contratação e ao agente de contratação localiza-se, formalmente, na fase interna do procedimento – aquela em que, nos autos do respectivo processo administrativo, se especifica o objeto, estima-se o seu valor de mercado, anota-se tal valor para fins de reserva (pré-empenho) da respectiva verba orçamentária e colhe-se a autorização da autoridade competente para realizar-se a licitação ou proceder-se à contratação direta. Poder-se-ia deduzir que, tanto sob a Lei nº 8.666/93, quanto no Projeto, as comissões e os agentes de contratação atuam tão só na fase externa do procedimento licitatório – aquela que tem início com a publicação do edital, englobando impugnações ao edital, recebimento e julgamento de documentos e propostas, conhecimento de recursos e adjudicação do objeto ao proponente vencedor. Faltariam àquelas comissões e agentes, destarte, competência para praticar qualquer ato pertinente à fase interna do processo, expondo-se tal ato, acaso praticado, à invalidação, dado ser a competência um dos elementos que integram a estrutura morfológica de todo ato administrativo, que há de ser íntegra, vale dizer, sem vícios de competência, forma, objeto, motivo ou finalidade, sob pena de anulação do ato e responsabilização de quem lhe haja dado causa.
Todavia, repassando-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União sobre a responsabilidade das comissões de licitações e de pregoeiros, encontram-se precedentes nos dois sentidos, ou seja, a Corte de Controle Externo tanto admite responsabilizar tais agentes por atos praticados na fase interna quanto na fase externa do procedimento.
Recorde-se que a legislação federal não consente na continuidade de atos administrativos que afrontem o princípio da legalidade. Assim estabelecem os artigos 2º e 53 da vigente Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
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Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Também o art. 4º da Lei nº 8.429/92, a Lei de Improbidade Administrativa:
Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.
E ainda o art. 116, IV, da Lei nº 8.112/90, o estatuto do servidor público federal:
Art. 116. São deveres do servidor:
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IV – cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais.
Decerto que tais normas de responsabilização no âmbito de todo processo administrativo federal – aplicáveis também aos processos administrativos das licitações e contratações – exercem influência sobre a orientação do controle externo, como se demonstra a seguir.
A – Julgados do TCU que responsabilizam a comissão de licitação por vício no instrumento convocatório
No rol de julgados que se seguem, a Corte de Contas pronunciou-se pela responsabilização da comissão de licitação em decorrência de vícios no instrumento convocatório, cuja aprovação e publicação encerra a fase interna e inaugura a fase externa do procedimento licitatório.
“5.7 […] ainda que a Comissão de Licitação não detenha competência para a prática da elaboração do edital, que compete à Administração, não poderia adotar uma atitude passiva diante de vícios nesse instrumento, que constitui a base para todo o seu trabalho de processamento da licitação, senão chegaríamos à possibilidade absurda de a Comissão dar seguimento a um procedimento patentemente irregular, por vício óbvio no edital, com grande prejuízo à Administração Pública daí advindo, e levar a licitação a seu término, com adjudicação do objeto, ainda que conhecedora do problema desde o início de suas tarefas.
5.8 Corrobora ainda a argumentação aqui exposta o disposto no § 1º do art. 41 da Lei nº 8.666/93, ao facultar a qualquer cidadão a impugnação do edital de licitação por irregularidade na aplicação daquela lei, devendo a Administração julgar e responder em até três dias úteis.
5.9 Estabelece-se, portanto, um mecanismo formal e padronizado para descontinuidade de edital eivado de vícios de legalidade.
5.10 Mencione-se, ainda, que a jurisprudência desta Corte de Contas possui inúmeros julgados que indicam não dever a Comissão de Licitação tolerar vícios no edital: Acórdãos de nº 2.640/07 – Plenário, 2.639/07 – Plenário, 2.638/07 – Plenário (…), 1.727/05 – Segunda Câmara, 135/05 – Plenário, dentre outros.
5.11 […] no caso em tela, o vício do edital em questão era patente e óbvio, já que especificava marca de produto, em notória afronta à Lei nº 8.666/93 e à jurisprudência desta Corte de Contas, que os membros da Comissão de Licitação deveriam conhecer.
5.12 Diante dessa argumentação, podemos refutar os argumentos dos recorrentes, pois, ainda que os atos anteriores, que culminaram com a elaboração do edital, não sejam de competência da Comissão de Licitação e não haja assinatura de seus membros em nenhum dos documentos correspondentes, a Comissão, ante a interpretação sistemática da legislação incidente ao caso, não poderia dar prosseguimento a procedimento com afronta clara ao princípio da legalidade, causada por vício no edital” (Acórdão nº 833/2008 – Plenário, rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 007.792/2004-5).
