1 Introdução
A padronização nas contratações públicas não é assunto novo. Com efeito, a Lei nº 8.666/93 já previa que as obras e serviços destinados aos mesmos fins teriam projetos padronizados (art. 11) e que as compras, sempre que possível, deveriam atender ao princípio da padronização (art. 15). Não é de agora, também, que se fala, por exemplo, em padronização de especificações e catálogos de padronização, institutos co-relacionados e pré-existentes à Lei nº 14.133/21, já utilizados no âmbito de alguns órgãos e entidades, ainda que precariamente.
Em nosso sentir, a ausência de maiores detalhes, especialmente quanto ao procedimento, assim como as questões relacionadas à indicação de marca, outro assunto bastante sensível[1], podem ter dado causa à inexpressividade de seu uso prático.
A Lei nº 14.133/21 trouxe, novamente, o tema à superfície, mantendo a padronização como princípio a ser observado no planejamento das contratações públicas.[2] Por outro lado, a Lei inovou ao tratar sobre aspectos do processo de padronização[3], ainda que de forma sucinta e sem afastar a possibilidade de regulamentação.
É certo, para nós, que não se trata de um novo instituto, diferente do que já se sabia ou dizia sobre ele. Entretanto, o contexto da nova Lei renova a necessidade de estuda-lo e compreendê-lo de modo suficiente para que possa, com a devida aplicação, doravante, produzir a esperada eficiência e eficácia. Não deverão ser desprezadas as construções doutrinárias que permitam levar a cabo regulamentos que possibilitem a integral aplicação da Lei e o alcance dos resultados por ela visados, em especial no tocante ao processo de padronização, mas um de seus aspectos chama atenção de um modo especial, pela natureza legitimamente inovadora: o §1º do art. 43 da Lei nº 14.133/21, possibilita a adesão a padronização já realizada “por outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior”.[4] Tal mecanismo, ainda que timidamente tratado no texto da Lei, possui um expressivo potencial para a produção de grandes benefícios.
2 A padronização na Lei nº 14.133/21
De acordo com o art. 40, inc. V, alínea “a” e o art. 47, inc. I da nova Lei, o planejamento das compras e serviços deverá atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações estéticas, técnicas ou de desempenho. Assim, mesmo não contido no rol de princípios enumerados no art. 5º, a padronização é, sem dúvida, um princípio a ser observado pela Administração Pública em suas contratações.[5] A utilização da expressão “deverá” impõe a necessidade de justificar, satisfatoriamente, eventual impossibilidade de sua observância. [6]
A regra é de suma importância pois, em linha de consonância com o princípio do planejamento, define que qualquer contratação seja avaliada, planejada, programada e realizada considerando o dever de evitar a aquisição de bens diferentes nos seus elementos componentes, na qualidade, na produtividade e na durabilidade, com implicações diretas e imediatas no estoque, na manutenção, na assistência técnica, nos custos, no controle e na atividade administrativa.[7]
Padronizar significa igualar, uniformizar, adotar um modelo. O princípio da padronização, por sua vez, impõe que sejam estabelecidas e observadas regras e procedimentos básicos que levem à adoção de um padrão, previamente fixado por satisfazer às necessidades das atividades que estão a seu encargo. As contratações de bens e serviços, portanto, não devem ser simplesmente executadas, mas planejadas e decididas antes de sua realização, sempre segundo esse princípio e as finalidades de interesse público que se busca alcançar.
