A Lei nº 14.133/2021, nos §§2º a 8º do art. 86, incorpora em ato normativo primário a possibilidade de adesão tardia à ARP, assim como historicamente previsto no art. 8º do Decreto Federal nº 3.931/2001 e no art. 22 do Decreto Federal nº 7.892/2013.
Dessa forma, resta permitido a qualquer órgão e entidade que não tenha assumido, na época própria, a posição formal de Órgão Participante, a utilização da Ata de Registro de Preços – daí a designação “carona”.
Tal utilização, porém, não se dá de forma plena, como ocorre com os órgãos inicialmente admitidos com Órgãos Participantes, em vista de a “adesão” ficar sujeita às seguintes condições:
a) apresentação de justificativa da vantagem da adesão, inclusive em situações de provável desabastecimento ou descontinuidade de serviço público;
b) demonstração de que os valores registrados estão compatíveis com os valores praticados pelo mercado na forma do art. 23 da NLL;
c) prévias consulta e aceitação do órgão ou entidade gerenciadora e do fornecedor.
Para as contratações destinadas a “execução descentralizada de programa ou projeto federal” ou para “aquisição emergencial de medicamentos e material de consumo médico-hospitalar”, as adesões tardias não estarão sujeitas ao limite global de que trata o §5º do art. 86 da Lei nº 14.133/2021.
Como nítida norma de caráter específico, o §8º do art. 86 da Lei nº 14.133/2021 estabelece ser vedado aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal a adesão à ARP gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal. Não há novidade quanto a esse ponto, tendo em vista a previsão já externada no §8º do art. 22 do Decreto Federal nº 7.892/2013[1].
Por sua vez, o §3º do mesmo art. 86 preconiza ser a faculdade de adesão à ARP “limitada a órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, na condição de não participantes, desejarem aderir à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital”. A seguir a literalidade do dispositivo, diante da ausência de menção aos órgãos municipais como gerenciadores, poder-se-ia chegar ao entendimento quanto à impossibilidade de ARP´s municipais serem aderidas.
Em nossa compreensão, deve ser conferida ao §3º uma interpretação conforme à Constituição da República, porquanto a conclusão pela impossibilidade de adesão de ARP municipal atentaria contra a estrutura federativa do Estado brasileiro, constituindo um discrimen injustificado em relação a um dos entes da Federação – o Município -, autônomo como os demais. Afinal, por qual razão uma ARP municipal não poderia ser aderida por outros entes?
Ainda que se diga que o “legislador” buscou proibir a chamada “adesão verticalizada”, não há razão para vedar adesão de ARP municipal por parte de um outro órgão municipal. Em outras palavras: mesmo que se acredite na tese da proibição da adesão verticalizada, ela não seria aplicável a entes da mesma natureza (Município). Logo, o raciocínio tendente à proibição de adesão seria contraditório em vista de sua premissa central.
De toda forma, em termos substanciais, a norma do §3º seria de cunho específico, não obstando, pois, que Estados, Distrito Federal e Municípios, em sua legítima competência normativa concorrente sobre a matéria, tratem o assunto de maneira diversa em relação às suas respectivas estruturas organizacionais.
Por fim, extrai-se dos §§3º e 8º do art. 86 da NLL as seguintes conclusões:
a) a permissão de adesão tardia à ARP trata-se de uma norma de caráter geral;
b) a vedação de adesão por parte de órgãos e entidades federais à ARP gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal é norma de caráter específico, tendo por destinatários apenas a Administração Pública Federal direta, autarquia e fundacional;
c) não há vedação de adesão por parte de órgãos e entidades estaduais, distritais e municipais de ARP gerenciada por órgão ou entidade federal e de outros Estados e do Distrito Federal;
d) há que se conferir uma interpretação
conforme a CRFB acerca do §3º do art. 86 no sentido de ser considerada como
apta à adesão às atas de registro de preços gerenciadas por órgão ou entidade
municipal.
[1] Cumpre observar que tal previsão regulamentar foi baseada em entendimento externado pelo TCU (v.g., Acórdão nº 3.625/2011 – 2ª Câmara), tendo por premissa a ocorrência prática de mitigação do princípio da publicidade, porquanto a divulgação de ARP´s estaduais e municipais não teriam abrangência nacional. Contudo, diante da previsão da necessária publicidade das ARP´s no PNCP, parece ser paradoxal a positivação da vedação à adesão verticalizada por parte de órgãos e entidades federais.
