1. O Sistema de Registro de Preços na Lei nº 14.133/21
Segundo o art. 6º, inc. XLV, da Lei nº 14.133/21, Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o Sistema de Registro de Preços é o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras”. À luz de tal definição, o instituto foi incluído no rol do art. 77, como um procedimento auxiliar às licitações e contratações[1].
Não há, na Lei, indicação das hipóteses em que o Sistema de Registro de Preços poderá ser utilizado[2], apenas uma autorização genérica, no §5º do art. 82, para contratação de bens, serviços e obras de engenharia quando atendidas certas condições[3], restando aberto o espaço para regulamentação.
A ata de registro de preços, criação do extinto Decreto federal 3.931/11[4], foi absorvida como peça fundamental. O art. 6º, inc. XLVI a define como o “documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas”. A assinatura da ata não substitui, como no modelo federal, a formalização do contrato administrativo por meio de instrumento hábil, conforme se depreende do parágrafo único do art. 84, que faz referência ao prazo de vigência do contrato decorrente da ata de registro de preços.[5]
O art. 83 contempla regra já conhecida, de que “a existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar, facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada.” Não há, contudo, menção ao direito de preferência do fornecedor que registrou seu preço.
A Lei traz, ainda, regras mais específicas[6], tais como[7]:
- Conteúdo obrigatório do edital da licitação para registro de preços;
- Como deverá ser utilizado o critério de julgamento de menor preço por grupo de itens (lotes) e realizada a contratação isolada de item;
- Cabimento do SRP para contratações diretas para atendimento de mais um órgão ou entidade, nos termos de regulamento;
- Prazo de vigência da ata e condições em que sua prorrogação está autorizada;
- Disciplina sobre a Intenção de Registro de Preços – IRP;
- Disciplina sobre a adesão ou carona.
2. Contextualização do Problema
O sistema de registro de preços já estava previsto no Decreto nº 2.300/86[8], antecessor da Lei nº 8.666/93[9]. As disposições de ambos os diplomas traziam contornos amplos para o instituto, fixando apenas as normas gerais e remetendo o detalhamento à regulamentação.
A partir das normas legais, era possível compreender o Sistema de Registro de Preços, de uma forma até mesmo rudimentar, como uma espécie de repositório de preços de objetos frequentemente contratados pela Administração e que, nos termos de regulamento, poderia, durante doze meses, gerar contratações caso houvesse interesse de ambas as partes. Assim compreendido, auxiliava a contratação sem vincular sua ocorrência, conferindo ao beneficiário do registro, apenas, o direito de preferência quando em igualdade de condições. No texto da Lei nº 8.666/93, portanto, a existência de preços registrados não obrigava a Administração Pública, nem o contratado, a celebrar uma contratação.
O Sistema de Registro de Preços que ganhou forma na regulamentação federal e se espraiou como modelo absoluto, replicando-se nos demais níveis federativos, é diferente. A ata de registro de preços, um documento apto a gerar compromisso de fornecimento e obrigar o fornecedor a manter o preço nela registrado durante sua vigência, sob pena de sanção administrativa[10], trouxe ao mundo um instituto mais complexo. O Sistema de Registro de Preços passou a ser compreendido como uma promessa unilateral de fornecimento, espécie de contrato preliminar, em que apenas uma das partes – a Administração – tem a faculdade de exigir o seu cumprimento.[11]
Tais características, sem dúvida, demandavam maior atenção de parte da Administração Pública para que não fossem sobrestados princípios comezinhos às relações negociais[12], como a segurança jurídica e a boa fé objetiva, e para preservar a eficácia desta importante ferramenta de logística pública. Infelizmente, não foi o que aconteceu.
A premissa de que “a existência de preços registrados não obriga a administração a contratar” passou a respaldar a afirmativa de que a ata não gera obrigações para a Administração, mas apenas para o fornecedor que registrou seu preço. Diante disso, viu-se, em muitos casos, em um primeiro estágio, a utilização do Sistema de Registro de Preços como um subterfúgio para o mal planejamento das contratações e, em um momento seguinte, a sua própria utilização sem planejamento prévio, produzindo externalidades negativas que incluem desde prejuízos a fornecedores, obrigando-os, muitas vezes, a judicializar o conflito, até a desmoralização do instituto, cujas consequências prováveis são afastamento de bons fornecedores e elevação dos preços apresentados na licitação.
O Sistema de Registro de Preços previsto na Lei nº 14.133/21 foi claramente inspirado na regulamentação federal. Em meio a novas regras, foram transcritos dispositivos da Lei nº 8.666/93 e do Decreto nº 7.892/13, ora de forma exata, ora com alterações, que, sem dúvida, formaram um novo conjunto e criaram um novo contexto normativo. Há um severo risco de que sua interpretação à luz de concepções já existentes perpetuem os problemas relacionados ao seu mau uso e gerem outros, caso não sejam tomados como premissa os princípios do planejamento, da boa-fé e da segurança jurídica, evidentemente incorporados pela nova Lei[13].