Em síntese, cabe à Administração estabelecer um padrão próprio para a qualidade de suas contratações, por meio da padronização prévia de especificações.[8] Mas, a padronização não deve ser utilizada como fim em si mesma; não se deve “padronizar por padronizar”. [9] Toda e qualquer padronização de especificações deve ser justificada no processo. A sua racionalidade – e, também, a racionalidade de sua imposição como princípio – está, justamente, nos benefícios que ela pode proporcionar à Administração Pública, considerando a natureza do objeto e do mercado em que ele se insere, assim como os custos envolvidos. [10] Portanto, caberá realizar processo de padronização quando, analisadas todas as variáveis, este for o caminho aptoa trazer melhores benefícios.[11]
2.1 Padronização e indicação de marca na Lei nº 14.133/21
A indicação de marca é tema conexo à padronização. Por meio desse processo é possível não apenas padronizar características de certos objetos, mas, também, em algumas situações, a marca dos objetos a serem adquiridos pela Administração. Ao se indicar a marca, garante-se a padronização exata dos objetos futuros com aqueles já existentes. Porém, por configurar uma restrição à competição, precisa estar justificada no processo, considerando a natureza dos objetos e os fins a serem alcançados.[12] Assim, não se descarta que a padronização de especificações possa conduzir à padronização de uma marca específica, desde que lastreada por, conforme o caso, estudos, laudos, perícias e pareceres técnicos, em que as vantagens para o interesse público fiquem clara e sobejamente demonstradas.
A Lei nº 14.133/21 segue, rigorosamente, essa linha de raciocínio. O já referido princípio da padronização inclui considerar a “a compatibilidade de especificações estéticas, técnicas ou de desempenho”. Ainda, o art. 41, inciso I prevê a indicação de marca em caráter excepcional, desde que formalmente justificada, em quatro hipóteses, entre elas, “em decorrência da necessidade de padronização do objeto”.[13] A doutrina já entendia, com fundamento na Lei nº 8.666/93, que a aquisição de produto de marca determinada, com exclusão de similares, era possível nesta situação, cabendo à Administração demonstrar que a adoção da marca busca apenas atender o interesse público, afastando as predileções ou aversões pessoais do administrador.[14]
A questão que se põe controversa diante de uma disposição bastante confusa da nova Lei é se a padronização da marca poderia levar à contratação – reiterada – de fornecedor exclusivo. Em princípio, havendo justificativas admissíveis para a fixação de uma determinada marca como padrão, em tese, não haveria óbice a tanto. Ressalta-se em favor de tal raciocínio, em caráter comparativo, que a contratação com um mesmo fornecedor por um período longo ou indeterminado não é mais vista com ressalvas pela nova Lei, desde que permaneça atendendo ao interesse público. É o que se extrai da previsão para contratos com prazos bastante alongados, contida nos arts. 106 e seguintes da nova Lei, e para contratos com prazo indeterminado, referentes a serviços prestados em regime de monopólio. Então, em si e por si, o fato de haver uma contratação com um único fornecedor perdurando por um longo período de tempo não se põe como obstáculo, enquanto aquela marca estiver atendendo aos padrões de qualidade estabelecidos – que podem, a qualquer tempo, ser revistos. A nova Lei não trata do assunto diretamente, mas estabelece, no seu art. 40, §3º, inciso III, que o parcelamento não será adotado quando o processo de padronização ou de escolha de marca levar a fornecedor exclusivo. A disposição é bastante confusa e, interpretada à luz do que estabelece os parágrafos anteriores do mesmo artigo, parece levar à regra de que, para os estritos fins do processo de padronização, não caberá dividir o objeto (parcelar) quando esta divisão levar a uma marca fornecida por um único particular. Isso porque, conforme estabelece o inc. III do §2º, na aplicação do parcelamento deverão ser considerados o dever de buscar a ampliação da competição e de evitar a concentração de mercado, o que seria incompatível com a padronização de uma marca nessas condições. Não se afasta, contudo, a possibilidade que outra interpretação, mais restritiva, seja extraída, qual seja, a de que o inciso III do §3º do art. 40 pressupõe a inviabilidade de padronização de marca quando for exclusiva de um fornecedor. Qualquer que seja o entendimento, a regulamentação da questão se põe como fundamental para criar um ambiente seguro para os operadores da norma.
