1. Introdução
Os procedimentos denominados pela Lei 14.133/21 como auxiliares das licitações e das contratações são pretensas estratégias para melhorar sua eficiência e eficácia. Não há outro traço comum que os una, pois cada qual possui características e finalidades específicas distintas, conforme a própria Lei tratou de deixar claro nas respectivas definições e se percebe em uma leitura atenta.[1]
Essa deve ser também a diretriz para interpretação das disposições legais que tratam do tema e para sua utilização prática. Se, ao fim e ao cabo, não se prestarem a produzir contratações mais eficiente e eficazes, de nada valerão.
Nesta perspectiva, os procedimentos auxiliares – que não são, evidentemente, modalidades de licitação – servem a hipóteses de licitação e de contratação direta. No caso do registro cadastral, já conhecido de todos nós, esta característica é implícita e, no de credenciamento, explícita, uma vez que as contratações que dele decorrerem deverão ser realizadas por inexigibilidade.[2] A utilização do sistema de registro de preços também foi expressamente permitida para o caso de dispensas e inexigibilidades.[3]
Alguma dúvida poderia restar em relação à pré-qualificação e ao procedimento de manifestação de interesse, porém, não deve subsistir. Nada obsta, em tese, a que a pré-qualificação possa sustentar uma futura contratação direta ou que assim se passe com o procedimento de manifestação de interesse, que teve seus horizontes ampliados na nova Lei para além de subsidiar a Administração Pública na estruturação de desestatização de empresa e de contratos de parcerias[4], recebendo contornos diferentes, até mesmo, daqueles contidos na Lei 13.303/16[5]. Neste momento, as possibilidades devem ser estudadas, desenhadas e testadas e, somente então, se for o caso, rechaçadas.[6]
Feitas essas breves notas introdutórias, os tópicos que se seguem trarão uma análise pragmática e operacional do credenciamento, do registro cadastral, da pré-qualificação, do sistema de registro de preços e do procedimento de manifestação de interesse a partir das disposições da Lei 14.133/21, porém não de forma exaustiva, senão apenas destacando aspectos relevantes a aplicabilidade prática.[7]
2. As regras do credenciamento
A Lei 14.133/21, respeitando a viga-mestra de todo o seu texto, incorporou, também em relação ao credenciamento, entendimentos já pacificados e práticas correntes. A novidade é a previsão expressa para sua utilização no que denominou de “mercados fluidos”, possibilitando a contratação pelo “preço do dia”.
A definição adotada é ampla e simples – “processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados”[8] – e comporta a concepção já corrente de que o credenciamento era o mecanismo pelo qual a Administração Pública tem ao seu dispor um número indefinido de possíveis contratados, condição que, em certas situações, seria fundamental para o adequado atendimento do interesse público.
A indicação de hipóteses de cabimento[9] preenche uma lacuna importante e, apesar de ser possível argumentar quanto ao caráter meramente exemplificativo do rol legal, aparentemente deverá suprir a totalidade das situações concretas. Em todas elas, o elemento oculto comum é a ineficácia do processo licitatório, porque escolher um único particular não resolve o problema. Trata-se, em verdade e rigorosamente, de uma diretriz importantíssima a nortear o desenho do credenciamento caso a caso, o qual não poderá conter elementos que levem a uma situação restritiva de contratação de credenciados ou de competição entre eles.
Na hipótese de contratações paralelas e não excludentes, a situação que levará ao credenciamento envolverá, entre outros, significativo volume de demanda a ser atendida por uma multiplicidade de particulares, indefinições relacionadas ao objeto e ao momento de execução ou, ainda, execução em locais distintos. Assim ocorre, por exemplo, com o credenciamento de oficinas mecânicas e de tradutores. Nesta hipótese de credenciamento, deverão ser definidas condições padronizadas de contratação, assim como valor da contratação, especificando, quando for o caso, valores unitários.[10] Todos os credenciados deverão atender às condições de execução e, por isso, receberão os valores previamente ajustados. Ainda, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição de demanda sempre que não for possível a contratação imediata e simultânea de todos[11]. Em princípio, esta deverá ser a realidade da grande maioria das situações, cabendo avaliar e fixar os critérios de forma coerente com a natureza do objeto do credenciamento, atentando para o princípio da não exclusão de credenciados. Observa-se, a propósito, sobre o critério de distribuição de demandas, que ele não implica em garantia de contratação a todos os credenciados, mas apenas, em garantia de tratamento isonômico entre eles.