Nesse contexto, considerando experiências passadas, propõe-se, conforme os argumentos a seguir, que o conjunto de disposições legais sobre o Sistema de Registro de Preços seja interpretado de forma a produzir uma eficácia positiva, apta a contribuir para o seu aperfeiçoamento.
3. Questão de ordem: a Lei nº 14.133/21 permite sistemas de registro de preços com outros contornos
A inspiração no modelo federal, ao mesmo tempo em se observa a existência de espaços para regulamentação pelos demais entes federativos, em especial no tocante às hipóteses de cabimento e à atualização de valores, deixa em aberta a questão quanto à possibilidade de adoção de modelos distintos do previsto na lei.
A concepção de um sistema de registro de preços permanente, por exemplo, era claramente possível a partir da Lei 8.666/93[14] e minimizava problemas inerentes ao modelo federal, relacionados à atualização de preços.
Não nos parece que a nova Lei tenha eliminado o espaço criativo do legislador estadual e municipal, nem mesmo sobrestado a possibilidade de regulamentação que estabeleça contornos diversos ao sistema de registro de preços visando sua maior eficiência e eficácia, desde que não se afaste do conceito e dos objetivos do instituto, nem contrarie vedações expressas.
As considerações que seguem partem da realidade vivenciada com o modelo adotado pela Administração Federal, que pode ser chamado de “tradicional”, que tem na ata de registro de preços com duração limitada seu documento fundamental.
4. O uso da ata pela Administração Pública não pode gerar prejuízo ao fornecedor
Classificar o registro de preços como um contrato preliminar não significa negar que há, para a Administração, limites a serem observados no exercício da sua discricionariedade de exigir o cumprimento da obrigação por parte do fornecedor que registrou seu preço.[15] Não significa, de maneira alguma, autorizar que a Administração, distanciando-se dos parâmetros oferecidos ao particular para a formulação de sua proposta, celebre contratações que lhe gerem prejuízos econômico-financeiros.
É incontestável que a Administração se vincula às condições que ela mesma estabeleceu como parâmetros competitivos e comerciais, determinantes cruciais para a vantagem econômica a ser auferida pela empresa e, consequentemente, por ela própria, com a concretização do negócio. Não é outra interpretação que se extrai do próprio conceito de ata de registro de preços, expresso no inc. XLVI do art. 6º da Lei 14.133/21, quando vincula a sua utilização à observância de todos os seus termos, dentre eles “objeto” e “condições a serem praticadas”. Tais elementos referem-se, justamente, ao cerne do negócio, que conjuga as obrigações de ambas as partes. Não é possível, pois, à Administração, durante a execução da ata, delas distanciar-se, ou seja, ignorar as condições que orientaram o particular na precificação e consequente formulação de sua proposta.
Na mesma linha, o art. 83 da Lei 14.133/21 é claro ao afirmar que “[a] existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas”, o que, dito de outro modo, significa que o compromisso assumido pelo fornecedor não subsistirá quando a Administração não observar as condições estabelecidas na ata. É equivocado, portanto, afirmar que o Sistema de Registro de Preços não gera obrigações para a Administração.
Nesse contexto, não se admite que, em decorrência de uma atuação puramente discricionária da Administração, a utilização da ata gere prejuízos ao fornecedor. É o que se passa, por exemplo, quando a Administração adquire, durante toda a vigência da ata, mesmo ausente fato superveniente e imprevisível que possa justificar tal conduta, quantidade muito inferior à estimada, causando comprovado prejuízo à economia de escala considerada pelo particular ao formular sua proposta.[16] A situação concretiza a não observância, pela Administração, das condições econômico-financeiras estabelecidas em ata, gerando para o particular que cumpriu o compromisso o direito à indenização.
Cabe frisar que a hipótese não se confunde com variações já esperadas pelo próprio fornecedor, previstas no edital, decorrentes da natureza da demanda e do objeto, consistentes com a respectiva hipótese legal de cabimento do Sistema de Registro de Preços. Exceção deve ser feita, ainda, quando houver ressalva expressa no edital, referente à ausência de obrigatoriedade de adquirir qualquer quantidade, possibilitando o livre arbítrio do fornecedor quando da formulação de sua proposta.[17]
5. O Sistema de Registro de Preços deve gerar contratações
O dever de atuar com eficiência, decorrente do princípio constitucional de mesmo nome, vincula a realização de licitações à existência de uma necessidade concreta. Mesmo no caso do Sistema de Registro de Preços, a Administração não está autorizada a realizar uma licitação sem uma necessidade a ser atendida, que pode ser atual e imediata ou pendente da implementação de determinada condição, mas sempre será pré-existente e certa.[18] Portanto, o Sistema de Registro de Preços deve se referir a demandas reais,[19] estimadas corretamente à luz das peculiaridades do objeto e da hipótese legal que o fundamenta.
