1. Introdução
Em 22 de maio de 2020, o Ministério da Economia publicou a Instrução Normativa nº 40/2021, a dispor sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares – ETP para aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
Trata-se da regulamentação do art. 6º, inciso IX, da Lei 8.666/1993, em que se define projeto básico como “o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução (…)”. Tal acepção conceitual de “Estudo Técnico Preliminar” não constou do texto da Lei 8.666/1993.
Muito embora a IN-MPOG 01/2017 já abrangesse a definição e teor ETP[1], tal ato normativo envolve unicamente contratações para a prestação de serviços. Igualmente, a IN-SLTI 01/2019, também dedicou dispositivos específicos sobre o instituto; aplicáveis, contudo, a contratações de tecnologia da informação[2]. O Decreto 10.024/2019, por sua vez, aludiu os Estudos Técnicos Preliminares; mas além de a regulamentação se aplicar tão somente a aquisição de bens e serviços comuns, não há o respectivo detalhamento do ETP naquele diploma[3].
No caso da IN nº 40/2020, os Estudos Técnicos Preliminares abrangem tanto a aquisições de bens e serviços comuns, como obras e serviços de engenharia, excetuando, unicamente, as aquisições de TI, a continuar regida pelo disposto na IN SLTI 01/2019[4]. Houve um novel – e salutar – alargamento da utilização do ETP em toda a administração pública federal. Os estudos serão realizados em treze etapas, a iniciarem na descrição da necessidade da contratação e findando no posicionamento conclusivo sobre a sua respectiva viabilidade e razoabilidade[5].
Ato contínuo, em 1º de abril de 2021, foi sancionada a Lei 14.133/2021 – a novíssima Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLL). O planejamento das contratações foi alçado a princípio licitatório e a sedimentação de tal valor envolveu o detalhamento de diversos institutos, como o Plano Anual de Contratações, o Mapeamento de Riscos dos contratos e, ao que interessa a este artigo, os Estudos Técnicos Preliminares[6]. Tal qual a IN 40/2021, a NLL dissecou o ETP em treze etapas, sem grandes diferenças práticas e conceituais ao já tratado no regulamento federal[7].
Sobre a padronização das fases de elaboração do estudo, nada obstante à descrição genérica dessas etapas, tanto na IN-ME 40/2020 quanto na Nova Lei de Licitações, em procedimento homogêneo para quaisquer que sejam as tipologias de objeto – providência (talvez) mandatória para viabilizar um preenchimento do ETP Digital[8] – antevê-se a necessidade de adaptar a descrição de alguns campos descritivos para garantir a finalidade e efetividade do ETP.
Para obras, aliás, a IN-ME 40/2020 previu, em seu art. 3º, que “(…) os ETP serão elaborados de acordo com esta Instrução Normativa, exceto quando lei ou regulamentação específica dispuser de forma diversa”. Tal regulamentação (ainda) inexiste. O presente artigo, nessa oportunidade, pretende discorrer sobre algumas particularidades nas contratações de obras e serviços de engenharia, em sua fase de ETP, a demandar cuidados próprios, a carecer – eventualmente – de uma regulamentação específica de sorte a garantir maior segurança jurídica e instrumentalidade ao gestor que milita nessa seara.
2. Elementos obrigatórios dos Estudos Preliminares e o efeito da etapa de elaboração de projetos
Consta do art. 18, §1º, da Lei 14.133/2021:
Art. 18. (…)
§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:
I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;
II – demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;
III – requisitos da contratação;
IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;
V – levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;
VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
VII – descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso;
VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação;
IX – demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;
XI – contratações correlatas e/ou interdependentes;
XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;
XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.
Não houve modificações relevantes em face do já estabelecido no art. 7º da IN-ME nº 40/2020. As fases I, III, V e VII buscam, fundamentalmente, frente a um “problema” a ser resolvido, a escolha da melhor contratação para resolvê-lo. As demais etapas envolvem um “faseamento” que busca avaliar a exequibilidade do objeto, como também de prover informações essenciais para a elaboração do futuro projeto básico e instrumento convocatório.