A hipótese de contratações com seleção a critério de terceiros, em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação, é uma hipótese típica de credenciamento. Esta é, há muito tempo, a forma de contratação de médicos para atuarem junto ao Sistema Único de Saúde – SUS, por exemplo. Trata-se de hipótese em que o beneficiário direto do objeto do credenciamento não é a Administração Pública, mas terceiros, como regra, na condição de cidadãos. Tal como na hipótese anterior, a Lei determina a adoção de critérios objetivos de distribuição de demanda, que também deverão respeitar o princípio da não exclusão, com a diferença de que não há controle sobre as escolhas feitas pelos beneficiários.
O credenciamento para contratações em mercados fluidos, caracterizados pela flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação, veio para solucionar dificuldades específicas na contratação de objetos que não comportam condições padronizadas de execução e preço, como passagens aéreas e combustíveis.[12] Ao usar o credenciamento, a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação, que servirão ao controle sobre valores despendidos.
Observa-se que a Lei não estabeleceu objeções para a utilização do credenciamento, relacionadas à natureza ou complexidade do objeto. Não há, pois, restrições vinculadas à atividade a ser desempenhada pelo particular credenciado, que pode ser fornecimento de bens, prestação de serviços ou, até mesmo, execução de obras, cabendo a análise concreta do enquadramento nas hipóteses legais.
Por fim, em relação ao regulamento do credenciamento, deverá estabelecer regras gerais, remanescendo ao edital o regramento específico. Cabe destacar a importância da fixação dos prazos relacionados à denúncia ou pedido de descredenciamento por parte do credenciado. Em nosso entender, os efeitos do pedido devem gerar a imediata retirada do credenciado da respectiva listagem e o prazo para o descredenciamento deve ser apenas suficiente para os procedimentos formais necessários.
3. O novo registro cadastral
O registro cadastral previsto na Lei 14.133/21 não é, em termos de concepção primária, diferente do registro cadastral da Lei 8.666/93. Contudo, adquiriu o status de cadastro unificado de licitantes, disponibilizado no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, o que amplificará seus efeitos.[13]
Todos os órgãos e entidades, de todos os entes federativos e Poderes, utilizarão o mesmo cadastro, que terá tripla finalidade:
- Simplificar a habilitação em processos de licitação e contratação direta[14];
- Reunir informações sobre o desempenho de contratados[15];
- Concentrar informações sobre aplicação de sanções a licitantes e contratados[16].
A grande questão é não repetir erros do passado:
- Cadastros extremamente burocráticos e complexos, solicitando informações completamente impertinentes e irrelevantes para a habilitação, além de extrapolarem a finalidade legal, pois muitas vezes condicionam o próprio pagamento, são um verdadeiro tormento e um desincentivo às empresas para manterem seus cadastros em dia, em prejuízo do alcance dos objetivos da Lei.
- O cadastro – ou a emissão de certificado de registro cadastral – não é, por si, condição de participação na licitação ou de celebração do contrato. De fato, a participação em licitações eletrônicas, pretensamente a grande maioria, ficará condicionada a tanto, porém, não se trata de exigir cadastro pelo cadastro[17], mas de viabilizar o alcance das finalidades já referidas. Esse apontamento vale, em especial, para o caso de manutenção do cadastro durante o curso do contrato. A ausência certificado de registro cadastral válido, por exemplo, não susta, em nenhuma hipótese, a obrigação de pagamento no prazo por parte da Administração, que possui acesso livre e irrestrito às certidões nos sites dos órgãos emissores, devendo realizar a consulta sponte propria.
A partir da implementação do registro cadastral unificado, será proibido aos órgãos ou entidades licitantes exigirem registro cadastral complementar para os fins de suas contratações. A Lei faz referência apenas a “acesso a edital e anexos”[18], porém, a restrição deve ser entendida de forma ampla, a partir dos objetivos da vedação, entre eles desobrigar o particular de manter ativos diversos cadastros, com a mesma finalidade, incrementando custos de transação.
Em relação à festejada anotação de desempenho contratual, lembra-se que, já prevista na Lei 8.666/93, nunca foi implementada. Não se olvida dos benefícios que tal medida, vinculada aos incentivos previstos na Lei[19], trará para as contratações públicas, em especial criando um ranking de fornecedores empenhados em obter boas avaliações e figurar entre os melhores. Contudo, a criação de uma metodologia objetiva de avaliação que possa ser utilizada, uniformemente, por todos os órgãos e entidades da Administração Pública será um desafio sem precedentes[20], em especial porque depende da criação de indicadores de desempenho apropriados e, também, de sua correta aplicação.