A Nova Lei consagra, ainda, o dever de planejar as contratações públicas, especialmente ao estabelecer, em seu art. 5º, o princípio do Planejamento como diretriz para sua aplicação e, em seu art. 18, que a fase preparatória é caracterizada pelo planejamento. Não há motivos para excluir o Sistema de Registro de Preços dessa regra.[20] Esta premissa, aliás, foi aceita pelo §3º do art. 82, ao admitir unicamente como exceção a realização de licitação para registro de preços sem a indicação de quantidades totais. A Lei reconhece, portanto, que o planejamento do Sistema de Registro de Preços é, a rigor, possível, mediante controle adequado de consumo ou planejamento estratégico integrado, com vistas ao atendimento de demandas necessárias ao alcance das metas da instituição.
Diante disso, salvo situações absolutamente imprevisíveis, não se pode admitir que um Sistema de Registro de Preços vigente não resultem em contratação.[21] Em outras palavras, não se tratando de hipótese em que a imprevisibilidade é ab initio, ou seja, referente a indefinições decorrentes das características do objeto e/ou das finalidades a que ele se destina, devidamente justificadas na etapa preparatória da licitação, nem de fato superveniente que altere o interesse público original, uma ata deverá gerar ao menos uma contratação para atender à necessidade administrativa que justificou a licitação.
É este o contexto em que deve ser interpretado o art. 83 da Lei 14.133/21[22], quando se refere à ausência de obrigatoriedade de contratar mesmo diante da existência de preços registrados. Há uma conexão absoluta com a necessidade de motivação, prevista na sua parte final.[23] Não há, pois, liberdade para a Administração de, simplesmente, não contratar, cabendo-lhe indicar as razões suficientes para compatibilizar tal conduta com os deveres de eficiência e planejamento – ressalvadas, repita-se, situações em que o sistema de registro de preços estiver, de início, vinculado a imprevisibilidades absolutas.
6. O registro do preço gera direito de preferência ao fornecedor
Conforme já se afirmou, o Sistema de Registro de Preços não dispensa a Administração de observar os princípios da eficiência, do planejamento, da boa-fé e da segurança jurídica. Tal demandaria, em caso de contratação por outros meios, preservar o direito de preferência do fornecedor que registrou seu preço, tal como o fazia a Lei 8.666/93.
Contudo, essa regra não existe no texto da nova Lei, que optou, em seu art. 83, por amputar a redação de seu equivalente, o §4º do art. 15 da Lei 8.666/93. Trata-se de uma lacuna a ser preenchida por meio da regulamentação do respectivo ente federativo, no sentido de garantir-lhe o direito.
Não obstante, conforme entendemos, a possibilidade de sua arguição pelo particular existe independentemente de previsão em decreto.[24] Por razões evidentes, não é dado à Administração Pública provocar os esforços do particular no sentido de participar do certame e registrar seu preço para, injustificadamente, negar-lhe a oportunidade de contratação futura quando esta se der por meios distintos do Sistema de Registro de Preços.
Vale salientar, ainda, com vistas à regulamentação do direito de preferência, a inconveniência de seu afastamento expresso, afetando negativamente o alcance dos objetivos da própria Administração e prejudicando a eficácia do procedimento.
7. A vinculação à aquisição de quantidades mínimas, sempre que for possível identificá-las desde logo
Estando, a Administração, diante de uma demanda pré-existente que conduza à necessidade de um Sistema de Registro de Preços e não se tratando de hipótese sujeita a imprevisibilidades que impeçam qualquer estimativa, conforme argumentos do tópico IV, entende-se que o edital deverá indicar as quantidades mínimas a serem adquiridas, ficando a elas vinculadas, salvo na ocorrência de fato superveniente e imprevisível que altere o interesse público original.[25]
A Lei 14.133/21 não traz regra explícita nesse sentido, estabelecendo, apenas, em seu art. 82, inc. II, que o edital deverá dispor sobre “a quantidade mínima a ser cotada de unidades de bens ou, no caso de serviços, de unidades de medida”. A partir dele, contudo, algumas reflexões podem ser realizadas, no intuito de corroborar essa linha de entendimento.