Ainda a propósito deste tema, é imprescindível que sejam verificadas as diferentes soluções existentes e produzidas as justificativas para amparar a escolha da Administração, de forma que atenda o interesse público. Não há reprovação legal à utilização de marca como meio de identificação de um objeto escolhido por suas qualidades ou propriedades intrínsecas, podendo, em nosso entender, levar a uma situação de inviabilidade absoluta de competição. A avaliação deve ser, no entanto, relativa às suas especificações, concluindo-se que são as únicas aptas a gerar o padrão de qualidade pretendido pela Administração. A marca não pode, portanto, ser a causa motivadora da escolha, mas pode ser a consequência de uma decisão que se funda em características específicas do objeto padronizado.[15]
Em relação à descrição do objeto com características exclusivas ou com indicação de marca, têm o TCU, ao decidir sobre a questão, buscado confrontar a razoabilidade dessa restrição à competitividade com o interesse público. Sua jurisprudência caminha na direção de se admitir a indicação de marca como parâmetro de qualidade do objeto a ser licitado, desde que a Administração demonstre, de forma efetiva, que pretende dar continuidade à utilização de determinada marca já adotada, ou utilizar marca mais conveniente ou padronizar marca no serviço público.[16]
2.2 O catálogo eletrônico de padronização de compras, obras e serviços
A observância do princípio da padronização envolve e exige a criação e utilização de um catálogo eletrônico de padronização, conforme se extrai do art. 19 da Lei nº 14.133/21. Uma vez instituído, sua não utilização deverá ser justificada por escrito e anexada ao respectivo processo.[17] Os diferentes órgãos e entidades poderão instituir cadastro próprio ou, a seu critério, utilizar o catálogo instituído pelo Poder Executivo Federal.[18] Em qualquer caso, o catálogo eletrônico de padronização integrará o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).[19]
O catálogo eletrônico de padronização é, pois, um sistema informatizado de gerenciamento centralizado e com indicação de preços, destinado a permitir a padronização de objetos serem adquiridos pela Administração Pública.[20] Estará disponível para licitações[21] com julgamento pelos critérios menor preço ou maior desconto, contendo a documentação e os procedimentos próprios da fase interna, assim como as especificações dos respectivos objetos.[22] A especificação do objeto no termo de referência deverá se dar, preferencialmente, a partir do catálogo eletrônico de padronização[23], que também conterá os produtos que houverem sido pré-qualificados nos termos do art. 80 da Lei nº 14.133/21.
Esse conjunto de objetos previamente especificados e padronizados a partir de níveis satisfatórios de qualidade, rendimento, compatibilidade, durabilidade e segurança, aferidos em experiências concretas e procedimentos objetivos, tende a melhorar a qualidade dos objetos contratados pela Administração e, consequentemente, a qualidade do gasto público.
2.3 O processo de padronização
Claramente, a padronização de objetos é um instrumento de eficiência da atividade administrativa, com redução de custos e otimização da aplicação de recursos, já que elimina variações tanto no tocante à seleção de produtos no momento da contratação como também na sua utilização, conservação, etc.[24]
Para obtê-la, o art. 43 da Lei nº 14.133/21 impõe a observância de um processo, com alguns elementos obrigatórios, quais sejam: a) parecer técnico sobre o produto, consideradas especificações técnicas e estéticas, desempenho, análise de contratações anteriores, custo e condições de manutenção e garantia; b) despacho motivado da autoridade superior, com a adoção do padrão e c) síntese da justificativa e descrição sucinta do padrão definido, divulgadas em sítio eletrônico oficial.
Nota-se que o procedimento, o rito por meio do qual o processo de padronização se desenrolará, ficará a critério da Administração, que poderá regulamentá-lo. O regulamento deverá identificar, de forma clara, as formalidades para início e término do procedimento, suas fases e os objetivos a serem alcançados em cada uma delas, prevendo, ainda, formas alternativas de divulgação dos seus resultados, como, por exemplo, no site do próprio órgão. Salienta-se que o processo, contudo, não poderá prescindir dos elementos listados, que poderão apenas sofrer apenas variações atreladas à natureza do objeto a ser padronizado – bem, serviço ou obra. Em linhas gerais, sugere-se:[25]
1ª Fase: designação de comissão
2ª Fase: análise e diagnóstico da situação atual
3ª Fase: apuração das necessidades administrativas e exame de alternativas
4ª Fase: instauração do processo administrativo de padronização
5ª Fase: instrução do processo, incluindo a realização de testes, se necessário
6ª Fase: análise e relatório conclusivo
7ª Fase: despacho motivado da autoridade competente
8ª Fase: publicidade
Note-se que o processo de padronização não é contencioso, razão pela qual não se pode permitir que interessados tenham participação efetiva na defesa de seus produtos ou na impugnação dos que lhes são concorrentes. Poderão, sim, contestá-lo pelos meios cabíveis, caso entendam haver qualquer ilegalidade, mas não reclamar sua participação durante o transcurso do processo.