Curiosamente, apesar da extinção das modalidades convite e tomada de preços, que faziam referência à participação de licitantes cadastrados, sendo criticadas pela restrição à competição e pelo incentivo a fraudes e conluios, a Lei prevê a possibilidade de realizar licitação restrita a fornecedores cadastrados, conforme regras a serem estabelecidas em regulamento, confiante, certamente, que a ampla publicidade que será dada ao cadastro e às licitações no PNCP mitigará tais problemas. Vale notar que tal restrição, em princípio, não encontra razão de existir, ressalvada a necessidade excepcional de, justificadamente, atribuir algum nível de sigilo à contratação. Com efeito, o status de cadastrada não confere à empresa, por si só, qualquer prerrogativa, nem garante à Administração melhores competidores na licitação. Assim, deverá haver regulamentação cuidadosa nesse sentido, parecendo-nos, a restrição a cadastrados, muito mais afeta a contratações diretas de baixo valor ou emergenciais do que a licitações.
4. Pré-qualificação de bens e de licitantes: parecidas, mas diferentes
A Lei 14.133/21 prevê a possibilidade de pré-qualificar, em procedimento próprio, licitantes e bens.[21] Comete o equívoco de tratar, rápida e indistintamente, de ambas as hipóteses, fazendo parecer que são similares, mas não são: uma avalia condições de habilitação, outra, de classificação, o que produz uma diferença abissal.
A pré-qualificação de licitantes, ou subjetiva, já existia na Lei 8.666/93, como forma de realização, em apartado da licitação, de uma análise mais acurada de requisitos de capacidade técnica. A nova Lei, todavia, não restringe os aspectos de avaliação, fazendo menção a “condições de habilitação para participar de futura licitação ou de licitação vinculada a programas de obras ou de serviços objetivamente definidos”. A vinculação a uma licitação “no radar” é evidente[22], sob pena de confundir seus objetivos com os objetivos do registro cadastral.[23] Assim, o procedimento de pré-qualificação avaliará capacidade técnica e econômico-financeira do licitante, considerando as exigências do objeto da futura licitação, podendo se voltar também, para outros aspectos da habilitação, valendo-se, para tanto, dos documentos constantes do registro cadastral.[24]
A pré-qualificação de bens, ou objetiva, destina-se a selecionar “bens que atendam às exigências técnicas ou de qualidade estabelecidas pela Administração”. O procedimento se assemelha à já conhecida exigência de amostras na licitação, ou seja, tem a finalidade de comprovar a compatibilidade de produtos disponíveis no mercado com especificações necessárias ao atendimento de uma necessidade administrativa e/ou a sua qualidade, realizando uma análise objetiva de produtividade, rendimento, durabilidade, entre outros quesitos. Tanto é possível uma pré-qualificação com vistas a uma licitação específica, quanto um procedimento que vise a pré-qualificação “permanente”[25], ou seja, que sirva a mais de uma contratação enquanto houver interesse da Administração[26]. Em ambos os casos, os produtos pré-qualificados integrarão o catálogo de bens e serviços da Administração, atualizado sempre que necessário.[27]
A Lei prevê a possibilidade de licitação restrita a pré-qualificados, sejam licitantes ou bens. Diferentemente do registro cadastral, a pré-qualificação muda o status do licitante ou do bem em relação a outros possíveis competidores, que tendo passado pelo primeiro crivo específico de habilitação ou classificação, estariam aptos a competir entre si pelo contrato administrativo. Especialmente no tocante à pré-qualificação de bens, a tendência é que as licitações “fechadas” ajudem a garantir e manter um nível de qualidade aos produtos adquiridos. Contudo, no caso da pré-qualificação de licitantes, é importante avaliar a conveniência e oportunidade da licitação restrita, diante do efeito perverso que ela pode produzir, qual seja, a possibilidade de combinações prévias entre os pré-qualificados, na contramão dos objetivos visados pela Lei com a adoção prioritária do formato eletrônico para a licitação.