No universo da engenharia e arquitetura, em verdade, é comum haver duas contratações: a primeira, para a seleção de projetista para elaborar o projeto (quando não feito diretamente por profissionais do órgão/entidade contratante); e a segunda, para a contratação da obra ou serviço de engenharia propriamente dito. A elaboração do ETP é condição essencial para a publicação do instrumento convocatório, quer seja do projeto; quer seja da obra o serviço de engenharia propriamente dito.
A preocupação é que, uma vez elaborado o projeto, a solução já está definida. Caso os estudos iniciem unicamente após a sua feitura – situação corriqueira, principalmente nos casos em que o projeto é elaborado pelo próprio ente contratante – as etapas descritivas da necessidade, dos requisitos, do levantamento das soluções de mercado e da escolha da solução tornam-se, na prática, inócuas. A solução já está definida, afinal. O projeto básico é, justamente, a peça descritiva do objeto a ser licitado.
Por outro lado, uma vez projetada a obra ou serviço, haverá a definição de sistemas e subsistemas construtivos impactantes na avaliação da viabilidade técnica de se executar, fiscalizar e manter o novo objeto. Ainda, frente ao maior detalhamento das soluções, é igualmente esperado um elastecimento do orçamento, em até 30%[9] – comparando a estimativa preliminar de custo (sem ainda o projeto básico) e o projeto detalhado – com influência direta na ponderação de viabilidade econômico-financeira. Os estudos ambientais, identicamente, sofrerão influência, começando desde o detalhamento (e viabilidade; e preço) das medidas mitigadoras ambientais, e findando nos potenciais demandas fruto dos Estudos de Impacto de Vizinhança – EIV[10]. Em acréscimo, um ou outro subsistema, por sua especificidade, materialidade e complexidade, pode exigir o respectivo parcelamento do objeto, com efeitos decisivos na constituição do edital licitatório.
Dito de outro modo: anteriormente ao projeto, as informações disponíveis para se estimar o valor do empreendimento são parcas. Procedem-se avaliações expeditas e paramétricas para viabilizar a estimativa do custo da empreitada. Empregam-se referências, em reais, dos custos por metro quadrado, por quilômetro, por volume de água, por potência de energia gerada, por toneladas de refrigeração, ou outro parâmetro adequado à tipologia da obra. No caso do uso do CUB – Custo Unitário Básico de Construção, tida em m2, tal referência não inclui sequer os custos de fundação, BDI, jardinagem, arruamentos, contenções, consultorias, projetos e outras rubricas relevantes[11]. As estimativas de custo obtidas por meio dessas metodologias são muitíssimo aproximadas, podendo encontrar variações de até 50%[12]! Logicamente que o detalhamento da solução, a viabilizar uma análise mais acurada dos seus custos – e respectiva viabilidade – não pode ser ignorada no planejamento da obra.
Disso se conclui que o ETP deve ser iniciado antes mesmo da decisão de se projetar. Uma vez tomada tal decisão de elaborar o projeto básico – seja de forma direta pela administração; seja contratando terceiros para tal – já se decidiu que a obra ou serviço de engenharia é a solução que melhor atende o interesse público. Tal ratificação, em termos de expectativa de custos, deve considerar tanto os custos expedidos da futura obra a ser construída, quando os custos também paramétricos associados de projeto, desapropriações, consultorias e demais contratos associados.
Em decorrência lógica de tal reconhecimento, uma vez projetada a solução, deve-se dar continuidade aos estudos. O detalhamento do objeto oferece informações mais precisas sobre, por exemplo: custo; providências ambientais; detalhamento de todos os sistemas construtivos, aptos à avaliação de complexidade e necessidades de parcelamento e constituição de consórcios; tecnologias, materiais e mão de obra especializada para a execução, operação e manutenção; e aptidão da empreitada para a utilização dos diferentes regimes de execução contratual. São todas informações fulcrais para a “confirmação” da viabilidade do empreendimento e necessárias para as decisões posteriores a se tomar para uma adequada elaboração do instrumento convocatório.