Em outro julgado, o recurso da comissão de licitação não foi provido, ante o emprego de modalidade indevida e direcionamento da licitação:
“7. Restou patente, primeiro, a responsabilidade dos integrantes da Comissão de Licitação, Srs. […], quanto às irregularidades na condução do certame, caracterizadas desde falhas graves na elaboração do edital (ausência de definição adequada do objeto licitado e de planilhas detalhadas que demonstrassem a estimativa dos custos realizados, e inexistência, nos autos do procedimento licitatório, do instrumento convocatório), utilização de modalidade diversa da exigida (convite em vez de tomada de preços) e do direcionamento em benefício do contratado, Sr. […].
8. Esse último fato – direcionamento da licitação – caracterizou-se pelo conjunto de indícios carreados aos autos, entre os quais semelhança de tipologia das máquinas de escrever utilizadas no preenchimento dos formulários entregues aos concorrentes por ocasião da licitação, coincidência havida entre os preços ofertados e a estimativa realizada pela entidade contratante, identidade verificada entre o vencedor e a motivação adotada para a contratação (encerramento do contrato anterior com o próprio licitante vencedor), e o substabelecimento, em data próxima (22/7/2003) à do encerramento do contrato (9/8/2003), de mais de uma dezena de processos para a carga de trabalho do contratado, situação que indicaria uma eventual renovação do ajuste.
9. Nessa linha, descabe prover os recursos interpostos pelos aludidos recorrentes” (Acórdão nº 2135/2009 – Plenário, rel. Min. Augusto Nardes, Processo nº 014.319/2004-3).
B – Julgados do TCU excludentes da responsabilidade da comissão de licitação e do pregoeiro por irregularidades no instrumento convocatório
Há julgados da Corte de Contas que excluem a responsabilidade da comissão de licitação e do pregoeiro por irregularidades em editais de licitação, de cuja elaboração não lhes cabia participar. Assim:
(a) “16. É imputada aos recorrentes a responsabilidade em face de irregularidades praticadas na Concorrência nº 02/97, que resultou na contratação da empresa […] para a realização de funções típicas da […], contrariando o art. 37, inciso II, da Constituição Federal. Além dessa irregularidade, aos recorrentes ainda foram imputadas as seguintes:
[…]
IV) previsão do poder da Fundação […] de indicar ou determinar quem poderia trabalhar para a contratada, desrespeitando o art. 3º da lei 8.666/93, por afrontar os princípios basilares da moralidade e impessoalidade; […]
24. Com relação à irregular contratação indireta de mão de obra, nos parece que assiste razão aos recorrentes, uma vez que a definição do objeto a ser licitado não é atribuição legal dos membros de comissão permanente de licitação.
[…]
25. De fato, o caput do art. 51 da Lei 8.666/93 estabelece que são atribuições da comissão permanente de licitação: a habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, o julgamento e processamento das propostas.
26. Com efeito, o professor Carlos Pinto Coelho Motta doutrina em seu livro ‘Eficácia nas Licitações & Contratos, 9ª edição, da editora Del Rey, à pg. 51’, que as funções básicas da comissão permanente de licitação são: habilitação preliminar; inscrição em registro cadastral, alteração e cancelamento; avaliação e classificação das propostas; observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
27. As atribuições dos membros de CPL – segundo a lei e a doutrina – estariam mais intrinsecamente ligadas à fase externa do procedimento licitatório. Por esta razão, concluímos que para ocorrer a punição de qualquer de seus membros, pela definição do objeto a ser licitado (ato vinculado à fase interna da licitação), há que se: (i) comprovar que o membro da comissão participou efetivamente dessa definição; ou, (ii) verificar que a ordem para licitar o objeto era manifestamente ilegal. A nosso sentir nenhuma dessas hipóteses está presente nos autos.
28. Examinando o volume 1 do TC-004.377/1997-4 (apenso aos autos do processo sob análise) – onde se encontram a solicitação de abertura do processo de licitação (referente à Concorrência nº 02/97 da FRP), a requisição de compra e serviço (com seus devidos encaminhamentos pelas autoridades competentes), bem como o edital da referida licitação –, verificamos que em nenhum momento houve participação dos membros da comissão permanente de licitação na definição do objeto a ser licitado.