5. O Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI e seus desafios
O procedimento de manifestação de interesse é um entre os instrumentos que da Lei 14.133/21 que visam reduzir a assimetria de informações entre a Administração Pública e o mercado fornecedor. Assim como o diálogo competitivo, a audiência pública e a consulta pública, o procedimento de manifestação de interesse possibilita uma interação controlada com agentes externos antes da contratação[28], com o intuito de aperfeiçoar, ou até mesmo identificar, a solução para o problema público que precisa ser resolvido.[29]
O PMI, em si, não é novidade, haja vista sua previsão nas Leis 13.303/16 e 13.334/16. Ao inclui-lo no rol de procedimentos auxiliares, a Lei 14.133/21 ampliou seu cabimento para a totalidade das contratações celebradas pela Administração Pública, que poderão integrá-lo à sua fase preparatória. [30] O grande ponto que parece merecer atenção é se seria possível uma interpretação que melhorasse sua eficácia, considerando experiências passadas.[31] Como sabido, a ausência de preferência do autor do projeto, trabalho ou estudo na participação da licitação futura é uma característica que restringe sua aplicação e utilidade, o que poderia tornar inócua a sua previsão na Lei 14.133/21. Nesse sentido, vislumbra-se a possibilidade, em tese, a partir da análise sistemática dos dispositivos legais, especialmente a previsão de PMI restrito a startups, de que o “novo” PMI resulte em uma contratação direta, notadamente a inexigibilidade de licitação, não parecendo interessante que se faça uma interpretação restritiva a partir das normas anteriores.[32] A utilidade desse entendimento reside no incremento dos incentivos à participação dos players do mercado, que passariam de meros colaboradores, sem garantia de contratação, a potenciais contratados, esforçando-se, consequentemente, na busca da solução para o problema de ordem pública.[33]
6. O sistema de registro de preços em nova perspectiva
O sistema de registro de preços previsto na Lei 14.133/21 foi claramente inspirado no desenho federal preexistente. Muitas regras foram meramente reproduzidas, mas a Lei inovou em alguns aspectos importantes, como a legalização da adesão ou carona, exceto de atas municipais; o aumento do prazo de validade da ata para até dois anos; a possibilidade de alteração dos preços registrados e a implementação do registro de preços a partir de processos de contratação direta.
Tal como ocorria com a Lei 8.666/93, a Lei 14.133/21 preferiu dar apenas a ampla autorização para sua utilização, inclusive para obras[34], sem indicar as hipóteses específicas de cabimento. Assim, em tese, o sistema de registro de preços, conceituado genericamente como o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras”,[35] ressalvada a restrição explícita para o caso de obras[36], se prestaria a auxiliar qualquer contratação, bastando identificar a vantagem, lato sensu, na sua utilização.[37]
Há um evidente espaço para a regulamentação da questão por parte dos entes federativos. Contudo, recomenda-se cautela para que seja apurada a relevância de uma regulamentação restritiva, ou seja, com indicação numerus clausus das hipóteses de utilização, a exemplo do que ocorria com os regulamentos à Lei 8.666/93. Parece-nos importante a manutenção de um espaço para avaliação discricionária diante de casos concretos, o que serviria, também, para evitar discussões que desvirtuam o controle de resultados – como, por exemplo, se o enquadramento da situação concreta em uma ou em outra hipótese prevista no regulamento -, ao passo que seria suficiente analisar a utilidade do registro de preços para o caso em especial. Erros de avaliação poderiam ser mitigados por uma adequada regulamentação do procedimento de seleção, incumbência prevista na própria Lei.[38] Nesse contexto, a opção por indicar hipóteses em que sua utilização será vedada, considerando situações críticas experienciadas no passado,[39] deve ser considerada.
Cabe destacar, ainda, que a Lei 14.133/21 afastou, definitivamente, o sistema de registro de preços enquanto estratégia de fuga do planejamento, apontada inúmeras vezes pelos órgãos de controle. A cultura do planejamento, ínsita às contratações da nova Lei, não permite qualquer exceção. A avaliação do sistema de registro de preços enquanto estratégia de contratação já poderá ser realizada a partir do plano de contratações anual. Especificamente, a fase preparatória da licitação – regida pelo planejamento, iniciada pelo documento de formalização da demanda, seguido do estudo técnico preliminar e do termo de referência -, obriga a uma avaliação ponderada pela Administração acerca do cabimento do registro de preços ou da adesão a uma ata preexistente a partir de suas necessidades, da solução que foi identificada como apta a satisfazê-la e, no caso da adesão, da suficiência da ata para tanto. Ainda, ao delimitar o conteúdo do edital da licitação para registro de preços[40], a Lei força a Administração a planejar a contratação em todos os detalhes. Portanto, não há, no âmbito de aplicação da Lei 14.133/21, espaço para utilização do sistema de registro de preços de forma não planejada.
