O Projeto de Lei nº 1.292, de 1995, apresenta em seu artigo 5º os princípios aplicáveis nas contratações públicas brasileiras. Ao lado de relevantes princípios, a redação dispõe:
Art. 5º. Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficiência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável.
Examinemos, inicialmente, as diferenças entre a redação da Lei 8.666, 1993 e aquela que consta do projeto de lei no tocante aos seus núcleos irradiadores: artigo 3º da Lei 8.666/93 e artigo 5º, do Projeto de Lei.
Consta do artigo 3º, caput, da vigente Lei de Licitações:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
O ponto que chama atenção é que no artigo 3º, caput, o desenvolvimento nacional sustentável é apresentado como uma finalidade da licitação, enquanto que no artigo 5º, do PL1.292/95, foi expressamente mencionado como um princípio.
Sobre esta diferença é necessário nos determos porque uma leitura açodada dos dois artigos poderia levar a uma interpretação restritiva e não condizente com um olhar sistêmico sobre o tema perante o ordenamento pátrio e que colocaria o desenvolvimento nacional sustentável em um patamar não tão elevado na Lei 8.666/93 quanto estaria agora no projeto da nova lei de licitações.
A interpretação literal do artigo 3º, caput, da Lei 8.666/93 poderia induzir à conclusão de que somente com a redação do PL 1262/95 o desenvolvimento nacional sustentável teria alçado status tal que o tornaria ponto nuclear nas contratações públicas brasileiras.
Não é esta a melhor intepretação porque não condizente com as diretrizes previstas na Constituição Federal de 1988.
Vejamos o artigo 225, caput, da Constituição Federal:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A constitucional previsão de que é direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado e que há um dever estatal na sua defesa e preservação leva-nos a ponderar com uma primeira reflexão: quais são as ações governamentais possíveis para a garantia de tão relevante direito?
Há, por certo, competências relevantíssimas para o atingimento deste mister, como a fiscalização realizada pelos órgãos ambientais por exemplo, mas há também o dever de defesa e preservação do meio ambiente por intermédio das contratações públicas.
Neste ponto, considere-se o que nos prescreve o artigo 2º, I, da Lei 6.938, de 1981, sinalizando para a relevância das ações governamentais em sentido amplo, dentre as quais, inserem-se as licitações, dispensas e inexigibilidades:
Art 2º – A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
Assim, tendo a Constituição Federal de 1988 reconhecido relevância ímpar ao direito de todos ao meio ambiente e o dever estatal de consecução deste direito, ainda que não tenha constado expressamente no artigo 3º, caput, da Lei 8.666/93 a menção a tratar-se a sustentabilidade um princípio das contratações, importante ressaltar que a obrigatoriedade da observância da busca ao desenvolvimento nacional sustentável já é obrigatória na lei hoje vigente e não se traduz em mera faculdade do gestor público que atua em contratações.
O fundamento da consideração do valor sustentabilidade nas contratações públicas encontra-se na própria Constituição Federal. O que se verifica, agora, com o PL 1292/1995 é a maturidade que o tema vem assumindo no cenário normativo nos últimos anos.
Em retrospecto e a comprovar o amadurecimento institucional, destacamos inicialmente a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/2009):
Art. 6o São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima:
XII – as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos;
Sequencialmente, destaca-se a relevância da Instrução Normativa n. 01, 2010, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do então Ministério do Planejamento, que disciplinou a temática em janeiro de 2010, antes mesmo da alteração empreendida no artigo 3º, caput, da Lei 8.666/93 (Lei 12.349 de 15 de dezembro de 2010).
A Instrução Normativa 1/2010/SLTI dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, tanto para aquisições, como serviços e obras.
De igual, desde agosto de 2010, há previsão sobre licitações sustentáveis na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10):
Art. 7o São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
XI – prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:
a) produtos reciclados e recicláveis;
b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis;
Poucos dias antes da realização da Conferência Rio + 20, o Decreto 7.746, 2012, apresentou um verdadeiro passo a passo para a implementação das licitações sustentáveis, com critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Foi objeto de alterações pontuais pelo Decreto 9.178, de 2017.
Recentemente, o Decreto 10.024/2019, que disciplinou o pregão eletrônico, trouxe significativas menções ao tema:
Art. 2º. O pregão, na forma eletrônica, é condicionado aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, do desenvolvimento sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade e aos que lhes são correlatos.
§ 1º O princípio do desenvolvimento sustentável será observado nas etapas do processo de contratação, em suas dimensões econômica, social, ambiental e cultural, no mínimo, com base nos planos de gestão de logística sustentável dos órgãos e das entidades.
Art. 7º Os critérios de julgamento empregados na seleção da proposta mais vantajosa para a administração serão os de menor preço ou maior desconto, conforme dispuser o edital.
Parágrafo único. Serão fixados critérios objetivos para definição do melhor preço, considerados os prazos para a execução do contrato e do fornecimento, as especificações técnicas, os parâmetros mínimos de desempenho e de qualidade, as diretrizes do plano de gestão de logística sustentável e as demais condições estabelecidas no edital.
O que se verifica, neste breve retrospecto, é que o fundamento da consideração da sustentabilidade nas contratações públicas está no próprio artigo 225, caput, da Constituição Federal e que a nova Lei de Licitações está vindo a consagrar a maturidade do tema no cenário jurídico nacional, não havendo dúvidas de que toda e qualquer licitação brasileira há de ser sustentável, devendo ser motivada administrativamente a sua não realização.