O referido inc. II do art. 82 é similar ao inc. IV do art. 9º do Decreto 7.892/13, que, interpretado em conjunto com o art. 8º do mesmo decreto[26], volta-se para as situações em que o fornecedor deseja ofertar quantidades inferiores às totais previstas para o item. Por sua vez, o referido art. 8º encontra sua raiz no §7º do art. 23 da Lei 8.666/93, que disciplina a cotação de quantidade inferior à demandada na licitação com vistas a ampliação da competitividade, caso em que o edital poderá fixar quantitativo mínimo para preservar a economia de escala. Assim, o inc. IV do art. 9º do Decreto 7.892/13 tem em vista a preservação da economia de escala no caso de cotação de quantidade inferior.
A Lei 14.133/21 não repete, de um modo geral, as disposições dos referidos art. 8º do Decreto e art. 23, §3º da Lei 8.666/93, ou seja, não prevê a possibilidade de cotação de quantidade inferior, deixando, aparentemente, desamparado o inc. II do art. 82 e criando um impasse à inteira compreensão dos seus objetivos.
A compreender-se o dispositivo dentro da lógica anterior à nova Lei, o objetivo de indicar quantidades mínimas no edital será idêntico, qual seja, preservar a economia de escala em busca da maior economicidade. Nesse caso, conforme entendemos, o critério a ser utilizado para a identificação das quantidades mínimas a serem cotadas deverá ser a necessidade já detectada como certa para as aquisições, caso essa definição seja possível.
Com efeito, não há que se presumir ou pretender que a Administração Pública domine os aspectos da precificação segundo a economia de escala, conceito econômico complexo, que envolve variáveis inerentes à realidade de cada empresa. Em um cenário em que há condições de precisar a necessidade pré-existente, é um equívoco entender, a partir da letra da Lei, que as quantidades mínimas que parametrizarão a oferta de um melhor preço para a Administração a partir de um determinado ponto de equilíbrio econômico e financeiro identificado pelo contratado possam ser meramente estimadas, sem gerar qualquer compromisso de aquisição.
Portanto, o parâmetro para a fixação das quantidades mínimas a serem cotadas deve ser a necessidade da Administração, o que implicará, ordinariamente, em sua aquisição. Apenas quando essa necessidade não for aferível é que tal parâmetro poderá ser afastado, adotando-se técnicas estimativas que possam, na medida do possível, contribuir para resultados aceitáveis.
A aquisição das quantidades mínimas caracterizará o lucro mínimo que o fornecedor terá ao registrar seu preço, reduzido em razão da economia de escala, razão pela qual, não havendo como precisar as quantidades mínimas a serem adquiridas, a indicação de quantidades mínimas a serem cotadas deverá ser acompanhada de cláusula que expressamente indique a ausência de vinculação à sua aquisição.
Tal interpretação está em linha de coerência com o assinalado nos tópicos anteriores, no sentido de se compreender a disposição legal sob as premissas do dever de planejar e do princípio da boa-fé objetiva. Entender de forma diversa, além de presumir, equivocadamente, a capacidade da Administração para mensurar a economia de escala, ignorando a assimetria informacional existente e as condições de precificação de cada fornecedor, significaria, também, autorizar uma conduta desleal por parte da Administração, que poderia induzir o particular à elaboração de proposta mais vantajosa para quantidades que poderiam não ser adquiridas.
Observa-se, ainda, que cumpre à Administração, por meio de seu edital, ser clara e precisa quanto às suas intenções e regras da contratação. Portanto, não só lhe cabe indicar a quantidade mínima a ser adquirida, valendo-se desta para fixar a quantidade mínima a ser cotada, quando for o caso, como também lhe cabe ser clara nos casos em que a quantidade mínima cotada não tiver qualquer relação com a quantidade mínima a ser adquirida, possibilitando, conforme já defendido no tópico V, o amplo arbítrio do fornecedor em relação ao preço que pretenda ofertar.
8. A vinculação à aquisição das quantidades totais, sempre que for possível precisá-las
O §3º do art. 82 tem demandado algum esforço hermenêutico. Elenca as situações excepcionais em que “[é] permitido registro de preços com indicação limitada a unidades de contratação, sem indicação do total a ser adquirido”. Por exclusão, permite entender que a regra, para todos os demais casos, é a indicação do total a ser adquirido. Consequentemente, salvo se configuradas as hipóteses de seus incisos, a Administração deve precisar exatamente as quantidades totais que restarão adquiridas ao final da vigência da ata.
Não obstante à literalidade do dispositivo, tal entendimento dificultaria o uso do Sistema de Registro de Preços em hipóteses que tradicionalmente já o autorizaram e para as quais não se vislumbra óbice, tal como quando, considerando imprevisibilidades inerentes à natureza da demanda e do objeto, não é possível precisar quantidades.[27]
Assim, há que se analisar o §3º do art. 82 levando em consideração o caput do art. 82, que estabelece, em seus incisos, as cláusulas do edital. O dispositivo não faz referência à indicação das quantidades totais a serem adquiridas, não cabendo, portanto, presumir que estaria fixando uma cláusula obrigatória do edital fora daquele rol, em um parágrafo.