Por fim, é fundamental que a interpretação de disposições legais e sua respectiva aplicação se dê com base em lições aprendidas. A incorporação de regras federais à disciplina do sistema de registro de preços com a pretensão de eficácia nacional clama por atenção a pontos que podem perpetuar e disseminar problemas anteriores, em prejuízo desta importante ferramenta de logística pública.[41] Uma discussão importantíssima, que se avolumava já antes da Lei 14.133/21 e deve ser apropriadamente enfrentada na atualidade, diz respeito à alteração dos preços registrados para a os fins de recomposição econômico-financeira da ata nas situações que causem sua majoração, de modo a permitir a celebração de ajustes que, desde logo, observem o dever constitucional de manter as condições efetivas da proposta.[42] A previsão da Lei 14.133/21, de que o edital deverá dispor sobre as condições de alteração dos preços registrados, leva em consideração a problemática preexistente e a necessidade de análise casuística, conferindo à Administração o poder de disciplinar o assunto considerando as características do registro de preços a ser implementado. A nova Lei permite que a decisão seja tomada sob a luz de condições específicas, não genéricas ou com base em valores jurídicos abstratos, em franca sintonia com a nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Desse modo, os regulamentos poderão tratar livremente do tema e, inclusive, deixar a definição a critério do edital, caso a caso.[43]
7. Conclusão
Apesar de não consistirem novidade em si, os procedimentos classificados pela Lei 14.133/21 como “auxiliares às licitações e contratações” serão, efetivamente, novidade para a prática da imensa maioria das organizações públicas. Mostra-se fundamental, portanto, que problemas detectados no passado, sob a égide de um regime jurídico revogado, não sejam transpostos para o futuro, construído a partir da nova Lei.
Neste breve texto, no intuito de contribuir com a necessária e constante evolução do pensamento crítico, foram destacados alguns aspectos tidos como importantes à identificação dos contornos dos institutos, mas, também, à sua utilidade prática. Muito haverá, ainda, a se estudar e debater, especialmente a partir de 1º de abril de 2023, quando a aplicação obrigatória e incondicional da Lei 14.133/21 no dia a dia das contratações públicas possibilitará a avaliação das inúmeras situações concretas que hão de surgir.
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ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021.
[1] Ronny Charles elenca como característica peculiar dos procedimentos auxiliares o fato de não se vincularem, necessariamente, a uma pretensão contratual. (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas comentadas – Lei 14.133/2021 e Lei Complementar 123/2006. 12. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 450).
[2]“Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de: …
IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento;”
[3] “Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: …
§ 6º O sistema de registro de preços poderá, na forma de regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade.”
[4] Decreto federal nº 8.428/15.
[5] “Art. 31. Omissis …
§ 4º A empresa pública e a sociedade de economia mista poderão adotar procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos com vistas a atender necessidades previamente identificadas, cabendo a regulamento a definição de suas regras específicas.”
[6] Rafael Sérgio Lima de Oliveira, sem entrar especificamente no mérito da questão, admite a possibilidade de que os procedimentos auxiliares não explicitamente indicados pela lei como aplicáveis às contratações diretas possam, eventualmente, lhes ser úteis (in FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CAMARÃO, Tatiana (Coords.). Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Belo Horizonte: Fórum, 2022, v. 02, p. 178).
[7] Uma análise do potencial dos instrumentos auxiliares como elementos de transformação das compras públicas no Brasil sob uma perspectiva sistêmica já foi realizada por Marcos Nóbrega, no artigo disponível em: https://www.parceriasgovernamentais.com.br/procedimentos-auxiliares-na-nova-lei-de-licitacoes-o-rating-de-fornecedores-no-registro-cadastral-e-o-procedimento-de-manifestacao-de-interesse/ , acesso em 1º.6.2022.
[8] Art. 6º, inc. XLIII.
[9] “Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:
I – paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;
II – com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;
III – em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.”
[10]Art. 79, parágrafo único, inciso III: “o edital de chamamento de interessados deverá prever as condições padronizadas de contratação e, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, deverá definir o valor da contratação;”.
[11] Art. 79, parágrafo único, inciso II: “na hipótese do inciso I do caput deste artigo, quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda;”.
