Quais são as dimensões da sustentabilidade que devem ser consideradas nas contratações públicas?
Após a apresentação do fundamento constitucional das licitações sustentáveis e sua previsão, desde 2010, no artigo 3º, da Lei 8.666/83 e termos efetuado um estudo comparativo do tema no RDC, Lei das Estatais e PL 1292/95, seguiremos com as dimensões da sustentabilidade.
Compreender desenvolvimento sustentável, em síntese e muito brevemente, tem relação com menção ao Relatório Brundtland (1987) que, em tradução livre, conceitua-o como aquele desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Para aprofundamento histórico do tema, confira estes escritos anteriores: Licitação e Desenvolvimento Nacional Sustentável. Revista Debates em Direito Público, ano 10, n. 10, outubro. Editora Fórum, 2011 e A inserção crescente da sustentabilidade na esfera jurídica: Lei n. 13.186/2015, este em co-autoria com Luciana Stocco Betiol. Revista Interesse Público. Ano 18, n. 98, julho/agosto. Editora Fórum, 2016.
O desenvolvimento sustentável ampara-se, minimamente, em três pilares: o ambiental, o social e o econômico, mas a eles não se limita.
O primeiro ponto a se destacar é que o desenvolvimento sustentável não se restringe exclusivamente à preservação ambiental. O aspecto ambiental é relevantíssimo, mas não é o único ser considerado nas contratações públicas. Há outras dimensões, como a social e econômica, além da cultural (expressamente prevista no Decreto 10.024/19), em uma perspectiva do agir estatal ético, transparente e com integridade.
A dimensão ambiental nas contratações públicas efetiva-se com o uso de madeira de origem regular, destinação adequada dos resíduos, consideração da logística reversa, vedação à substâncias que destroem a camada de ozônio, substituição de bens descartáveis por de uso mais durável, prioridade nas aquisições e contratações governamentais para produtos reciclados/recicláveis e bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis, baixo impacto sobre recursos naturais, maior vida útil e menor custo de manutenção, maior eficiência na utilização dos recursos naturais como água e energia, dentre outros exemplos. Há diversos detalhamentos na Instrução Normativa n. 01/2010, SLTI/MPOG, Decreto 7.746/12, além de legislação e normas ambientais brasileiras. Neste sentido, destacamos a importância de familiarização pelo gestor público da Lei 10.305/2010, que estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e tem incidência nas licitações.
A dimensão social relaciona-se com a efetivação dos direitos sociais, direitos dos trabalhadores, redução das desigualdades e fomento ao desenvolvimento regional, podendo ser exemplificada com a proibição do trabalho de menores, garantia de saúde e segurança no ambiente laboral, inclusão de cooperativas de catadores nos resíduos recicláveis dos órgãos federais, preferência e licitações exclusivas para microempresas e empresas de pequeno porte, preferência para mão de obra de origem local, regularidade das obrigações trabalhistas e previdenciárias, dentre outras possibilidades.
A dimensão econômica é considerada na avaliação do custo do bem, previsões orçamentárias, com destaque ao planejamento anual das contratações e aos estudos preliminares. Neste contexto, é importante ressaltar que na escolha de bens a serem adquiridos, nem sempre o “mais barato” será o mais eficiente, mais sustentável ou de menor toxicidade e esta avaliação deverá ser feita pelo gestor previamente.
Nas situações nas quais verifica-se o preço mais elevado de um item com especificações sustentáveis, há possibilidades que a legislação apresenta para a sua contratação, como o registro de preços com órgãos participantes, mediante uma contratação compartilhada sustentável ou, ainda, a aquisição de um percentual do bem, sinalizando ao mercado fornecedor que há uma nova demanda governamental.
A dimensão ética refere-se ao norte que possui o gestor público no seu agir administrativo nas contratações. Contratações públicas que insiram as exigências legais e obrigatórias de sustentabilidade (vide Guia Nacional de Contratações Sustentáveis da AGU, com compilação de normas sobre o tema) são efetivadoras do artigo 225, caput, da Constituição Federal, além reforçarem o princípio da eficiência, bem como a transparência, integridade e bom uso do dinheiro público. Ressalte-se que há, inclusive, previsões específicas para as contratações públicas sustentáveis na dimensão ética, como as medidas para racionalização do gasto público e regramentos para utilização de celulares corporativos (Decreto 8.540/15), por exemplo.
A dimensão cultural está expressamente prevista no Decreto 10.024/2019 e sua introdução nas licitações é inovadora e condizente com um país de dimensões continentais, especificidades culturais regionais e de riqueza. Nosso entendimento é que ela ser perfazerá mediante escolhas motivadas administrativamente pelo gestor público, em cada caso concreto.
“O avanço nas dimensões da sustentabilidade ocorre também na literatura, como em Sachs (2002), Elkington (2018) e Freitas (2019). Sachs (2002) ressalta outras dimensões, além do tripé ambiental-social-econômico: cultural, ecológica, territorial e política (interna e internacional). A dimensão cultural refere-se ao equilíbrio entre o respeito às tradições e a inovação, bem como a capacidade de elaboração de projetos que sejam nacionais e não meramente cópias de modelos externos e sem adequação.” (Juarez Freitas, Teresa Villac. Sustainable Public Procurement: concept and principles em Encyclopedia of the UN Sustainable Development Goals. Responsible Consumption and Production Springer, 2019).
Verifica-se que a concepção não é estanque e vem se desenvolvendo historicamente com o transcorrer dos anos. No que nos interessa, contratações públicas, a consideração do desenvolvimento sustentável não pode aparta-se da legalidade, respeito aos princípios licitatórios e da Administração Pública.
A temática das dimensões da sustentabilidade vem crescendo e destacamos a recente Lei 17.260, de 08 de janeiro de 2020, do Município de São Paulo que, sem conflitar com as previsões gerais já constantes da atual Lei 8.666/93, estabeleceu orientações aplicáveis aos órgãos e entidades da Administração Pública Municipal direta, autárquica e funcional, muito assemelhadamente à IN 1/2010/SLTI e Decreto 7.742/12 que se dirigem aos órgãos federais.
No próximo artigo, examinaremos a fase de planejamento de uma licitação sustentável.
Referências complementares
Sustentabilidade – Direito ao Futuro. Juarez Freitas. Editora Fóum. 4ª edição. 2019
Licitações Sustentáveis no Brasil: um breve ensaio sobre ética ambiental e desenvolvimento. Teresa Villac. Editora Forum. 1ª edição. 2019.
Compras públicas compartilhadas: a prática das licitações sustentáveis. Escrito em co-autoria com Renato Cader. Revista Do Serviço Público, 63(2), ENAP, 2012. Disponível gratuitamente em https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/93.
Guia Nacional de Contratações Sustentáveis. AGU. Câmara Nacional de Sustentabilidade. Consultoria-Geral da União. AGU. 2ª edição. 2019. Disponível em: http://agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/852432