A padronização, em si, pressupõe-se vantajosa para a Administração, o que não afasta, contudo, a necessidade de, no processo respectivo, ser avaliado o benefício econômico direto e as vantagens indiretas provenientes da padronização daquele determinado objeto.
A efetiva padronização requer a instituição “oficial” de um padrão, ou seja, a autoridade competente deverá declarar, em despacho fundamentado, a adoção do padrão conforme apurado no processo administrativo. Assim, no momento desta avaliação, a autoridade poderá: a) acolher o relatório e adotar o padrão; b) devolve o processo à Comissão para que realize diligência eventualmente entendida necessária; c) motivadamente, arquivar o processo caso discorde da padronização sugerida.
Por fim, o ato que instaurar a padronização – decreto, portaria ou ato da Mesa – deverá ser publicado em sítio eletrônico oficial,[26] após o que será possível adquirir o bem padronizado por meio de licitação, dispensa ou inexigibilidade, conforme o caso.
3. A possibilidade de adesão ao processo de padronização de outra Administração
Conforme já mencionado, a Lei nº 14.133/21 traz uma inovação no tocante à padronização. O § 1º do seu art. 43 estabelece ser “permitida a padronização com base em processo de outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior ao do órgão adquirente, devendo o ato que decidir pela adesão a outra padronização ser devidamente motivado, com indicação da necessidade da Administração e dos riscos decorrentes dessa decisão, e divulgado em sítio eletrônico oficial.” Significa que um órgão ou entidade poderá, valendo-se de padronização já implementada por outro, decidir padronizar o mesmo objeto, nos mesmos termos. Haverá, pois, um “aproveitamento” do processo de padronização alheio, mediante decisão fundamentada.
O procedimento, ao que nos parece, é similar à adesão ao sistema de registro de preços, razão pela qual também nos referimos a ele como “carona”. Por tal razão, possui potencial para produzir grandes benefícios, mas também, enseja cuidados.
Com efeito, a economia processual proporcionada pelo simples fato de ser possível aderir a uma padronização preexistente é algo a se comemorar. Isso fica ainda mais evidente quando se pensa na realidade de pequenas organizações, com estruturas mais reduzidas e demandas quantitativamente menores. Contudo, não se pode perder de vista que a padronização ocorre a luz de interesses específicos de uma dada organização e, por isso, a “carona” exige prévia avaliação da conveniência e a oportunidade de adotar os padrões estabelecidos pelo órgão ou entidade a cujo processo se pretende “aderir”.
Especialmente quando se estiver diante de padronização que conduza a uma determinada marca e/ou a um determinado fornecedor, haverá que se ter maior cuidado. Uma mesma marca pode se mostrar insuperável para atender o interesse público de uma organização, mas não ser estritamente necessária para atender ao interesse de outra, perdendo-se, pois, neste caso, a justificativa necessária à restrição da competição.
Sendo assim, a Administração que pretender aderir a uma padronização preexistente deverá demonstrar, em processo interno, o seu cabimento, considerando as próprias necessidades. O referido processo deverá conter parecer técnico que avalie a compatibilidade da padronização com a realidade da Administração, considerando eventuais riscos dela decorrentes[27], bem como despacho motivado da autoridade competente, de modo similar ao que estabelecem os incisos I e II do art. 43 da Lei.
Não é relevante, em nosso ver, o fato de a padronização ter sido realizada por Administração de outra esfera de governo, na chamada “adesão vertical”, desde que, rigorosamente, o modelo estabelecido atenda às necessidades da Administração aderente, com os cuidados acima mencionados.