29. Encontra-se à fls. 2 do referido volume 1 (TC-004.377/1997-4), solicitação de abertura de processo para contratação de serviços de produção televisiva, requerida pela Coordenação Geral de Recursos Humanos. À fls. 3, está presente requisição de compra e serviço especificando o objeto a ser licitado. Tal requisição encontra-se assinada pelo Presidente do órgão, pelo Diretor de Administração e Finanças e pelo Coordenador Geral de Recursos Humanos. No verso da folha constatam-se, ainda, as assinaturas do chefe do Núcleo de Execução Orçamentária, do Coordenador Geral de Contabilidade, Orçamento e Finanças. Posteriormente, a requisição de contratação do serviço foi submetida à Consultoria Jurídica do órgão.
30. Depois de passar por todas essas autoridades superiores, verificamos nos autos a participação dos membros da comissão permanente de licitação apenas nos procedimentos afetos à fase externa da licitação. Dessarte, não restou comprovado, nos autos, participação desses na definição do objeto licitado.
31. A ordem para licitar o objeto também não nos parece manifestamente ilegal, posto que consubstancia apenas a contratação de prestação de serviço em áreas ligadas à atividade fim daquela Fundação, que contava com o aval de todas as autoridades superiores que haviam se manifestado até o momento, inclusive da assessoria jurídica, sendo razoável supor que a comissão tomou como adequado o objeto. Caso contrário, estar-se-ia exigindo deles proficiência em matérias que não lhe são obrigatoriamente comuns, como direito constitucional, administração pública, além de conhecimentos jurídicos específicos.
32. Não entendemos que uma comissão permanente de licitação – que normalmente licita desde parafusos até computadores de última geração – tenha a obrigação de conhecer, a fundo, cada item licitado. Por esse motivo, concluímos que os membros da CPL não podem ser apenados (neste particular) por confiar na especificação do objeto, realizado pelas autoridades superiores da Fundação, e que contava com o aval da assessoria jurídica.
33. A decisão que considerou os recorrentes culpados pela irregular contratação indireta de mão de obra fundamentou-se no § 3º, do art. 51, da Lei 8.666/93, que prescreve o seguinte: ‘Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão’ (Grifamos).
34. Cabe destacar que o caput do referido art. 51 traz as atribuições da comissão permanente de licitação – a qual expomos alhures – dentre as quais não se encontra a definição do objeto. Ademais, o seu § 3º, transcrito, estipula a responsabilidade pelos atos praticados pela comissão. Ora, se o ato de definição do objeto da licitação não foi praticado pela comissão, essa não pode ser responsabilizada sob tal fundamento, não ocorrendo, no caso, a subsunção do fato à norma.
35. Por tais motivos, acreditamos estar presente a hipótese prescrita no inciso II, do art. 35 da Lei 8.443/92, tendo sido insuficientes os documentos que vincularam os recorrentes à irregular contratação de pessoal, o que enseja nova análise de mérito. A manifestação de concordância da comissão, a nosso ver, diz respeito ao rito da Lei 8.666/93, e não inclui matéria alheia à sua competência, prevista em outras legislações ou na Constituição, pois quanto a essas, a autoridade competente, para a fiel exegese, é a assessoria jurídica, acompanhada das autoridades superiores do órgão.
[…]
Voto do Ministro Relator […]
4. No mérito, estou de acordo com as análises proferidas pela unidade técnica e endossadas pelo Ministério Público, cujos fundamentos incorporo a essas razões de decidir.
5. […] pesou muito contra os responsáveis o fato de contratarem mão de obra indireta, sem concurso público, em flagrante desrespeito ao art. 37, II, da Constituição Federal.
6. Examinando-se os argumentos dos recorrentes – ex-membros da comissão de licitação da […] –, verifico que procedem suas alegações, no que pertinente à ausência de suas responsabilidades pela contratação indireta de mão de obra. De fato, a definição do objeto licitado não foi nem era atribuição deles, ex-vi do caput do art. 51 da Lei 8.666/93, que a limita às seguintes atividades: habilitação preliminar, inscrição em registro cadastral, alteração ou cancelamento, julgamento e processamento das propostas.
7. A contratação irregular de mão de obra, sem concurso público, foi, pois, uma decisão política da administração, que por ela deve responder, sozinha, ainda que apoiada em parecer jurídico da entidade.
