A Lei nº 14.133/2021 traz, em relação às demais legislações que tratam de licitações e contratos administrativos, uma maior preocupação e de forma bem mais pormenorizada, a questão referente ao licenciamento ambiental. Prevê que obras e serviços de engenharia licitados e contratados terão prioridade de tramitação nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e deverão ser orientados pelos princípios, além da celeridade, o da cooperação, economicidade e eficiência (§ 6º do art. 25).
Nessas contratações de obras e serviços de engenharia, a lei citada também determina que quando a execução for obstada pelo atraso na conclusão de procedimentos de licenciamento ambiental, por circunstâncias alheias ao contratado, deverá ser restabelecido o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na forma da sua alínea “d” do inciso II do art. 124[1].
O licenciamento ambiental é um importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente previsto na Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e de acordo com a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, é o “procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental”. O conceito licenciamento ambiental é realizado, de forma mais minudente, pela Resolução do CONAMA nº 237/1997:
Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
Esse mesmo Diploma Legal fornece o conceito de Licença Ambiental como:
Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
A mesma Resolução descreve três formas de licenças: Prévia, de instalação e de operação, e as conceitua, no art. 8º, do seguinte modo:
I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente estabelece que a “construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental” (Art. 10). A partir dessa norma fica evidente que, como regra, as obras públicas, especialmente as de infraestrutura, tendo em vista as potencialidades para causar danos ao meio ambiente, dependem das referidas licenças.
Nesse mesmo diapasão, a Lei 14.133, de 1º de abril de 202, Lei de Licitações e Contratos Administrativos prevê, no art. 45, que as licitações de obras e serviços de engenharia devem respeitar as normas relativas à “mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental”, entre outras.
Como se verifica, a Licença Prévia, concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento, é a que aprova sua localização e concepção, atesta a viabilidade ambiental e estabelece os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação.
A mesma Lei inovou ao permitir, no § 5º do art. 25, que se houver previsão no edital da licitação, a responsabilidade para a obtenção do licenciamento ambiental poderá recair sobre o contratado. No entanto, é preciso indagar se essa probabilidade prevalece quando se tratar de licença prévia e em quais situações.
Porém, antes é necessário que se atente para a diferença de complexidade e completude entre um anteprojeto e um projeto básico. O primeiro tem a função de dar subsídios necessários à elaboração do segundo, portanto, é necessário criar aquele para que este possa ser desenvolvido.
De acordo com o inciso XXIV do art. 6º da Lei nº 14.133/2021, o anteprojeto deve conter, no mínimo os seguintes elementos:
a) demonstração e justificativa do programa de necessidades, avaliação de demanda do público-alvo, motivação técnico-econômico-social do empreendimento, visão global dos investimentos e definições relacionadas ao nível de serviço desejado;
b) condições de solidez, de segurança e de durabilidade;
c) prazo de entrega;
d) estética do projeto arquitetônico, traçado geométrico e/ou projeto da área de influência, quando cabível;
e) parâmetros de adequação ao interesse público, de economia na utilização, de facilidade na execução, de impacto ambiental e de acessibilidade;
f) proposta de concepção da obra ou do serviço de engenharia;
g) projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção proposta;
h) levantamento topográfico e cadastral;
i) pareceres de sondagem;
j) memorial descritivo dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de construção, de forma a estabelecer padrões mínimos para a contratação;
O anteprojeto “deve ser elaborado como parte da sequência lógica das etapas que compõem o desenvolvimento de uma obra, precedido obrigatoriamente de estudos preliminares, programa de necessidades e estudo de viabilidade”[2], tem o escopo de definir a melhor solução técnica para a implantação do empreendimento, bem como dar as diretrizes para a elaboração do projeto básico.
Com esse documento técnico, mesmo ainda pouco detalhado, torna-se possível analisar a viabilidade do empreendimento sobre os diversos critérios a serem adotados pelo órgão ou entidade demandante.
Projeto básico, de acordo com o inciso XXV do art. 6º, do mesmo Diploma Legal é o:
conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:
a) levantamentos topográficos e cadastrais, sondagens e ensaios geotécnicos, ensaios e análises laboratoriais, estudos socioambientais e demais dados e levantamentos necessários para execução da solução escolhida;
b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a evitar, por ocasião da elaboração do projeto executivo e da realização das obras e montagem, a necessidade de reformulações ou variantes quanto à qualidade, ao preço e ao prazo inicialmente definidos;
c) identificação dos tipos de serviços a executar e dos materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como das suas especificações, de modo a assegurar os melhores resultados para o empreendimento e a segurança executiva na utilização do objeto, para os fins a que se destina, considerados os riscos e os perigos identificáveis, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
d) informações que possibilitem o estudo e a definição de métodos construtivos, de instalações provisórias e de condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;
f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados, obrigatório exclusivamente para os regimes de execução previstos nos incisos I, II, III, IV e VII do caput do art. 46 desta Lei;
Assim, o projeto básico, apesar do nome, é um projeto completo, salvo eventual necessidade de detalhes que estarão previstos no projeto executivo, e que têm a função de orientar a execução completa da obra.
Noutra via, como indica o inciso XXVI do art. 6º da Lei nº 14.133/2021 o projeto executivo deve conter o conjunto de elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, com o detalhamento das soluções previstas no projeto básico, a identificação de serviços, de materiais e de equipamentos a serem incorporados à obra, bem como suas especificações técnicas, de acordo com as normas técnicas pertinentes”.