Assim como ocorre no processo de padronização, a decisão de aderir e, portanto, padronizar as características ou a marca de determinado objeto com base em processo de padronização de outro órgão ou entidade deverá ser objeto de ato material e formalmente competente, conforme a natureza da Administração. A partir dela, os processos de contratação ocorrerão oportunamente, mediante licitação, dispensa ou inexigibilidade, conforme o caso.
6 Conclusão
A Lei nº 14.133/21 não muda a essência do instituto da padronização, já previsto na Lei nº 8.666/93, mas acrescenta em aspectos operacionais, o que deverá funcionar como incentivo a sua utilização.
Contudo, a Lei prevê os elementos essenciais do processo de padronização, mas não o seu procedimento, ou seja, o passo a passo para sua implementação, o qual deverá ser regulamentado pelas respectivas administrações que pretendam dele se beneficiar.
A novidade mais expressiva trazida pela nova Lei é a possibilidade de “adesão” ou “carona” em padronizações preexistentes, implementadas por outras Administrações. Esse novo instituto pode ser visto com bons olhos, diante do peculiar efeito de amplificar os benefícios da padronização a um maior número de organizações, reduzindo custos e externalidades negativas eventualmente decorrentes da falta de preparo de agentes, relacionada à condução do procedimento. Há que se ter cuidado, entretanto, para que a adesão seja corretamente motivada, especialmente demonstrando-se que a padronização a que se pretende aderir é compatível com as necessidades da Administração aderente e que não há risco de ofensa a normas e princípios que regem as contratações públicas, especialmente diante de padronização de marca que possa levar à contratação de um único fornecedor.
Referências
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Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5220.
Acesso em: 5 jul. 2022.
[1] Tendo como fundamento o princípio constitucional da isonomia, a indicação da marca sempre foi algo tormentoso para a Administração Pública. Desejada fervorosamente por aqueles que fazem uso dos objetos adquiridos por meio de licitações e que sofrem com sua má qualidade, não pode ser sinônimo de restrição indevida à competição, sendo admitida, entre outras hipóteses, antes mesmo da Lei nº 14.133/21,em caso de existência de processo de padronização devidamente implementado (Vide Acórdão nº 1.553/2008 – TCU/Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti; Acórdão nº 2.829/2015 – TCU/Plenário, Rel. Min. Bruno Dantas; Acórdão nº 113/2016 – TCU/Plenário, Rel. Min. Bruno Dantas; e Súmula nº 270 do TCU).
[2] Vide art. 40, inc. V, alínea “a” e art. 47, inc. I, ambos da Lei nº 14.133/21.
[3]“Art. 43.O processo de padronização deverá conter:
I – parecer técnico sobre o produto, considerados especificações técnicas e estéticas, desempenho, análise de contratações anteriores, custo e condições de manutenção e garantia;
II – despacho motivado da autoridade superior, com a adoção do padrão;
III – síntese da justificativa e descrição sucinta do padrão definido, divulgadas em sítio eletrônico oficial.”
[4] “Art. 43. …
§ 1º É permitida a padronização com base em processo de outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior ao do órgão adquirente, devendo o ato que decidir pela adesão a outra padronização ser devidamente motivado, com indicação da necessidade da Administração e dos riscos decorrentes dessa decisão, e divulgado em sítio eletrônico oficial.”
[5] Sob um enfoque mais amplo, é possível entender o princípio da padronização não apenas relacionado ao processo de padronização de especificações de objetos, mas, também, à padronização de documentos a ele relacionados. É nítido em diversos dispositivos da Lei nº 14.133/21 a intenção de, por meio de modelos de documentos, estabelecer padrões a serem observados e, assim, minimizar erros e melhorar a eficiência do processo de contratação.
[6] A respeito do tema, ainda sobre as disposições da Lei nº 8.666/93, observem-se as lições de Toshio Mukai: “[o] que está estatuído no art. 15, I não constitui uma faculdade do poder público de imprimir a padronização. O verbo deverão denota que o legislador desejou que sempre nas compras fossem atendidos os aspectos relativos ao principio da padronização. Entendemos que a padronização é obrigatória em todos os casos onde existam possibilidades para tanto, inclusive para bens de consumo.” (SOUTO MAIOR FILHO, Marcos Antônio. Princípio e processo de padronização e a utilização de marca. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 322, 25 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5220. Acesso em: 5 jul. 2022).
