Todo negócio jurídico possui um determinado grau de risco: de uma das partes não vir a cumprir com o que pactuou, que a coisa negociada pereça, que se deflagre um caso fortuito não previsível etc. Então, os sistemas jurídicos de todo mundo e durante a história do desenvolvimento do direito tentaram estabelecer, naquilo que era possível, regras para disciplinar o risco ou a incerteza – termos que deverão aqui ser diferenciados. Em termos amplos, o direito, então, tentou dar maior segurança jurídica e previsibilidade aos fatores de risco. Contudo, é ínsito a qualquer negócio jurídico um mínimo grau de álea, que deverá ser suportado pelas partes contratantes.
E, nesse ponto, avançou o direito para tentar conferir graus de atribuição ou de suportamento dos ônus derivados dos fatores de risco. Essa questão passou a fazer parte dos debates atuais, ainda que indiretamente, por exemplo, por conta da pandemia causada pela Covid-19 (Coronavírus). Então, pretende-se, nesse contexto, analisar, criticamente, as diferenças teórico-dogmáticas de institutos como “risco”, “incerteza”, “fatores de atribuição” e “eventos extraordinários”, relacionando-os aos contratos administrativos.
Com a partilha equilibrada dos riscos entre as partes contratantes, consegue-se um incentivo racional para as partes negociarem, o que gera consequências financeiras bastante eficientes. Quanto mais se precisar de teorias ou de interpretações para dirimir as omissões de um contrato, menos ele será economicamente adequado.
As incertezas são eventos extraordinários não se confundem com o risco ou álea econômica. Os primeiros relacionam-se a eventos imprevisíveis ou previsíveis com consequências imprevisíveis, a ocorrer no futuro, ou seja, tempos depois de firmado o contrato. Além disso o risco ou a álea econômica são prognoses. Compreendem possibilidades de que um evento possa ou não vir a ocorrer. De outro lado, risco não se confunde com incerteza. No risco, há como estabelecer probabilidades, porque se detêm informações relevantes neste sentido. Na incerteza, não há informações sobre a ocorrência do evento ou sobre suas consequências. Então, a incerteza pode aumentar o risco. “Risco” e “incerteza” se relacionam aos fatores de atribuição de responsabilidade para suportar a onerosidade derivada do evento extraordinário. Em outras palavras, prescrevem os limites de responsabilidade contratual.
E outro lado, o “risco contratual” não pode ser presumido, ou seja, atribuído de modo tácito. Deverá ser compreendido a partir do (1) contrato e da (2) lei, sendo estas as fontes primárias a interpretação do tema. Diante de contratos incompletos, a definição dos fatores de risco é nodal. Lembrando que a incompletude do negócio pode derivar da natureza deste (v.g. contratos de concessão de longo prazo etc.) ou da vontade das partes – neste último caso, o contrato seria propositadamente incompleto, relegando ao futuro o debate sobre a responsabilidade contratual, caso o fato extraordinário venha a ocorrer e gerar uma maior onerosidade;
O adimplemento de um contrato administrativo de longa duração, como as concessões e permissões e serviço público ou de uso de bem público ocorrem com a execução. Enfim, acontecerão ao longo da relação contratual. Há um “dever sem dia”, porque sempre se deve prestar o contrato. É diferente em se ter uma prestação parcelada, em relação ao negócio que revela várias prestações.
As relações contratuais privadas possuem ter base na justiça comutativa, que serve para corrigir as desigualdades da justiça distributiva, ao se estabelecer trocas, recebendo bens que não se tem, e fornecendo outros a outrem que não os têm. Em termos de contratos administrativos, essa lógica é presente, mas temperada, por conta de que se deve tutelar finalísticamente um terceiro: o cidadão.
De outro lado, não se pode perder de vista que é por meio dos contratos públicos que o Estado consegue tomar posse de bens que não se possui, sem fazer uso de atitudes unilaterais como a desapropriação, a requisição administrativa – apropriando-se riqueza de forma distributiva –, ou mesmo ficar à mercê de voluntárias doações privadas.
Nas trocas, estabelece-se uma determinada escolha, exercendo-se a liberdade contratual. E, nesse ponto: o risco não previsto no ajuste, ou seja, a incerteza passa a ser sempre um problema extracontratual, porque irá atuar uma vez já feita a escolha. O que o Estado deve fazer é criar condições protetivas para o cidadão fazer escolhas efetivas quando da contratação. Exemplo: dever de informação protege a escolha, corrigindo parâmetros desequilibrados, não tomando uma atitude paternalista; previsão de justa distribuição de riscos previsíveis etc.
Mas as leis não o comprometem a negociar em tempos futuros. Este é o ponto nodal a ser aqui percebido. No plano das relações comutativas e feitas com particulares, não poderiam ser estabelecidas atitudes paternalistas, sob pena de se fixar um paternalismo estatal indevido.