8. Todavia, não posso fazer o mesmo com as demais irregularidades, subsistentes por falta de argumentos capazes de reformar o acórdão combatido, onde restou a responsabilidade conjunta dos membros daquela comissão com os dirigentes da […].
9. Por essas razões, e considerando ainda que não houve a participação dos membros da CPL na definição do objeto da contratação da mão de obra indireta, acolho os pareceres precedentes e dou provimento parcial aos seus recursos, nesse particular” (Acórdão nº 687/2007 – Plenário, rel. Min. Augusto Nardes, Processo nº 004.319/1998-2).
(b) “2.2 O ponto fulcral da referida peça resume-se a questionamentos quanto à legalidade de a […] ter exigido, nos subitens 6.1.2.2 e 6.1.2.2.1 do edital daquele Pregão, que as empresas participantes comprovassem suas qualificações econômico-financeiras mediante a remessa, preliminarmente por fax, e, posteriormente, pelo correio, dos respectivos Balanços Patrimoniais.
[…]
4.1.1 Primeiro esclareceu que, como Equipe de Apoio, somente prestou auxílio operacional ao pregoeiro, não tendo exercido qualquer influência nas decisões tomadas. Correta a alegação. Como aduziu o Administrativista que mencionou, não se pode confundir equipe de apoio com a comissão de licitação, haja vista que àquela compete apenas realizar os atos materialmente necessários à prática do procedimento, nenhuma ingerência tendo sobre as decisões do pregoeiro.
4.1.2 Ressaltou, ainda, as competências de um Pregoeiro, demonstrando que nelas não está inserido o estabelecimento das regras do edital, mas, tão somente, a operacionalização do certame, conforme dispõe o Manual Normativo da […], que estaria, segundo ele, em consonância com a legislação aplicável ao caso.
4.1.2.1 Mais uma vez assiste razão ao referido senhor. Os normativos legais que regem o pregão, inclusive o eletrônico, art. 3º, I e IV, da Lei nº 10.520/2002; arts. 5º e 14º, do Decreto 3.697/2000 e art. 9º, do Anexo 1, do Decreto nº 3.555/2000, abaixo transcritos, realmente não incluem, entre as competências do pregoeiro, a elaboração do edital, não podendo, assim, ser a ele atribuída a responsabilidade pela exigência dos balanços patrimoniais inquinada nestes autos, que resultou na desclassificação irregular da empresa […]. Entretanto, era de sua responsabilidade a adjudicação do objeto licitado, e o fez à […], 2ª colocada. Penso que de outro modo não podia ele agir, uma vez que estava vinculado aos normativos vigentes e ao que estipulava o edital. […]
4.1.3.1 Entretanto, somos de opinião que os argumentos apresentados dando conta que os responsáveis, mormente o pregoeiro, agiram dentro dos limites do que entenderam ser legítimo e legal, merecem acolhida. […]
5.3.7 Os atos do pregoeiro estavam vinculados ao edital, que foi elaborado por outra área da […], cabendo-lhe conduzir o certame conforme as regras lá estabelecidas, desde que, obviamente, não houvesse afronta direta à legislação vigente.
5.3.8 O edital continha mandamento que fazia exigência aos licitantes que ofertassem o melhor lance no Pregão, para que estes apresentassem cópias de vários documentos, inclusive o balanço patrimonial. Como o edital foi elaborado em área hierarquicamente superior, inclusive com o aval da área jurídica […], entendeu o pregoeiro que tal dispositivo, a exemplo dos demais, estava em conformidade com a legislação vigente. Não seria razoável exigir conduta diversa do pregoeiro ou de sua equipe de apoio quando da ocorrência dos fatos sob exame” (Acórdão nº 2.389/2006 – Plenário, rel. Min. Ubiratan Aguiar, Processo n° 020.747/2005-3).
(c) “22 […] recorre-se ao entendimento exposto no âmbito do Acórdão 201/2006 – TCU – Segunda Câmara, de lavra do Exmº Ministro Relator Ubiratan Aguiar, pela similitude da situação posta à apreciação desta Corte de Contas, quando do afastamento, em sede recursal, da responsabilidade do pregoeiro pela elaboração do edital de pregão posteriormente por ele conduzido, in verbis:
‘11.2.11 Dado que os problemas concentraram-se no citado edital e ao pregoeiro dessa licitação foi imputada a responsabilidade pelos ilícitos, é fundamental, portanto, determinarmos quem é o responsável pela elaboração do edital do pregão e quais as atribuições do pregoeiro.