[7] Em parecer dado para a Companhia Vale do Rio Doce, em 25 de novembro de 1994, Toshio Mukai asseverou, tendo como fundamento a Lei nº 8.666/1993: “Ao interpretarmos o dispositivo podemos concluir que o princípio da padronização não é uma mera faculdade conferida pela lei ao administrador. Em absoluto não. Trata-se, sim, de um dever a ele imposto. A padronização é, portanto, a regra que será excepcionada somente quando as condições intrínsecas do bem a ser adquirido impedirem sua execução.” (MUKAI, Toshio. Parecer inédito dado para a Companhia Vale do Rio Doce em 25 de novembro de 1994. Informativo Licitações e Contratos – ILC, Zênite, Consulta em Destaque – 628/66/AGO/99)
[8]Acerca da vantajosidade da padronização, como apontado por Marçal Justen Filho:
a) é um importante instrumento de racionalização da atividade administrativa, com redução de custos e otimização da aplicação de recursos. Significa que a padronização elimina variações tanto no tocante à seleção de produtos no momento da contratação como também na sua utilização, conservação etc;
b) há menor dispêndio de tempo e de esforços na ocasião da contratação, eis que a Administração já conhece as características técnicas da prestação. Não há necessidade de longos exames para selecionar a melhor opção;
c) todas as contratações posteriores serão efetuadas de acordo com as linhas mestras predeterminadas.
d) há ganhos no curso da execução do contrato;
e) os servidores públicos não precisam ser treinados para novas técnicas ou características desconhecidas dos objetos;
f) as providências de conservação e manutenção são idênticas às praticadas no passado;
g) não há necessidade de multiplicação de estoques de peças de reposição, material de consumo etc., eis que esse conjunto de bens pode ser utilizado, de modo indistinto, para a totalidade dos produtos obtidos por meio de contratações. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 295)
Eduardo Azeredo Rodrigues aponta que “A padronização deve ser resultado da experiência da Administração nas aquisições de produtos e utilização de serviços, com vistas a repercutir nas futuras contratações, que deverão ser pautadas pelas constatações predeterminadas. Uma das principais vantagens que a padronização pode proporcionar, sob os aspectos técnico e econômico, é o aproveitamento do know-how utilizado na manutenção e conservação dos novos produtos – tendo por paradigma as experiências anteriores – bem como o uso dos mesmos insumos que passarão a atender não só aos antigos equipamentos como a todos os novos, padronizados. Deve-se destacar, entretanto, que padronização não se confunde com escolha de marca, demais de que se admite apenas excepcionalmente a exclusividade de marca, quando for tecnicamente justificável. A padronização tem o objetivo de definir características referentes às especificações técnicas e de desempenho de determinado gênero de produtos que são almejadas pela Administração Pública, o que pode resultar na conclusão de que determinadas marcas atendem ao tipo de padronização adotado ou, até mesmo, apenas determinado fabricante oferece o produto que se coaduna com os padrões pretendidos. Pode também haver a conclusão motivada e circunstanciada no sentido de que a homogeneidade de produtos adquiridos, ainda que existam similares no mercado, é a única solução que satisfaz ao interesse público, sob as perspectivas da economicidade e eficiência. Nessa última hipótese, óbice não há que a Administração conclua pela escolha de determinada marca, sendo esta a única que ostenta as características compatíveis com a padronização adotada, ou desde que haja justificada necessidade de adoção de apenas uma marca. (RODRIGUES, Eduardo Azeredo. O princípio da padronização. Disponível em: https://www.zenitefacil.com.br/pesquisaDocumento?task=GET_DOCUMENTO&idDocumento=28C27477-71BF-40AC-9261-2B80B4B3048B. Acesso em: 5 jul. 2022)
[9] Por isso, tem razão Raul Armando Mendes quando ensina que a padronização só deve ser adotada se oferecer real interesse para os serviços públicos, que sua adoção não deve ficar ao alvedrio do administrador e que a falta da comprovação das vantagens pode ensejar a sua anulação administrativa ou judicial e a responsabilização do agente que a determinou. A padronização, seja pela escolha de uma marca, seja pela entronização de um modelo próprio, não pode ser meio, instrumento, para beneficiar ou prejudicar fornecedores. (MENDES, Raul Armando. Comentários ao estatuto federal das licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 41.)