Do arguido, extrai-se que a elaboração dos estudos técnicos preliminares para obras e serviços de engenharia dever ser um ato complexo, realizado em duas fases: a primeira, anteriormente à decisão de ser projetar a obra; e a segunda, de posse do projeto e frente a suas soluções particularidades, anteriormente à feitura do instrumento convocatório. Omissões em uma e outra etapa podem redundar em ineficiência, inefetividade ou mesmo na inviabilidade técnica, econômica, financeira e ambiental da contratação.
3. O efeito do regime de execução contratual no ETP e nas etapas posteriores
Consta da Lei 14.133/2021:
Art. 46. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:
I – empreitada por preço unitário;
II – empreitada por preço global;
III – empreitada integral;
IV – contratação por tarefa;
V – contratação integrada;
VI – contratação semi-integrada;
VII – fornecimento e prestação de serviço associado.
Para o fornecimento e prestação de serviço associado, trata-se de “regime de contratação em que, além do fornecimento do objeto, o contratado responsabiliza-se por sua operação, manutenção ou ambas, por tempo determinado[13]”. Há a decisão de “não parcelar o objeto” quanto ao seu fornecimento e operação/manutenção.
Segundo o art. 113 da Lei 14.133/2021, tal regime de execução contratual é extensivo a obras e serviços de engenharia[14]. Significa que, uma vez construída a obra (ou reformada; ou recuperada; ou ampliada), pode-se, justificadamente, contratar a manutenção predial de forma associada, em um único contrato.
Obviamente que a antevisão, ainda na fase de estudos preliminares, se faz necessária para tanto avaliar a vantagem desse não parcelamento, como preparar as peças posteriores em consequência de tal decisão. Essa tratativa, inclusive, não é exclusividade de obras e serviços de engenharia, perpassando por demais aquisições em que se julgue vantajoso o fornecimento e prestação de serviço associado.
A motivação do uso e aplicação desse regime de execução contratual deve fazer parte tanto dos campos relativos ao inciso VIII, do art. 18 da Lei 14.133/2021 (justificativas para o parcelamento ou não da contratação), quanto mesmo do ao do inciso V (levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar). Existe uma solução que é a aquisição/construção de forma apartada de sua operação e manutenção; e outra aglutinando as duas contratações.
Na contratação integrada (CI), contudo, trata-se de uma particularidade própria do universo de obras e serviços de engenharia. A CI é um “regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”. Em suma: licita-se a obra com a utilização de um anteprojeto; porquanto o projeto básico completo será providenciado pela construtora no decorrer da contratação. As empresas competem em termos de metodologia e tecnologia para atender as razões de interesse público expostas no anteprojeto licitatório.
Disso extrai-se que a decisão, ainda na fase de ETP, sobre a utilização ou não da contratação integrada é a informação delimitadora para, ao final dos estudos, se decidir pela confecção de projeto básico ou um anteprojeto. Tal conclusão é essencial e irrenunciável. Serão providências distintas, com custos e tempos diferentes. E o fato de inexistir, nos incisos de I a XIII, do art. 18 da Nova Lei de Licitações e Contratos – ao menos não de forma clara – um “campo” específico para dessa narrativa justificadora, constitui-se foco de risco e insegurança jurídica.
Como sugestão, avalia-se que os campos “levantamento de mercado” e “descrição da solução” (objeto dos incisos V e VII, do art. 18 da Lei 14.133/2021) seriam os meios adequados para se avaliar o uso da contratação integrada. A administração pode optar em já detalhar a solução no projeto básico, em exigência de meio; ou permitir que o mercado o faça, em obrigação de fim. Tal exame de vantagens e desvantagens são típicos das comparações de “soluções de mercado” aptas a fazer frente às razões de interesse público que demandam uma contratação. Raciocínio muitíssimo semelhante pode ser utilizado para a decisão de se empregar a contratação semi-integrada[15]; ou mesmo a empreitada integral[16].
