ESG na Governança Pública: o Acórdão 1205/2023 – Plenário TCU
Sustentabilidade não é modismo, não é escolha a depender da vontade do gestor da vez, não é estorinha para embalar contos de fadas ou fábulas. Frase de efeito para enfatizar que sustentabilidade é princípio, valor e objetivo que deve nortear e ser viabilizada por políticas públicas.
Há de se ponderar, neste contexto principiológico, sobre a relevância do recente Acórdão 1.205, de 14 de junho, do Plenário do Tribunal de Contas da União. Trata-se de proposta de fiscalização na modalidade levantamento, por iniciativa da Unidade de Auditoria Especializada em Governança e Inovação e endossada pela Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado. Autorizou-se, por voto relatado pelo Ministro Vital do Rego e acolhido por unanimidade, a realização de fiscalização com o objetivo de avançar na necessária conexão entre Governança Pública e Sustentabilidade.
Trata-se de significativo avanço da Corte de Contas como propulsora de novos comportamentos no âmbito do setor público nacional. Se o TCU já tem sedimentado e é referência na temática da governança organizacional pública, assim como apresenta sólidos entendimentos no tocante aos temas das licitações sustentáveis, gestão adequada de resíduos e coleta seletiva, é de se destacar a relevância da fiscalização autorizada pelo Acórdão 1.205/23 – Plenário.
O cerne da inovação concentra-se em dois pontos: o primeiro, já referido, consistente no estreitamento das relações entre sustentabilidade e governança, a fim de que, almeja-se, a boa governança pública esteja intrinsecamente relacionada com a implementação de ações no tocante às dimensões da sustentabilidade.
Como tivemos a oportunidade de enfatizar, é mais do que passada a hora de que “uma nova teoria da governança pública possa ir se constituindo coletivamente no Brasil” e a “teoria da governança pública se encadeie com a sustentabilidade”, tanto conceitualmente, como também e, precipuamente, com ferramentas viabilizadoras da sua concretização crescente em âmbito nacional (CADER, VILLAC, 2022: Governança e Sustentabilidade: um elo necessário no Brasil. Editora Fórum).
O recente posicionamento do TCU é contributivo a este fortalecimento, um passo significativo para a institucionalização da governança pública sustentável, na medida em que fomentador de uma remodelação de um dos instrumentos de avaliação dos órgãos públicos: o Índice Integrado de Governança e Gestão Pública (iGG). Os levantamentos do iGG, além do diagnóstico institucional empreendido, são contributivos para a adoção de boas práticas de governança pública pelas organizações. É muito bem vindo o encaminhamento pelo Tribunal de Contas da União para que se proceda à remodelagem do questionário iGG com o objetivo de que seja também um instrumento de avaliação de práticas ambientais e sociais.
O segundo aspecto inovador decorrente do Acórdão 1.205/23 é referência ao ESG (Enviromental, Social and Governance) no setor público. A fundamentação da Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado do TCU, endossada no i. voto do relator, menciona:
Risco
A ausência de práticas de ESG, que buscam assegurar o conjunto de incentivos equilibrados aos gestores de instituições públicas, pode levar à ineficiência na execução de políticas e orçamentos públicos, além de propiciar ambiente para que agentes públicos adotem condutas não aderentes à função institucional ou sem preocupações sociais e ambientais.
Oportunidade
O TCU vem realizando levantamentos de governança organizacional pública desde 2014. Foram quatro edições do levantamento que contaram com grande adesão das organizações respondentes. Tais levantamentos tiveram influência na grade curricular de cursos de nível superior, e suas informações, publicadas em formato aberto, contribuíram para a formação de inúmeros mestres e doutores. No entanto, a dimensão Governança, que corresponde à letra G da sigla ESG, tornou-se insuficiente diante do amadurecimento da sociedade brasileira. Há tempo, fala-se da relevância da governança, mas dentro do contexto ESG, que inclui as dimensões SOCIAL e AMBIENTAL. O presente trabalho busca, então, remodelar o questionário do iGG, para integrar as novas dimensões e revisitar as práticas de governança e gestão para prover maior equilíbrio ao instrumento e mantê-lo moderno e atualizado.
Materialidade
Por ser um tema transversal, a materialidade do tema ESG está dispersa na atuação de todo o poder público. A existência de boas práticas de ESG contribui para a adequada atuação dos agentes públicos e, por consequência, das organizações públicas, além de ser essencial no atingimento dos objetivos finalísticos e na eficiência na execução do orçamento federal.