[10] Até porque, como ensina Justen Filho, “a Administração deverá ter em vista aquisições passadas e futuras. A padronização aplica-se não apenas a uma compra específica, especialmente quando se trate de bem de vida útil continuada. Ao selecionar o fornecedor para produtos não consumíveis, a Administração deverá ter em vista produtos semelhantes que já integram o patrimônio público, como também deverá prever eventuais futuras aquisições. Somente assim a padronização produzirá os efeitos desejados, consistentes na redução de custos de manutenção, simplificação de mão-de-obra etc.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 295.)
[11]É certo que, contudo, que sempre que um mecanismo racionalizador das compras puder ser usado em benefício da Administração Pública, qualquer bem por ela desejado pode e deve ser padronizado. É a lição que se retira sem maior dificuldade da precisa afirmação de Hely Lopes Meirelles, quando prescreve que “O princípio da padronização impõe que as compras de materiais, equipamentos e gêneros de uso comum na Administração se realizem mediante especificações uniformes, que, dentre outras coisas, busquem compatibilizar a técnica com o desempenho e igualar as condições de manutenção e assistência técnica.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 14. ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 66.)
[12]O Tribunal de Contas da União, por meio da Decisão nº 1.196/2002, Plenário, encampou o entendimento de que a indicação da marca é admissível para fins de padronização, se acompanhada por razões de ordem técnica. Ainda, segundo a corte de contas federa: “A indicação de marca somente é aceitável para fins de padronização, quando o objeto possuir características e especificações exclusivas, mediante a apresentação de justificativa fundamentada em razões de ordem técnica” (Acórdão nº 62/2007, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa); “A indicação de marca na especificação de produtos de informática pode ser aceita frente ao princípio da padronização previsto no art. 15, inciso O, da Lei nº 8.666/1993, desde que a decisão administrativa que venha a identificar o produto pela sua marca seja circunstanciadamente motivada e demonstre ser essa a opção, em termos técnicos e econômicos, mais vantajosa para a Administração” (Acórdão nº 2.376/2006, Plenário, rel. Min. Marcos Vilaça).
[13] Muito embora a Lei não coloque de maneira expressa que o objeto da licitação deve ser caracterizado de forma adequada, sucinta e clara, seus dispositivos sugerem que a descrição do objeto deve ser simples e sem maiores detalhes, ressalvados aqueles necessários à sua perfeita caracterização (vide arts. 18, 25 e 150). O objeto deve ser descrito de forma que revele a exata necessidade do Poder Público, com todas as características indispensáveis, afastando-se aquelas irrelevantes e desnecessárias, que apenas restringem a competição.
A indefinição do objeto, além de dificultar a obtenção dos resultados pretendidos pela Administração, lesa o princípio da isonomia, pois a falta de clareza impede a elaboração de uma proposta objetiva e, consequentemente, a precisão nos demonstrativos de custo, necessária para se concorrer em igualdade de condições. Assim, a descrição precisa do objeto da licitação, com a indicação de suas características técnicas, visa alcançar plenamente o princípio da igualdade (vide Súmula 177 do Tribunal de Contas da União) Somente de posse de todas as informações sobre o produto a ser licitado é que os interessados poderão disputar o certame em igualdade de condições. A falta de clareza do objeto da licitação também fere o princípio do julgamento objetivo, pois não haverá condições de comparar as propostas ofertadas nem de demonstrar que o preço proposto é compatível. Em suma, pode-se dizer que a falta de definição correta e clara do objeto da licitação ofende, sobremaneira, o princípio fundamental da licitação, que é a competição. Nesse contexto, a indicação de marca pode ser admitida, conforme doutrina e jurisprudência assente, para a identificação e definição adequada do objeto pretendido na licitação, melhorando as condições de competição.