Desse modo, há que se entender que, sem prejuízo do dever de planejar, sempre que for possível a definição de quantidades totais a serem adquiridas, a Administração deverá indicá-las no edital, vinculando-se a elas durante a vigência da ata, o que não exclui a possibilidade de registrar preços também no caso de inexatidão quantitativa inerente à própria demanda, casos em que a indicação das quantidades totais a serem adquiridas não será, sequer, exigível, a despeito do §3º do art. 82.
9. A atualização da ata abrange qualquer forma juridicamente admitida para recomposição de perdas sofridas pelo fornecedor
A alteração do preço registrado em ata que resulte em sua elevação é um tema que despertava polêmicas, em especial, novamente, por conta de disposições do Decreto federal 7.892/13. É notório, também, o entendimento pacificado no âmbito da Advocacia Geral da União, no sentido de que os institutos destinados à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato não se aplicam à ata, entendimento que não encontrou oposição na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Nesse contexto, cada situação concreta deveria ser avaliada no âmbito do contrato já celebrado. Não obstante, parte importante da doutrina seguia defendendo a alteração diretamente na ata, entendimento que sempre nos pareceu mais acertado.
A Lei 14.133/21 prevê a possibilidade de alteração dos preços registrados, deixando a critério do edital a fixação das condições,[28] inovação que está diretamente relacionada à possibilidade de vigência da ata por até dois anos. Contudo, não se restringe a tanto. A disposição, claramente, alinha-se ao consequencialismo da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LINDB, permitindo, acertadamente, que a regras sejam estabelecidas considerando situações materiais, devendo, portanto, ser objeto de interpretação ampliativa.
Como já defendido em outra oportunidade, o realinhamento dos preços registrados não deve ser considerado como algo alheio à norma prevista no inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal, que garante ao contratado o direito à manutenção efetiva das condições da proposta. Por certo que não se discute tal direito após a contratação decorrente do sistema de registro de preços, porém, entende-se que a ata, enquanto documento vinculativo e obrigacional não pode impingir ao fornecedor a contratação por preço desatualizado ou que não lhe seja mais vantajoso em decorrência de circunstâncias supervenientes.[29]
Em uma visão pragmática, a vedação à elevação dos preços registrados era um obstáculo – em nosso entender, formal, decorrente de interpretação restritiva das disposições constitucionais – imposto à utilização do sistema de registro de preços e que não se sustenta em face da Lei 14.133/21. O tema deverá ser disciplinado em edital, de acordo com a previsão nos regulamentos editados pelos entes federativos, visando melhorar a performancedo sistema de registro de preços e evitar a perda do interesse por parte dos fornecedores. Para tanto, qualquer forma juridicamente admitida como mecanismo de recomposição da equação econômico-financeira assentada na proposta, destinada a evitar perdas econômicas ao particular em decorrência da contratação deverá ser admitida.
10. Conclusão
O Sistema de Registro de Preços, além de ser uma valorosa ferramenta de compra compartilhada, possui a inestimável utilidade de possibilitar que a Administração Pública contrate aos poucos, atendendo a demandas futuras sem necessidade de estoque ou desembolso imediato de recursos. Assim, deve ser utilizado de forma consciente, inteligente e responsável, de modo a produzir todos os efeitos positivos possíveis, além de evitar a perda de sua credibilidade junto ao mercado privado, ator fundamental à eficácia e à efetividade do procedimento.
Nesse contexto, qualquer interpretação dada à nova Lei que possa conduzir a externalidades negativas prejudiciais ao dever de planejar, aos resultados perseguidos com o uso do instituto, bem como à relação de confiança que deve existir entre a Administração Pública e seus fornecedores precisa ser evitada.