4. A questão das “obras e serviços comuns de engenharia”
Consta do art. 54 do PL 4253/2020:
Art. 54. Os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances, contados a partir da data de divulgação do edital de licitação, são de:
I – para aquisição de bens:
a) 8 (oito) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto;
b) 15 (quinze) dias úteis, nas hipóteses não abrangidas pela alínea a deste inciso;
II – no caso de serviços e obras:
a) 10 (dez) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto no caso de serviços comuns de obras e serviços comuns de engenharia;
b) 25 (vinte e cinco) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, no caso de serviços especiais e de obras e serviços de engenharia;
c) 60 (sessenta) dias úteis, quando o regime de execução for de contratação integrada;
d) 35 (trinta e cinco) dias úteis, quando o regime de execução for o de contratação semi-integrada ou nas hipóteses não abrangidas pelas alíneas a, b e c deste inciso. (…)
Pelos dispositivos mencionados, “obras e serviços comuns de engenharia” demandam dez dias úteis para a publicidade após a edição do instrumento convocatório; e obras (não comuns) e serviços especiais carecem de quinze dias úteis. De fato, faz-se natural e alvissareiro que objetos mais complexos demandem ao mesmo tempo um prazo maior para a análise do objeto – de sorte a viabilizar propostas mais responsáveis – como um maior tempo para auscultar eventuais interessados em busca da melhor proposta. É bem-vinda a modificação reconhecer que, mesmo obras possam apresentar diferentes graus de complexidade a exigir-lhe prazos reduzidos para, quando cabível, oportunizar processos mais céleres e eficientes, sem prejuízo a princípio da maior vantagem.
Obras comuns de engenharia também não exigem, obrigatoriamente, um projeto executivo para a sua completa execução:
Art. 46 (…)
§ 1º É vedada a realização de obras e serviços de engenharia sem projeto executivo, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 18 desta Lei.
A referência excepcional inscrita no §3º, art. 18, é justamente a de obras e serviços comuns de engenharia:
§3º Em se tratando de estudo técnico preliminar para contratação de obras e serviços comuns de engenharia, se demonstrada a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, a especificação do objeto poderá ser realizada apenas em termo de referência ou em projeto básico, dispensada a elaboração de projetos.
Vê-se que as obras e os serviços comuns de engenharia carecem de avaliação prévia, em sede de Estudo Técnico Preliminar – ETP para definição tanto do prazo para abertura das propostas e/ou início da etapa de lances, quanto eventual obrigatoriedade da confecção de projetos executivos. Adicionalmente, algumas obras comuns, por sua simplicidade, “caso demonstrada a inexistência de prejuízos para aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados”, podem ser especificadas por meio de “termo de referência ou projeto básico, dispensada a elaboração de projetos”.
Apesar dessas relevantes implicações legais e procedimentais afetas ao procedimento licitatório, o termo “obras comuns de engenharia” não se encontra definido no escopo de no art. 6º da PL 4253/2020, ou em qualquer de seus dispositivos. Tal omissão legal e a respectiva imprecisão do conceito tem o condão de conferir incerteza relevante ao processo licitatório. As consequências de tal classificação e eventual dubiedade de posicionamento dos órgãos jurídico e de controle redundam tanto em potencial instabilidade e ineficiência decisória, quanto um foco de insegurança jurídica no processo.
Em artigo anterior[17], propusemos a seguinte definição para obras comuns:
Levando em conta o texto licitatório afeto à habilitação técnica, bem como os princípios respectivos aplicáveis, propôs-se que obras comuns de engenharia são aquelas corriqueiras, cujos métodos construtivos, equipamentos e materiais utilizados para a sua feitura sejam frequentemente empregados em determinada região e apta de ser bem executada pela maior parte do universo de potenciais licitantes disponíveis e que, por sua homogeneidade ou baixa complexidade, não possa ser classificada como obra especial. Por sua vez, obras especiais de engenharia são aquelas que cuja parcela de experiência exigida nos atestados de capacidade técnica refiram-se a obras, sistemas ou subsistemas construtivos heterogêneos, complexos, cujos métodos construtivos, equipamentos e/ou materiais tenham sido realizados com maior raridade e/ou que imponham desafios executivos incomuns para sua conclusão, suficientes a perfazer um menor número de empresas aptas a demonstrar experiência na sua feitura ou a demandar-lhes a medição específica de habilidade/intelectualidade para a seleção da futura contratada.