[12]Segundo Nóbrega e Torres, “[D]iante da indefinição do conceito de mercado fluido, a regulamentação pode admitir que pretensões contratuais com relevantes oscilações, sejam decorrentes da variação de preços, sejam decorrentes de custos envolvidos e muito variáveis de acordo com a demanda, possam ser atendidas pelo credenciamento. Neste bojo, poderiam ser inseridas as aquisições de gêneros alimentícios, fornecimento de combustível, aquisições de insumos fortemente impactados pela variação cambial, entre outros.” (NÓBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles Lopes de. “A Nova Lei de Licitações, credenciamento e e-marketplace: o turning point da inovação nas compras públicas”, disponível em https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2021/01/A-nova-lei-de-licitacoes-credenciamento-e-e-marketplace-o-turning-point-da-inovacao-nas-compras-publicas.pdf, acesso em 02.6.2022.)
[13] Como bem ressaltam Nóbrega e Torres, “a centralização no PNCP permitirá a coleta e o tratamento dessas informações em larga escala, permitindo inclusive a construção de índices de reputação de fornecedores semelhantes àqueles adotados pelos grandes marketplaces do setor privado”. (NÓBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Procedimentos Auxiliares na Nova Lei de Licitações: o rating de fornecedores no registro cadastral e o procedimento de manifestação de interesse. Disponível em https://ronnycharles.com.br/procedimentos-auxiliares-na-nova-lei-de-licitacoes-o-rating-de-fornecedores-no-registro-cadastral-e-o-procedimento-de-manifestacao-de-interesse/, acesso em 02.6.2022).
“Art. 87. Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública deverão utilizar o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), para efeito de cadastro unificado de licitantes, na forma disposta em regulamento.
…
§ 2º É proibida a exigência, pelo órgão ou entidade licitante, de registro cadastral complementar para acesso a edital e anexos.”
[14] “Art. 88. Ao requerer, a qualquer tempo, inscrição no cadastro ou a sua atualização, o interessado fornecerá os elementos necessários exigidos para habilitação previstos nesta Lei.”
[15] Art. 88, § 3º: “A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada.”
[16] “Art. 161. Os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos deverão, no prazo máximo 15 (quinze) dias úteis, contado da data de aplicação da sanção, informar e manter atualizados os dados relativos às sanções por eles aplicadas, para fins de publicidade no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), instituídos no âmbito do Poder Executivo federal.
[17]Art. 88, § 6º: “O interessado que requerer o cadastro na forma do caput deste artigo poderá participar de processo licitatório até a decisão da Administração, e a celebração do contrato ficará condicionada à emissão do certificado referido no § 2º deste artigo.”
[18]Art. 88, § 2º: “É proibida a exigência, pelo órgão ou entidade licitante, de registro cadastral complementar para acesso a edital e anexos.”
[19] “Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional etécnico-operacional será restrita a: …
II – certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei;”
“Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem: …
II – avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, para a qual deverão preferencialmente ser utilizados registros cadastrais para efeito de atesto de cumprimento de obrigações previstos nesta Lei;”.
Art. 36, “§ 3º O desempenho pretérito na execução de contratos com a Administração Pública deverá ser considerado na pontuação técnica, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 88 desta Lei e em regulamento.”
“Art. 37. O julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço deverá ser realizado por: …
III – atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores aferida nos documentos comprobatórios de que trata o § 3º do art. 88 desta Lei e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).”
[20] O problema da subjetividade já foi apontado por Rafael Carvalho de Fassio e Marcos Nóbrega, ressaltando a dificuldade de mensurar o grau de subjetividade da avaliação de desempenho dos fornecedores de forma totalmente objetiva e imparcial (FASSIO, Rafael Carvalho; NÓBREGA, Marcos. “Procedimentos auxiliares na Nova Lei de Licitações: o rating de fornecedores do registro cadastral e o procedimento de manifestação de interesse”. Disponível em https://ronnycharles.com.br/procedimentos-auxiliares-na-nova-lei-de-licitacoes-o-rating-de-fornecedores-no-registro-cadastral-e-o-procedimento-de-manifestacao-de-interesse/, acesso em 08.6.2022).
[21]“Art. 80. A pré-qualificação é o procedimento técnico-administrativo para selecionar previamente:
I – licitantes que reúnam condições de habilitação para participar de futura licitação ou de licitação vinculada a programas de obras ou de serviços objetivamente definidos;
II – bens que atendam às exigências técnicas ou de qualidade estabelecidas pela Administração.”
[22] Nesse sentido também entende Edgar Guimarães, afirmando que “não há sentido algum em instaurar uma pré-qualificação sem ter um mínimo de conhecimento do objeto a ser contratado futuramente.” (in Licitações e contratos administrativos: inovações da Lei 14.133/21. Edgar Guimarães… [et all]; coordenação Maria Sylvia Zantella di Pietro. 1. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 161).