Isto posto, de acordo com as razões e fundamentos legais trazidos ao longo deste artigo, propõe-se que, a partir do texto legal, as seguintes conclusões sejam extraídas, objetivando definir com clareza o que se espera da Administração em relação ao Sistema de Registro de Preços:
- É possível a adoção de outros modelos mais eficientes de sistema de registro de preços pelo legislador estadual e municipal, bem como a regulamentação que estabeleça contornos que visem sua maior eficiência e eficácia, desde que não se afaste do conceito e dos objetivos do instituto, nem contrarie vedações expressas;
- A existência de um Sistema de Registro de Preços pressupõe, a rigor, existência de necessidade administrativa para o objeto cujo preço se registrou, razão pela qual, salvo imprevisibilidades supervenientes ou peculiaridades da própria hipótese autorizadora prevista em decreto regulamentador, deverão existir contratações dele decorrentes;
- Existindo ata vigente e que atenda perfeitamente suas necessidades, a Administração somente estará autorizada a contratar por outros meios diante de motivo superveniente e suficiente, devidamente indicado no respectivo processo de contratação;
- Ao fornecedor que registrou seu preço deve ser dada preferência na contratação quando a Administração se valer de meio diverso, subsistindo seu direito independentemente da ausência de menção na nova Lei e de previsão em regulamentação;
- A ata vincula a Administração às condições nela previstas, não sendo admissível que, com fundamento na ampla discricionariedade, sua utilização gere prejuízo ao fornecedor;
- A existência de preços registrados somente gera compromisso para o fornecedor se observadas as condições estabelecidas na ata, razão pela qual a aquisição de quantidades muito inferiores às indicadas, culminando em condições econômico-financeiras diversas das previstas, pode gerar para o contratado direito à indenização, salvo expressa desvinculação da Administração à aquisição de qualquer quantidade;
- A Administração deve indicar a quantidade a ser adquirida sempre que for possível identifica-la desde logo, caso em que a mesma servirá de parâmetro para a indicação das quantidades mínimas a serem cotadas pelo fornecedor, se for o caso, para o fim de preservação da economia de escala e obtenção de preços mais vantajosos;
- A indicação de quantidades mínimas a serem cotadas vincula a Administração à aquisição das mesmas quantidades durante a vigência da ata, salvo se cláusula expressa em edital dispuser diversamente, em especial nos casos em que, devidamente atendido o dever de planejar, não for possível quantificar a demanda;
- A Administração deverá indicar as quantidades totais a serem adquiridas sempre que for possível identifica-las desde logo, executando o planejamento da contratação de acordo com a natureza do objeto e a correspondente hipótese autorizadora do Sistema de Registro de Preços, estando dispensada do cumprimento deste dever quando isto não for, justificadamente, possível;
- Sempre que houver possibilidade de aquisição de quantidades inferiores às indicadas, para qualquer fim, na ata, o edital deverá deixar clara essa condição, permitindo, assim, ao fornecedor a correta avaliação de suas perspectivas econômicas e a gestão dos seus riscos, afastando, ainda conflitos prejudiciais à boa relação entre Administração Pública e seus fornecedores;
- A possiblidade de alteração de preços registrados prevista na Lei contempla a possibilidade de atualização da ata, inclusive para elevação de seus preços, cabendo considerar, para tanto, qualquer forma juridicamente admitida como mecanismo de recomposição da equação econômico-financeira assentada na proposta, destinada a evitar perdas econômicas ao particular em decorrência da contratação.
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NOTAS
[1] A Lei 14.133/21 não traz um conceito legal para procedimento auxiliar, apenas relacionando como tais o sistema de registro de preços, o credenciamento, a pré-qualificação, o procedimento de manifestação de interesse e o registro cadastral.
[2] O Decreto federal atualmente em vigor, nº 7.892/13, prevê que o SRP poderá ser utilizado nas seguintes hipóteses (art. 3º):
“I – quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;
II – quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;
III – quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou
IV – quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”
[3] Art. 82, § 5º: “O sistema de registro de preços poderá ser usado para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia, observadas as seguintes condições:
I – realização prévia de ampla pesquisa de mercado;
II – seleção de acordo com os procedimentos previstos em regulamento;
III – desenvolvimento obrigatório de rotina de controle;
IV – atualização periódica dos preços registrados;
V – definição do período de validade do registro de preços;
VI – inclusão, em ata de registro de preços, do licitante que aceitar cotar os bens ou serviços em preços iguais aos do licitante vencedor na sequência de classificação da licitação e inclusão do licitante que mantiver sua proposta original.”
[4]A redação do seu art. 1º, parágrafo único, inc. II era a seguinte: “II – Ata de Registro de Preços – documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, onde se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas;”.
[5] “Art. 84. O prazo de vigência da ata de registro de preços será de 1 (um) ano e poderá ser prorrogado, por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso.
Parágrafo único. O contrato decorrente da ata de registro de preços terá sua vigência estabelecida em conformidade com as disposições nela contidas.”
[6]Sobre a natureza e classificação das normas sobre registro de preços constantes da Lei 14.133/21, ver artigo escrito em co-autoria com Fabrício Motta, intitulado “Normas gerais e regulamentos na nova Lei de Licitações e contratos: da teoria à prática”, disponível em http://www.novaleilicitacao.com.br/2021/06/24/normas-gerais-e-regulamentos-na-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-da-teoria-a-pratica/
[7] Vide arts. 82 e seguintes da Lei.
[8] “Art 14. As compras, sempre que possível e conveniente, deverão: (…)
II – ser processadas através de sistema de registro de preços; (…)
§ 1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado,
§ 2º Os preços registrados serão periodicamente publicados no Diário Oficialda União, para orientação da Administração.