11.2.12 No tocante ao responsável pelo edital da licitação na modalidade pregão, Jorge Ulisses (ob. cit. p. 488) leciona o seguinte: ‘A lei do pregão não disciplina quem deve elaborar o edital. Na prática há dois entendimentos diferentes e antagônicos: os que entendem que a responsabilidade da elaboração deve competir ao pregoeiro e os que inadmitem essa possibilidade.’, conclui então: ‘Entre uma e outra posição, mais correta a segunda. (…).’ (Destaque do original). Em termos das funções do pregoeiro, Jorge Ulisses, na obra já citada (p. 468), menciona que a função do pregoeiro corresponde a uma função gerencial, pois gerencia um procedimento fortemente regulado em lei.
11.2.13 Quanto à elaboração do edital e às atribuições do pregoeiro, Joel de Menezes Niebuhr anuncia o seguinte (ob. cit. pp. 68/69): ‘Com efeito, o inciso I do artigo 3º da Lei nº 10.520 prescreve: ‘(…)’. Em outras palavras, a autoridade competente é a responsável pela fase interna do pregão, pois cabe-lhe definir as cláusulas do edital.’ E: ‘O pregoeiro é o responsável pela condução da fase externa do pregão, a partir da publicação do edital até a adjudicação do objeto licitado ao vencedor, reunindo em si, praticamente, todas as atribuições conferidas pela Lei n.º 8.666/93 à comissão de licitação.(…).’
(…) 11.2.15 Ademais, se, a título de perquirição, analisássemos que a ausência de critérios de aceitabilidade dos preços unitários e global no edital do Pregão nº 12/2001 foi uma afronta à norma legal, teríamos que imputar a multa pertinente ao responsável pela elaboração do edital. Tendo o Recorrente exercido a função de pregoeiro, o qual não define os parâmetros da licitação, apenas a executa, não seria ele a receber a apenação pela irregularidade, por não ser o agente da infração à lei.’ (ênfase acrescida)” (Acórdão nº 4848/2010 – Primeira Câmara, rel. Min. Augusto Nardes, Processo n° TC-010.697/2009-9).
(d) “11 […] deixo de acolher a proposta de manutenção das multas aplicadas aos servidores […] e […], bem como ao ex-Diretor Geral do […], Sr. […].
12. Justifico. No que diz respeito ao servidor […], porque, ao reexaminar suas alegações de defesa (fls. 517, vol. 2), verifiquei que o responsável teve participação no certame apenas na reunião de recebimento das propostas e na de habilitação das empresas, conforme atas às fls. 57/58 e 74, do volume principal.
13. Entendo que tais fases do procedimento licitatório não se destinam à observância dos aspectos econômicos do edital, nem de seu caráter competitivo, não se podendo responsabilizá-lo pela prática de atos de ofício que não geraram dano ao erário, nem afastaram o caráter competitivo do certame, pois entre as suas atribuições, naquelas fases, não se incluíam a de questionar os termos do edital devidamente aprovado por seus superiores, com a chancela da Consultoria Jurídica.
14. Por essas razões, considero que se deva afastar a multa que lhe foi aplicada. A propósito, esta Corte, no acórdão recorrido, acolheu as razões de justificativa da Sra. […], em razão de ter conseguido demonstrar sua participação na CPL, justamente quando apenas participou da reunião de habilitação das empresas, bem como as do Sr. […], que também foi membro da CPL, atuando apenas na reunião de recebimento das propostas (fls. 211, vol. 1).
15. Pelos mesmos fundamentos, igual tratamento estendo ao servidor […], que não atuou na fase preparatória do certame e teve sua participação, como membro da CPL, apenas na fase de julgamento das propostas, conforme ata às fls. 481/482, v. 2, vinculando-se apenas aos termos do edital, que fora elaborado e aprovado por outros responsáveis, inclusive com o concurso da Consultoria Jurídica do Ministério da […]” (Acórdão nº 556/2008 – Primeira Câmara, rel. Min. Augusto Nardes, Processo nº 008.985/2000-3).
(e) “Quanto à responsabilidade dos membros da Comissão Permanente de Licitação, também comungo do parecer do Ministério Público, no ponto em que não se pode imputar-lhes as irregularidades atinentes à: inobservância do princípio do parcelamento do objeto pelo edital; divergência entre a minuta e o contrato celebrado; falta de comprovante da publicação do termo de contrato; ausência de termos aditivos ao contrato; e ausência de comprovação de prestação de garantia contratual, por parte da empresa […].