[14] Na Lei nº 14.133/21, a palavra “marca” aparece sete vezes: em cinco é admitida sua indicação, mesmo que excepcionalmente, e apenas em duas é vedada.
[15]Marçal Justen Filho, ao tratar do tema no contexto da Lei nº 8.666/1993, ensina que “[a] vedação do § 5º (art. 7º) conjuga-se com o art. 25, inciso I, a cujo conteúdo se remete. É possível a contratação de fornecedores exclusivos ou a preferência por certas marcas, desde que essa seja a solução mais adequada para satisfazer as necessidades coletivas. Não se admite a opção arbitrária, destinada a beneficiar determinado fornecedor ou fabricante. A proibição não atinge, obviamente, a mera utilização de marca como instrumento de identificação de um bem – selecionado pela Administração em virtude de suas características intrínsecas. O que se proíbe é a escolha do bem fundada exclusivamente em uma preferência arbitrária pela marca, processo psicológico usual entre os particulares e irrelevante nos limites do direito privado.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 252)
[16]Vide TCU. Acórdão nº 1.547-22/2004 – 1ª Câmara, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues e TCU. Acórdão nº 300/1998 – 1ª Câmara, Rel. Min.-Substituto Lincoln Magalhães da Rocha.
[17] Vide art. 19 da Lei nº 14.133/21.
[18] Vide art. 19, inciso IV da Lei nº 14.133/21. A Portaria SEGES/ME nº 938, de 2 de fevereiro de 2022, institui o catálogo eletrônico de padronização do Poder Executivo Federal. Segundo estabelece, “[O]s órgãos e entidades da Administração Pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, deverão observar as regras desta Portaria.”
[19] Vide §2º do art. 174 da Lei nº 14.133/21.
[20] Vide art. 6º, inciso LV da Lei nº 14.133/21.
[21] Não se vislumbra óbice à sua utilização nas contratações diretas igualmente, sempre que possível.
[22] Vide §1º do art. 19 da Lei nº 14.133/21.
[23] Vide art. 40, §1º, inciso I da Lei nº 14.133/21.
[24] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 567.
[25]Sugestões com base no art. 43 da Lei nº 14.133/21 e nas pontuações efetuadas por Diogenes Gasparini, ao analisar hipótese específica com fundamento na Lei nº 8.666/93. (GASPARINI, Diogenes. Padronização – somente será legal se de seu processo de institucionalização restarem, como no caso, devidamente comprovadas suas vantagens administrativa, técnica e econômica. A exclusividade comprovada na prestação dos serviços de manutenção (retirada, recuperação e reinstalação) do equipamento padronizado é razão suficiente para a inexigibilidade de licitação. Disponível em: https://www.zenitefacil.com.br/pesquisaDocumento?task=GET_DOCUMENTO&idDocumento=DA2FA0CB-4A78-40A1-B039-E012796B0318&idAba=166&termoPesquisa=PADRONIZA%C3%87%C3%83O&termosCorrelatos=true&visaoEstendida=false&palavraContexto=AMPLO&expressao=true&termoURL=true. Acesso em: 5 jul. 2022).
[26]Segundo o inciso III, do art. 43 da Lei, deve-se divulgar em sítio eletrônico oficial, a síntese da justificativa e descrição sucinta do padrão definido.
[27] Numa análise preliminar, podem ser identificadas algumas situações: a) o objeto não atender plenamente às necessidades da Administração; b) adquirir-se objeto de determinada marca, sem que haja justificativa suficiente para tanto, no âmbito das necessidades da Administração aderente; c) contratar-se por meio de inexigibilidade de licitação sem que a necessidade exclusiva de um determinado objeto seja efetivamente demonstrada no âmbito da Administração aderente; d) elevação de custos pela ausência de competitividade, já que há a possibilidade de que os licitantes apresentem propostas superiores às que formulariam se existisse um universo mais amplo de participantes da licitação.