§ 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto.”
[9]“Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: (…)
II – ser processadas através de sistema de registro de preços; (…)
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I – seleção feita mediante concorrência;
II – estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III – validade do registro não superior a um ano.
§ 4o A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.
§ 5o O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.
§ 6o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado.”
[10] Decreto federal nº 7.892/13:
“Art. 14. A ata de registro de preços implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, após cumpridos os requisitos de publicidade.
Parágrafo único. A recusa injustificada de fornecedor classificado em assinar a ata, dentro do prazo estabelecido neste artigo, ensejará a aplicação das penalidades legalmente estabelecidas.”
[11] O entendimento está consolidado no PARECER nº 00002/2020/CPLC/PGF/AGU:
“3. A ata de registro de preços representa a formalização de proposta feita pelo proponente, garantindo à Administração a possibilidade de, durante a vigência da ata, e respeitadas as suas condições, exigir do fornecedor registrado a celebração de contrato sem a necessidade de realizar novo certame. A manifestação unilateral do interessado de celebrar contrato com a Administração ficará consignada na ata, permitindo ao poder público aceitar a oferta pelo período de vigência do documento, desde que respeitadas as condições e limites que dele constem (PARECER n. 00003/2019/CPLC/PGF/AGU).
4. A ata de registro de preços gera obrigações apenas para uma das partes, constituindo uma promessa unilateral, que a doutrina denomina de opção, que é modalidade de contrato preliminar prevista no art. 466 do Código Civil”.
Para Marçal Justen Filho, o registro de preços é “uma relação jurídica de natureza contratual, que se peculiariza por se tratar de uma espécie de contrato preliminar”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos.18. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019, p. 314).
[12]A propósito, Thiago Quintão Riccio e Mariana Magalhães Avelar alertam para o equívoco em continuar a tratar o registro de preços como um simples “acordo”, “avença”, “entendimento” ou designações que o afastem de sua natureza contratual, assinalando que a bilateralidade constitutiva não é condição sine qua non para que haja uma relação contratual, conforme amplamente reconhece a doutrina civilista (AVELAR, Mariana Magalhaes; RICCIO, Thiago Quintão. “Registro de Preços – Comentários aos Capítulos VI e VII do Decreto federal n º 7.892/2013”.In Registro de Preços – Análise da Lei nº 8.666/93, do Decreto federal nº 7.892/13 e de outros atos normativos (atualizado conforme o Decreto nº 8.250/14). Coord. Cristiana Fortini. Belo Horizonte: Fórum, 2014, pp. 126-127).
[13] Ex vi art. 5º, art. 123, art. 92, inc. X e XI e §6º, art. 137, §2º, inc. IV.
[14] Alguns estados já o utilizavam, como Maranhã, Minas Gerais e Rondônia.
[15] Nesse sentido, ensina Marçal Justen Filho: “A ‘ata de registro de preços’ está para o SRP assim como o instrumento de contrato está para os contratos administrativos. É o documento que formaliza um acordo de vontades entre as partes, estabelecendo direitos e obrigações recíprocos e as condições das prestações que serão executadas no futuro. Mais especificamente, a ‘ata’ é o documento que estabelece as condições para futuros contratos entre a Administração Pública e um particular, estabelecendo o objeto, a qualidade, os quantitativos, os prazos e locais de entrega, o preço e todas as outras previsões relevantes.” Ainda: “Na ‘ata’ estão estabelecidas as condições obtidas na licitação e se formaliza a obrigação do particular de se promover as contratações futuras nos termos obtidos no certame. Por outro lado, a Administração também é vinculada pelas condições obtidas na licitação e formalmente previstas na ata”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos.18. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019, p. 314).
[16] Nesse sentido, escreve Ronny Charles Lopes de Torres: “É necessária seriedade na utilização do SRP, de forma que a Administração Planeje adequadamente sua pretensão contratual, com fulcro na sua necessidade material, em como em seus limites orçamentários. (…) Não se pode entender como correta a atitude do gestor que divulga maliciosamente uma pretensa necessidade de 10.000 unidades de um produto, quando apenas intenta contratar 10% dessa quantidade, iludindo os competidores, na intenção de que eles, diante da presunção de grande aquisição, reduzam seus preços, baseados em uma imaginada economia de escala. Ademais, esse comportamento de desconfiança e risco no âmbito das contratações públicas, o que acaba, a médio e longo prazo, repercutindo na elevação dos preços contratados”. (TORRES, Ronny Charles Lopes de. “Leis de Licitações Públicas Comentadas – Lei nº 14.133/2021”, 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 493). Em nosso entender, a quebra da boa-fé objetiva, com as consequências que lhe são próprias, ocorrerá, também, quando não houver malícia ou intenção de induzir os particulares em erro, como quando ocorre falha na etapa preparatória da licitação ou contratação direta.