Tais condutas não estão na alçada da Comissão Permanente de Licitação, já que tanto a estratégia de contratação, seja de forma global, seja de forma parcelada, são predefinidas pelo órgão técnico requisitante da Prefeitura Municipal de […] e aprovada pelos gestores máximos daquela administração. Aos membros da CPL incumbe apenas o processamento do procedimento licitatório. De igual forma, não se lhes pode atribuir responsabilidade por falhas na formalização e execução do contrato, pois que tais funções são cometidas ao órgão gestor da execução e acompanhamento da avença.” (Acórdão nº 1190/2009 – Plenário, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 012.740/2004-0).
C – Responsabilidade da comissão de licitação e do pregoeiro por resposta a questionamento/esclarecimento sobre disposição de edital
“10. Como se observa, em que pese o fato de que os responsáveis agiram seguindo orientações do setor de informática […], não se pode atenuar a responsabilidade dos mesmos quanto aos equívocos cometidos na condução do certame, em especial, pela desclassificação da empresa […].
11. É forçoso reconhecer que o pregoeiro afirmou, em um primeiro momento, que o item 1.2.3 do anexo II do edital dizia respeito à quantidade total de slots e não a livre. Tal assertiva, como já mencionado, e consoante jurisprudência do STJ, tem efeito vinculante para os participantes, nos termos do art. 41 da Lei 8.666/1993, pois ocorreu em sede de esclarecimentos feitos à recorrente e posteriormente repassados aos demais licitantes.
12. Diante dessa resposta, a empresa […] passou a crer que seu produto atendia as especificações previstas no edital, quanto ao número mínimo de slots. Todavia, posteriormente, foi a mesma desclassificada por apresentar uma máquina que efetivamente tinha 4 slots livres, e que, ao contrário do afirmado, não atenderia à exigência mínima de 5 slots livres para uso do órgão.
13. Não se trata, portanto, de responsabilizar o pregoeiro por eventuais erros no edital, mas, sim, responsabilizá-lo por informação por ele prestada, que, nitidamente, acabou prejudicando a licitante” (Acórdão nº 915/2009 – Plenário, rel. Min. José Jorge, Processo nº 006.595/2007-6).
D – Responsabilidade da comissão de licitação em contratações diretas
“12 […] assiste razão à unidade instrutiva, pois o exame das situações de dispensa e inexigibilidade de licitação não integra o plexo de competências dessa Comissão, assim descrito nos seguintes dispositivos da Lei n. 8.666/1993:
‘Art. 6º. Para os fins desta Lei, considera-se:
(omissis)
XVI – Comissão – Comissão, permanente ou especial, criada pela Administração com a função de receber, examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramento de licitantes.’
‘Art. 51. A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, e 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação.’
13. De acordo com a doutrina de Jessé Torres Pereira Júnior (in Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. pp 262 e 322.), vinham sendo cometidas às comissões de licitação atribuições que as transformavam em órgãos consultivos ou de acompanhamento da execução de contratos. Essas atribuições são estranhas à competência própria dessas comissões, que existem para processar e julgar licitações, não para opinar se restou configurada hipótese de dispensa ou inexigibilidade, nem para aplicar penalidades administrativas a empresas que hajam descumprido cláusulas contratuais, nem, ainda, para elaborar editais.
14. Dessarte, considerando que a atuação da referida Comissão não constituiu elemento essencial para a contratação direta, considero apropriada a exclusão da responsabilidade das Sras. […]” (Acórdão nº 2124/2008 – Primeira Câmara, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Processo nº 011.636/2005-5). Como se vê, a alteração da nomenclatura – de comissão de licitação para comissão de contratação e de pregoeiro para agente de contrato – não eliminará, uma vez vigente a Lei em que se transformaria o Projeto, a discussão acerca da responsabilidade sobre atos que esses agentes venham a praticar nas fases interna e externa do procedimento licitatório, que continuará a depender da eventual participação, direta ou reflexa, que comissão e agentes tenham na formação da decisão administrativa e em seus resultados. Vislumbra-se nessa alteração de rótulos um mérito: o reconhecimento de que o objetivo da Administração é, sempre, o de contratar, sob os ditames da ordem jurídica, a proposta mais vantajosa, por isto que o contrato deve ser a figura central e dominante do processo, em todas as suas fases. A licitação é apenas o meio para identificar-se tal proposta e aferirem-se os atributros que o seu autor deve comprovar com o fim de garantir que a bem executará.