A partir de 2023, houve alterações, e agora é possível ente municipal pegar “carona” em processo licitatório municipal, desde que o sistema de registro de preços tenha sido formalizado mediante licitação ?
Boa tarde. Muito bom o material!
Gostaria de sanar uma dúvida:
Fundações, sejam de autarquia Federal ou Estadual, podem realizar a adesão “carona” de autarquias municipais?
Boa tarde.
Consta como limite de Adesão 50% do quantitativo registrado para cada órgão não participantes.
Gostaria de saber qual o entendimento de vocês para processos contendo uma única unidade de um produto.
Neste caso, não há como fornecer 50%, diante disso há impedimento em realizar adesão ?
No caso da Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública, obedecem a mesma regra?
Consigo entender seu raciocínio, mas sinceramente espero que não seja prestigiado. Atas de registro de preços municipais são fontes de vários vícios e criam um verdadeiro balcão de ofertas para os gestores, que sabemos que muitas vezes não têm o maior compromisso com ideias republicanos. Aliás, não fico confortável com a afirmação de que o disposto é uma norma específica, e, portanto, poderia ser objeto de disposição diversas por municípios. Não se trata de mero procedimento interno, as compras públicas em geral, considerando o poder financeiro do Estado e o volume de licitações municipais são sabidamente um fator relevante para a economia, hábil a influenciar setores inteiros, e, na minha opinião, o tema está inserido claramente na competência da União, seja para editar normas gerais sobre licitação, seja como regulador da economia.
Infelizmente, existe muita pressão política e provavelmente este texto não viverá muitos dias sem uma alteração congressista, sob o manto de diversas justificativas bonitas no papel, mas que na prática poderiam ser resumidas em: “os Prefeitos do meu partido querem escolher as empresas que vão levar o pote de ouro”.
Muito esclarecedor o trabalho sobre o Artigo 86, da Lei 14.133
Alguém pode informar se o município pode aderir uma ata de prestação de serviços de outro município, tendo em vista que já existe um contrato do mesmo item no município que pretende aderir a ata?
Olá! Victor, tudo bem?
Você saberia informar se o TCU define que “o órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à Ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da Ata”?
Isso mesmo?
Muito obrigada!
Aletéia
Também tenho essa dúvida!
A abordagem sobre o tema esclarece, vez por todas, o problema de uma norma geral e uma norma específica, sendo um excelente exemplo.
Após ler esse artigo, tive a impressão da proibição de adesão a ARP entre órgãos municipais. Gostaria de um esclarecimento em relação a isso se proibido ou não.
Ata da esfera municipal pode da carona a esfera estadual
Parabéns!!! Excelente artigo, claro, objetivo e bastante esclarecedor!
Talvez, a vedação para a adesão a Atas de Registro de Preços gerenciadas por Municípios decorra do mesmo fundamento que levou o TCU a considerar irregular a adesão por órgão ou entidade federal a ARP gerenciadas por órgãos ou entidades estaduais, distritais ou municipais, o entendimento de que a publicidade de atos municipais não alcancem, obrigatoriamente, em sua totalidade o âmbito geográfico do Estado ou Estados ou, ainda, de outros municípios.
Obviamente, pode-se, em contrário argumentar que todos os Atos da Contratação serão objeto de publicação no PNCP.
De outra banda, sendo a Adesão uma fuga a realização do procedimento licitatório, portanto, exceção ao princípio ou regra da prévia licitação prevista no art. 37, inc. XXI, CF, só seria possível nos casos legalmente previstos, como exigido pelo mesmo dispositivo constitucional. Neste sentir, sem alteração da Lei, data máxima vênia, não entendo ser possível que órgão/entidade de um ente da federação possa aderir a ARP gerenciada por órgão/entidade municipal.
No sistema legal e constitucional brasileiro há muitos exemplos de tratamento conferido ao Município diferente do estabelecido para a União, Estados e DF sem que se veja neles qualquer vício de constitucionalidade.
Estamos tentando adquirir equipamentos de segurança através de Atas, com preços absurdamente justificáveis a nosso benefício, mas que sofre uma dura barreira, pois os municípios insistem em desconfiar dessa modalidade de compra, exigindo que o município crie lei específica pra isso.
Entendo que a própria lei de licitações (nova) já permita essa compra, mas como embasar tal entendimento?
Excelente abordagem. Objetiva e clara. Parabéns.