[17] Vale frisar não ser comum esta previsão, ao pressuposto de que se trata de algo inerente ao sistema de registro de preços essa possibilidade. Contudo, ignora-se que esta condição é de fundamental conhecimento do fornecedor, em especial aquele que não participa, costumeiramente, de tais procedimentos, sendo indispensável que a regra esteja clara no edital e na ata.
[18] Código Civil Brasileiro: “Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.” (Sem grifo no original.)
[19] Assim, por exemplo, é possível registrar preços para contratação de combustível para abastecer a frota de veículos, embora não se saiba, exatamente, o quanto será utilizado de gasolina, álcool e óleo diesel. Por outro lado, não seria justificável essa mesma licitação caso a Administração não dispusesse de frota própria e, nem mesmo, previsão concreta para adquiri-la.
[20] O planejamento da contratação no âmbito do SRP foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União no acórdão paradigmático nº 1233/2012-Plenário, decorrente de uma auditoria no Ministério da Saúde. Por meio dele, o referido órgão de controle externo entendeu que:
“9.7.3.1. ao realizarem licitação com finalidade de criar atade registro de preços atentem que: …
9.7.3.1.3. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo obrigatória a realização dos devidos estudos técnicos preliminares (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX);”. (Sem grifos no original.)
[21]A sempre assertiva Cristiana Fortini, ao analisar o PL 6.814, embrião da Lei 14.133/21, já apontava o equívoco em não se considerar uma vantagem adicional do Sistema de Registro de Preços “a eliminação de qualquer discussão fundada no princípio da confiança legítima sobre o direito à contratação”, frisando que “ainda que Lei 8.666/1993 não imponha expressamente o dever de contratar o vitorioso, e mesmo que a doutrina e jurisprudência não tenham estendido com a força esperada o raciocínio que hoje protege o aprovado em concurso público dentro do número de vagas, a homenagem ao princípio da boa-fé e da confiança legítima favorece o vencedor, que poderá questionar a sua não contratação.” (FORTINI, Cristiana. Projeto que propõe mudanças no registro de preços requer atenção. CONJUR, 2017. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-fev-23/interesse-publico-projeto-propoe-mudancas-registro-precos-requer-atencao , acesso em 16.8.2021.) (Sem grifo no original.)
[22]“Art. 83. A existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar, facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada.”
[23]Segundo entendemos, será possível falar em contratação por via diversa do Sistema de Registro de Preços apenas quando os preços de mercado se mostrarem mais vantajosos ao tempo da contratação, devidamente computado o risco envolvido em um novo processo, e quando houver alteração do interesse público em relação ao objeto cujo preço foi registrado. Neste sentido, Edgar Guimarães escreve: “Sustentamos que ignorar uma ata de registro de preços que esteja em plena vigência e instaurar uma licitação específica, somente poderá ocorrer se houver um fato superveniente a instituição do SRP, devidamente motivado, que justifique a providência”. (GUIMARÃES, Edgar. “Instrumentos Auxiliares das Licitações e Contratações”. In Licitações e Contratos Administrativos – Inovações da Lei 14.133, de 1º de abril de 2021. Coord. Maria Sylvia Zanella di Pietro. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 172, nota 23.)
[24] Para Ronny Charles Lopes de Torres, contudo, a Nova Lei não excluiu, em verdade, o direito de preferência. (TORRES, Ronny Charles Lopes de. “Leis de Licitações Púbicas Comentadas – Lei nº 14.133/2021”, 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 482).
[25] Nesse sentido, também entende Ronny Charles Lopes de Torres, afirmando ser “possível que o próprio edital defina um quantitativo mínimo sobre o qual ele garanta contratação (exemplo: 30% do previsto na Ata), o que pode ser interessante para estimular a competitividade. Nessa hipótese, a contratação do mínimo definido em edital é exigível, podendo gerar direito a indenização caso descumprida e, em função disse, gerar danos ao fornecedor” (ob. cit., p. 492).
[26]“Art. 8º O órgão gerenciador poderá dividir a quantidade total do item em lotes, quando técnica e economicamente viável, para possibilitar maior competitividade, observada a quantidade mínima, o prazo e o local de entrega ou de prestação dos serviços.”
[27] Vide inc. IV do art. 3º do Decreto 7.892/13.
[28] “Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre:
…
VI – as condições para alteração de preços registrados;”
[29] O tema já foi abordado com acuidade no artigo escrito em co-autoria com Renila Bragagnolli, intitulado Da revisão para maior dos preços registrados em ata: breve análise, considerando as disposições do PL nº 4.253/20, publicado na Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 20, n. 231, p. 29-39, mar. 2021.