Mas o que (ou quem) é o Controle Interno? A pergunta não pode ser ignorada, especialmente por decorrer de mandamento da Constituição Federal que, em seus arts. 31 e 70, aponta que a fiscalização da Administração Pública será realizada pelo Sistema de Controle Interno de cada Poder. Para responder precisamos entender então que Controle Interno pode ser encarado a partir de três acepções: Controle Interno da Gestão, Unidade de Controle Interno e Unidade de Auditoria Interna.
A primeira acepção diz respeito às medidas mitigadoras de riscos. Por sinal, risco é o efeito da incerteza nos objetivos, conforme a ABNT ISO 31.000, ou, como gosto de descrever, todo evento futuro e incerto que, vindo a se concretizar, tem a capacidade de impedir ou retardar o alcance dos objetivos. O controle interno da gestão, por sua vez, será o conjunto de regras, procedimentos, diretrizes, protocolos, rotinas de sistemas informatizados, conferências e trâmites de documentos e informações, entre outros, operacionalizados de forma integrada e destinados a enfrentar os riscos e fornecer segurança razoável de que, na consecução da missão da entidade, os objetivos serão alcançados. Sua importância é revelada quando o parágrafo único do art. 11 da Lei 14.133/2021 descreve que a Governança das Contratações deve ser implementada e se materializa em processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos. Mais adiante, no art. 169, dirá que os órgãos e entidades da Administração Pública deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo. O verbo “dever” em ambos os dispositivos demonstra a obrigatoriedade de sua implementação, retirando qualquer ar de discricionariedade dos cognominados controles internos administrativos – que deverão ser sempre proporcionais aos riscos enfrentados.
A segunda acepção – unidade de controle interno – também se encontra na Nova Lei de Licitações e Contratos e a primeira menção explícita se dá no art. 7º, § 2º, da norma quando o legislador aponta que o exercício da função deve considerar a Gestão por Competências, ou seja: deverá ser precedida do estabelecimento de um modelo que defina quais os conhecimentos, habilidades e atitudes esperados para o desempenho das funções inerentes ao cargo. Mas a citação que melhor explica o seu protagonismo é a do art. 8º, § 3º, quando a Lei aponta que o regulamento que define as regras relativas à atuação do agente de contratação, da comissão de contratação, dos gestores e fiscais de contratos, dentre outros atores do metaprocesso de contratação, deverá prever, obrigatoriamente, a possibilidade de eles contarem com o apoio da unidade de controle interno. Tal visão se alinha ao entendimento esposado no emblemático Acórdão TCU n. 1.171/2017 – Plenário que descreve a unidade como parte da gestão e do sistema ou da estrutura de controle interno da própria entidade, tendo o papel de assessorar os gestores com seu conhecimento especializado. Na prática, isto significa que os controladores internos deverão estar aptos a dirimir as questões levantadas pelos atores processuais durante as fases de planejamento, seleção do fornecedor e execução contratual, além de outras que sejam invocadas nas estruturas de Governança da organização.
A terceira acepção de controle interno, por sua vez, é deveras problemática no contexto da NLLC. Isto porque a Lei não menciona, em nenhum momento, a unidade de auditoria interna. Acaba por fazê-lo de forma indireta quando, no art. 169, III, ao descrever aqueles que compõem a terceira linha de defesa, cita o órgão central de controle interno. Aqui retornamos à previsão constitucional de um Sistema de Controle Interno, citada inicialmente. De acordo com o texto da CF/1988, cada Poder deverá ter o seu. A realidade, no entanto, apresenta um quadro distinto no qual apenas o Poder Executivo possui órgão central, quais sejam as Controladorias-Gerais da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios. Todavia, Legislativo e Judiciário não se identificam no texto legal por não gozarem de tal estrutura, tendo a necessidade de buscar o modelo original das Três Linhas (de autoria do Instituto dos Auditores Internos Global – The IIA) e normas setoriais (como, por exemplo, as Resoluções CNJ n. 308 e 309) para orientar o papel de avaliação independente e objetiva da gestão, atribuição típica de terceira linha conforme a melhor doutrina.
Uma vez estabelecida a problemática, cabe-nos buscar uma solução. E, longe de querer esgotar a questão, sugere-se um caminho.
Para os órgãos do Executivo Federal, Distrital e Estadual, por sua ampla estrutura, cabe obedecer à lei como posta, visto encontrarem respaldo na literalidade da norma. Ao Executivo Municipal, por sua vez, não será tarefa simples, uma vez que, em grande parte dos municípios brasileiros, não há recursos humanos para segregar as atividades de segunda linha – conformidade e assessoramento à gestão – daquelas de terceira linha – avaliação independente e objetiva da gestão. E aqui presume-se a compreensão de que as atividades de auditado e auditor não podem ser exercidos pela mesma pessoa, ou seja: quem faz parte do processo de trabalho, participando em assessoramento e apoio, não terá objetividade para avaliá-lo de forma independente e objetiva. Portanto, sempre que possível, caberá o estabelecimento de estruturas que permitam aos agentes públicos funcionar sem o acúmulo das atividades de segunda e terceira linhas. Ao Legislativo e ao Judiciário, um caminho que já tem sido trilhado por alguns órgão e entidades: a perpetuação e o fortalecimento das unidades de auditoria interna e a criação de uma estrutura de controle interno que funcione em assessoramento e apoio aos gestores em resposta ao art. 8º, § 3º.
O caminho proposto pela Nova Lei de Licitações e Contratos não é fácil, entretanto inevitável. Por isso, repito: prezado gestor, precisamos conversar sobre o Controle Interno.