[23] Observa-se, a propósito, que o disposto no §2º do art. 88 – “[O] procedimento de pré-qualificação ficará permanentemente aberto para a inscrição de interessados” – parece se não se aplicar à pré-qualificação de licitantes, mas tão somente à pré-qualificação de bens, uma vez que a análise habilitatória da pré-qualificação vincula-se a um dado e específico objeto, sob pena de, como dito, confundir-se com o próprio registro cadastral.
[24] “Art. 88. …
§ 1º Na pré-qualificação observar-se-á o seguinte:
I – quando aberta a licitantes, poderão ser dispensados os documentos que já constarem do registro cadastral;”.
[25] Há que se ter cautela ao utilizar a expressão, diante do que estabelece o art. 88, §8º da Lei, que regula o prazo de validade da pré-qualificação:
“Art. 88. …
§ 8º Quanto ao prazo, a pré-qualificação terá validade:
I – de 1 (um) ano, no máximo, e poderá ser atualizada a qualquer tempo;
II – não superior ao prazo de validade dos documentos apresentados pelos interessados.”
[26]A Lei não especifica, porém, a previsão do art. 41, inc. II sugere tal possibilidade:
“Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente: …
II – exigir amostra ou prova de conceito do bem no procedimento de pré-qualificação permanente, na fase de julgamento das propostas ou de lances, ou no período de vigência do contrato ou da ata de registro de preços, desde que previsto no edital da licitação e justificada a necessidade de sua apresentação;”.
[27] Art. 80, § 5º: “Os bens e os serviços pré-qualificados deverão integrar o catálogo de bens e serviços da Administração.”
[28]Michelle Marry e Vládia Pompeu Silva consignam, acertadamente, que o PMI “[P]ermite que soluções às necessidades da Administração Pública, para os quais o mercado já possui maior experiência que o Poder Público, sejam apresentadas de maneira lícita e transparente. Sem descurarmos que essa forma de interação, para esse específico fim, ao viabilizar ideias e projetos de maneira procedimentalizada, garante maior segurança para as partes e para o interesse público.” (MARRY, Michelle; SILVA, Vládia Pompeu. “A nova Lei de Licitações e contratos administrativos: O procedimento de manifestação de interesse e a relação público x privado”. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-e-administrativo/363109/a-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-administrativos, acesso em 14.6.2022.)
[29] A propósito, Jessé Torres Pereira Junior e Flávio Amaral Garcia indicam como o terceiro entre quatro pontos promissores para os efeitos econômicos da nova Lei de Licitações a “aceitação… da mais significativa recomendação da administração dialógica que caracteriza o estado democrático de direito, qual seja, aquela que reconhece a importância da participação da cidadania na tomada de decisões que a todos possam interessar e sobre muitos possam repercutir concretamente”. (GARCIA, Flávio Amaral; PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. “Quatro pontos promissores para os efeitos econômicos da Nova Lei de Licitações”, in Estudos sobre a Lei 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Rafael Carvalho Rezende Oliveira e Thaís Marçal (coord.). São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p.223).
[30]Nesse sentido, já apontaram Rafael Carvalho de Fassio e Marcos Nóbrega: “A Nova Lei de Licitações modifica esse cenário e estabelece o PMI como um procedimento auxiliar, aplicável à fase preparatória de qualquer contratação regida pela Lei nº 14.133/2021. Não se trata propriamente de um instrumento novo, mas da generalização de um procedimento que, até então, era restrito a projetos de concessão e PPP, parcerias com o terceiro setor e empresas estatais.” (FASSIO, Rafael Carvalho; NÓBREGA, Marcos. “Procedimentos auxiliares na Nova Lei de Licitações: o rating de fornecedores do registro cadastral e o procedimento de manifestação de interesse”. Disponível em https://ronnycharles.com.br/procedimentos-auxiliares-na-nova-lei-de-licitacoes-o-rating-de-fornecedores-no-registro-cadastral-e-o-procedimento-de-manifestacao-de-interesse/, acesso em 08.6.2022).