Relevância
Além dos benefícios às organizações respondentes, com a identificação de áreas onde as práticas de ESG são menos maduras, e à sociedade com a evolução das organizações públicas que adotam tais práticas, a pesquisa desperta interesse internacional. Considerando apenas 2023, houve solicitação de apresentações para o Chandler Institute of Governance de Singapura e para o Subcomitê de Trabalho na Administração Pública da ONU, além do reconhecimento de especialistas de organizações como a FGV. A adesão das organizações públicas ao modelo implantado pelo TCU para avaliação de governança pública organizacional também pode ser verificada pelas organizações que adotaram em seus PLANOS ESTRATÉGICOS os índices gerados com base nessa pesquisa, para aferir alcance de metas e objetivos. A AudEducação informou que diversas instituições de ensino superior utilizam os levantamentos do TCU como referência para a implantação de práticas de gestão e governança. Devido à relevância do modelo já implantado, será também disponibilizada solução no Portal do TCU que permita aos órgãos e entidades calcular seu índice e verificar sua evolução na adoção das práticas de governança e gestão definidas no iGG
Retorno/benefícios esperados
Com o presente trabalho, o TCU contará com um instrumento capaz de medir a adesão de organizações públicas a práticas que vão além de Governança e Gestão, mas alcançam a sustentabilidade ambiental das organizações e sua responsabilidade social. Essa evolução é essencial para manter atualizado e coerente o instrumento de pesquisa, dado que a governança responsável tem sido firmemente associada ao ambiental e ao social, compondo o que se chama internacionalmente de ESG. Ao adotar práticas ESG, organizações públicas tendem a se tornar mais eficientes, uma vez que a sustentabilidade pode gerar redução de custos. Além disso, tais práticas conferem legitimidade à gestão das organizações respondentes. Sendo assim, ao medir suas próprias práticas com base no novo questionário a ser elaborado, gestores têm mais condições de investir nas áreas mais vulneráveis apontadas no levantamento. O TCU já é reconhecido como a maior referência pública no assunto, porém deve continuar inovando e modernizando o instrumento de controle para continuar exercendo seu papel de principal agente indutor de melhorias nos processos internos nas organizações públicas.
Em síntese, as duas inovações trazidas pelo Acórdão traduzem-se: a) na conexão inequívoca entre governança pública e sustentabilidade e na b) utilização do ESG como parâmetro para organizações públicas.
É inegável a inovação de se trazer para reflexão nas organizações públicas o ESG, como estruturante para a remodelação que será empreendida pelo Tribunal de Contas da União, no Índice Integrado de Governança e Gestão Pública (iGG). Como asseverado pelo i. Ministro Relator: “Ademais, cito, por oportuno, que a edição da Resolução-TCU 268/2015, dispondo sobre a Política de Sustentabilidade do Tribunal de Contas da União, registra a importância consubstanciada por este Colegiado aos critérios de sustentabilidade nas atividades da administração pública, visando à redução do impacto socioambiental negativo causado pela execução de suas atividades e promovendo a economia de recursos naturais. Trata-se de ação normativa que materializou a cautela e o cuidado que o Tribunal já vinha prestando aos assuntos ora em discussão.”
Possíveis impactos do Acórdão 1.205/2023 Plenário TCU nas Contratações Públicas
O Acórdão 1.205/23 é um ponto de inflexão relevante para as instituições públicas brasileiras, sinal de atenção e alerta para aquelas que ainda não institucionalizaram seus modelos de governança pública sustentável que possui diversas ferramentas legais e obrigatórias, como as contratações públicas sustentáveis, gestão adequada dos resíduos, dentre outras.
Neste sentido, há de se observar que a Lei 14.133/21 apresentou diretrizes de governança também no tocante à sustentabilidade. Assim, a par do status legal agora conferido ao estudo técnico preliminar e análise de riscos, enfatize-se que estes instrumentos não poderão estar desvinculados do desenvolvimento nacional sustentável, princípio e objetivo a ser considerado em suas múltiplas dimensões (econômica, ambiental, social, cultural) em todas as fases de uma contratação pública.
As contratações públicas são um mecanismo da maior relevância para efetivação da boa governança pública sustentável e, ainda sem um indicador nacional uniforme de licitações sustentáveis para os entes federativos e sem indicadores temáticos amplamente disseminados, há muito a se avançar e, neste sentido, é contributiva a iniciativa do Tribunal de Contas da União em remodelar o iGG para a inserção de práticas ambientais e sociais.
Às organizações públicas fica a recomendação para incremento das iniciativas de contratações sustentáveis, o diagnóstico e monitoramento, bem como a consideração e catalogação conforme a dimensão abrangida, se ambiental, se social, se ambas, não se olvidando, ainda da dimensão cultural e da acessibilidade, em uma perspectiva sistêmica que abranja todo o ciclo de uma contratação pública, do planejamento até a adequada gestão de resíduos. Esta a conexão mínima a se empreender com uma perspectiva de governança ética, responsável, sustentável e com transparência. Para todos nós, envolvidos na temática da sustentabilidade organizacional pública, fica o convite para serem empreendidos e debatidos estudos e diálogos acerca de como se processará a internalização do ESG nas organizações públicas e nas contratações, não se olvidando da ponderação acerca das finalidades maiores do Estado consistentes na implementação de políticas públicas, das distinções entre os setores empresarial e governamental, do regime jurídico de direito público, dentre outras ponderações, mas que não afastam o avanço detectado na consideração do ESG como fonte relevante para atualização do Índice Integrado de Governança e Gestão Pública.