Notadamente, em função de suas características, não é lógico que o projeto básico de uma obra seja realizado sem os elementos fornecidos pela Licença Prévia, pois este elemento, conforme inciso XXV da Lei nº 14.133/21, deve assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento. Assim, só é possível licitar um projeto básico se, antecipadamente, tenha sido emitida a Licença Prévia.
Porém, a mesma lógica não se aplica quando o elemento técnico instrutor não é um projeto básico, e sim um anteprojeto de engenharia. Neste caso, que trata do regime de empreitada da contratação integrada, não há óbice que o edital preveja o estabelecimento da responsabilidade ao contratado pela obtenção de todo o licenciamento ambiental, inclusive da Licença Prévia, tendo em vista que o anteprojeto de engenharia, considerando a menor complexidade, ainda não necessita dos elementos constantes em uma Licença Prévia, mas, ao contrário, fornece subsídios para a obtenção daquela.
Não há dúvidas que esse elemento pode provocar alterações de menor ou maior grau no anteprojeto já elaborado, porém este documento pode ser adequado às determinações oriundas daquela.
Veja-se que o art. 137 da Lei em comento, no inciso VI atribui como motivo para a extinção do contrato o “atraso na obtenção da licença ambiental, ou a impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto”. Daí se extrai que O licenciamento ambiental resulta do anteprojeto, e não o contrário. Portanto, a Licença Prévia é posterior ao anteprojeto, tornando-se possível a elaboração deste elemento técnico instrutor mesmo antes da obtenção daquela.
Tendo em vista que o elemento técnico instrutor do regime de empreitada da contratação integrada é um anteprojeto e que este pode ser elaborado antes da obtenção da Licença Prévia, conclui-se que, neste caso, é possível publicar o edital de licitação de uma obra ou de serviços de engenharia adotando-se este regime de empreitada. Se houver previsão na editalícia, a responsabilidade de obtenção da Licença Prévia poderá ser do contratado.
Nos regimes de empreitada em que o elemento técnico instrutor é um projeto básico, considerada a necessidade de serem conhecidos todos os detalhes do ambiente a ser construído, isso se torna possível mediante a elaboração de um projeto básico, cuja obtenção não pode ser via contratado. Só se elabora o projeto básico após aprovada a localização do empreendimento e concepção, atestada a viabilidade ambiental e estabelecidos os requisitos básicos e os condicionantes a serem atendidos nas fases da obtenção da licença de instalação e de operação.
No entanto, o estatuído no § 4º do art. 115 da Lei, estabelece que “Nas contratações de obras e serviços de engenharia, sempre que a responsabilidade pelo licenciamento ambiental for da Administração, a manifestação prévia ou licença prévia, quando cabíveis, deverão ser obtidas antes da divulgação do edital”. Portanto, independente do regime de empreitada adotado, quando a responsabilidade pela obtenção da Licença Prévia for da Administração, não se pode publicar o edital antes de obtê-la.
Assim, a possibilidade de publicação do edital antes da obtenção da Licença Prévia depende fundamentalmente do regime de empreitada que será adotado, isto é, de qual elemento técnico instrutor estará obrigatoriamente anexo ao edital: um projeto básico ou um anteprojeto. Se for o primeiro, é necessário, antes da elaboração deste elemento técnico, a obtenção da Licença Prévia; se o elemento técnico instrutor for um anteprojeto, não é necessariamente obrigatória a obtenção da Licença Prévia como condição para publicação do edital, podendo esta responsabilidade ser transferida ao contratado.
Quanto às outras duas espécies de licença ambiental, de Instalação e de Operação, podem ser atribuídas para a responsabilidade do contratante, independentemente do regime de empreitada adotado. Isto porque a Licença de Instalação visa verificar a compatibilidade entre o que foi projetado e o que será construído que alterará o meio ambiente onde o empreendimento será implantado. Essa Licença visa, essencialmente autorizar o início das obras, especialmente por constituir o meio da aferição do atendimento das condicionantes elencadas na fase anterior do licenciamento ambiental, e ao atendimento de medidas mitigadoras e/ou compensatórias; por sua vez, a Licença de Operação tem por escopo, após a verificação pelo órgão ambiental responsável pelo licenciamento de que as condicionantes estabelecidas nas licenças anteriores foram cumpridas, autorizar o início das atividades para as quais o empreendimento foi executado, e descreve como deve se dar a continuidade da operação e suas condicionantes.
Frise-se
que mesmo no regime de contratação integrada, após adjudicado o objeto e
assinado o contrato, o cronograma físico-financeiro da obra só poderá prever a
elaboração do projeto básico após a obtenção da Licença Prévia ambiental. Em
qualquer regime de empreitada a obtenção da Licença Prévia é condição sine
qua non para a elaboração do projeto básico.
1 Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(…)
II – por acordo entre as partes:
(…)
d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.
2 IBRAOP. Anteprojeto de Engenharia. Orientação Técnica OT – IBR 006/2016. Disponível em: https://www.ibraop.org.br/wp-content/uploads/2016/09/OT_-_IBR_006-2016-Vers%C3%A3o-Definitiva-10-05-2017.pdf. Acesso em 06.maio.2022.