[31] Cristiana Fortini e Mariana ressaltam a necessidade de que a decisão pela instauração do procedimento esteja condicionada à necessidade e ao interesse real da Administração no projeto, minimizando, assim, o risco de PMIs não finalizados, com frustração do interesse privado e prejuízo à ampla participação nesses procedimentos. (FORTINI, Cristiana; RESENDE, Mariana Bueno. “A nova Lei de Licitações e Contratos e a ampliação da utilização do Procedimento de Manifestação de Interesse. In: QUEIROZ, João Eduardo Lopes (Coord.). Procedimentos auxiliares das licitações e das contratações administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 103-121, ISBN 978-65-5518-332-0).
[32]As normas contidas no §2º do art. 81 da Lei 14.133/21 poderiam ser apontadas como obstáculo a esse entendimento, ante a menção expressa, em seus incisos, ao processo licitatório. Uma interpretação com olhos no PMI tal como conhecíamos até então respaldaria afirmação no sentido de que o dispositivo pressupõe sua aplicabilidade restrita às licitações. Contudo, não nos parece equivocado entender que ele fixa regras para o caso de PMI que anteceda um processo licitatório, sem vedar sua utilização, também, para os casos de contratação direta.
[33] Vale lembrar acerca do risco de ineficácia do PMI destacado pelo do Tribunal de Contas da União no RP nº 02812920148, relatado pelo Min. Walton Alencar Rodrigues e julgado pelo seu Plenário em 09.8.2017, no sentido de que o instrumento, com seu desenho já conhecido e aplicável nos objetivos da Lei 13.334/16, atrai basicamente dois tipos de empresas: projetistas, que acabam sendo as únicas com interesse única e exclusivamente no PMI, e as construtoras, que tem interesse apenas marginal no PMI, porque visam, especialmente, a contratação que decorrerá da futura na licitação. Nesse contexto, a construtora apresentaria projetos não otimizados, ineficientes, porque ocultaria informações que garantiriam que fosse vencedora da licitação, além de reduzir os valores do projeto por vezes em patamares abaixo do custo real. Isso tornaria a participação da empresa projetista, que poderia apresentar um bom projeto, inviável.
[34] Vide arts. 82, §5º e art. 83.
[35] Vide art. 6º, inc. XLV.
[36] “Art. 85. A Administração poderá contratar a execução de obras e serviços de engenharia pelo sistema de registro de preços, desde que atendidos os seguintes requisitos:
I – existência de projeto padronizado, sem complexidade técnica e operacional;
II – necessidade permanente ou frequente de obra ou serviço a ser contratado.”
[37] Nesse sentido, a Lei estabelece que “[o] planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual” e o “processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente” (art. 40, inc. II).
[38]Vide art. 82, §5º, inc. II.
[39]É o caso, por exemplo, da utilização do sistema de registro de preços para contratação imediata de serviços continuados e específicos, com quantitativos certos e determinados, suscitada nos Acórdãos nº 113/2012-TCU/Plenário e nº 1604/2017-TCU/Plenário.
[40] Vide art. 82.
[41] Para uma análise crítica considerando as disposições da Lei 14.133/21 sobre o sistema de registro de preços, ver PÉRCIO, Gabriela. “O sistema de registro de preços na Nova Lei de Licitações: uma proposta de interpretação a luz de lições aprendidas”. Disponível em https://www.novaleilicitacao.com.br/2022/03/10/sistema-de-registro-de-precos-na-lei-14-133-21/ , acesso em 14.6.2021.
[42] Michelle Marry aborda o assunto com maestria em MARRY, Michelle. “A impossibilidade de revisão e reajuste na ata de registro de preços: um mantra a ser superado.”Disponível em https://www.parceriasgovernamentais.com.br/a-impossibilidade-de-revisao-e-reajuste-na-ata-de-registro-de-precos-um-mantra-a-ser-superado/ , acesso em 14.6.2022. Trazendo contrapontos: CAMELO, Bradson; NÓBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles Lopes de. “Sistema de Registro de Preços e a volatilidade de determinados mercados: uma provocação sobre novas soluções”. Disponível em https://ronnycharles.com.br/sistema-de-registro-de-precos-e-a-volatilidade-de-determinados-mercados-uma-provocacao-sobre-novas-solucoes/, acesso em 14.6.2022.
[43]Esta análise é a mesma realizada em relação ao texto do Projeto de Lei 4.253/20, conforme PÉRCIO, Gabriela Verona; BRAGAGNOLLI, Renila Lacerda. “Da revisão para maior dos preços registrados em ata: breve análise, considerando as disposições do PL no 4.253/20”. Fórum de Contratação e Gestão Pública, Belo Horizonte, v.20, n.231, p. 29-39, março 2021. ISSN 1676-5826.