Fora de qualquer dúvida, a ponderação se a obra é comum ou especial deve ser oferecida ainda no ETP, tal qual assevera o art. 18, §3º, da Lei 14.133/2021. As consequências de um ou outro enquadramento impactam nas fases supervenientes do planejamento e tal omissão pode, como já dito, redundar em uma inércia motivadora; quando não a uma insegurança jurídica ao certame.
Julga-se, nessa tônica, que o “campo” adequado para essa identificação seja o relativo ao inciso VII, do art. 18 da Lei 14.133/2021 (descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso). Uma das características do objeto “escolhido” como sendo a solução mais eficiente, eficaz e efetiva para a resolução do problema, é o seu enquadramento como obra ou serviço comum de engenharia.
De todo necessário, assim, tanto uma regulamentação específica para a definição da obra comum, mas também sobre a forma e o lugar em que isso será dissertado no ETP.
5. Conclusão
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos esquadrinhou uma série de institutos afetos à fase de planejamento das contratações. Dentre tais procedimentos, detalhou as informações necessárias para a elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP). Trata-se da primeira etapa de planejamento, com a função de, frente a uma determinada razão de interesse público, se motivar a contratação mais eficiente, efetiva, eficaz e econômica para resolvê-la. O ETP também ultima garantir a viabilidade da contratação, como ainda, servir de base para a elaboração do anteprojeto, projeto básico ou termo de referência.
Eis que, no universo de obras públicas, é comum haver uma contratação para a elaboração do projeto básico e outra para a execução da obra. Uma vez elaborado o projeto, a solução já está definida. Caso os estudos iniciem unicamente após a sua feitura, as etapas descritivas da necessidade, dos requisitos, do levantamento das soluções de mercado e da escolha da solução tornam-se, na prática, inócuas. A solução já está definida, afinal. O projeto básico é, justamente, a peça descritiva do objeto a ser licitado.
Por outro lado, uma vez projetada a obra ou serviço, haverá a definição de sistemas e subsistemas construtivos impactantes na avaliação da viabilidade técnica de se executar, fiscalizar e manter o novo objeto. Frente ao maior detalhamento das soluções, ainda, é igualmente esperado um elastecimento do orçamento, em até 30% – comparando a estimativa preliminar de custo (sem ainda o projeto básico) e o projeto detalhado – com influência direta na ponderação de viabilidade econômico/financeira. Os estudos ambientais identicamente sofrerão influência, começando desde o detalhamento (e viabilidade; e preço) das medidas mitigadoras ambientais. Em acréscimo, um ou outro subsistema, por sua especificidade, materialidade e complexidade, pode exigir o respectivo parcelamento do objeto, com efeitos decisivos na constituição do edital licitatório.
Frente a tal situação, o ETP deve se iniciar antes mesmo da concepção do projeto, em um ato complexo, realizado em duas fases: a primeira, anteriormente à decisão de ser projetar a obra; e a segunda, de posse do projeto e frente a suas soluções particularidades, anteriormente à feitura do instrumento convocatório, em complemento aos estudos já iniciados. Tal providência irá garantir a efetividade do planejamento da obra e do serviço de engenharia; e a própria garantia de sua viabilidade.
As obras e serviços de engenharia, ainda, demandam outras nuanças em sua fase de ETP, como a necessidade de definir se o objeto é uma “obra ou serviço comum de engenharia” e a ponderação sobre o regime de empreitada a ser utilizado – como a possibilidade de se utilizar da contratação integrada –, ambas informações de entrada inadiáveis para as vindouras tomadas de decisão, ainda antes da confecção do projeto e edital.
Essas e outras especificidades recomendam, de todo, uma regulamentação específica dos Estudos Técnicos Preliminares para obras e serviços de engenharia, sob pena da produção burocrática, ineficaz e não efetiva do planejamento dessas tipologias de contratação, aliada a uma insegurança jurídica para gestores, consultores jurídicos e auditores internos e externos.
Referências
CAMPELO, Valmir / CAVALCANTE, Rafael Jardim – Obras Públicas: comentários à jurisprudência do TCU. 4. Ed. ver. e atualizada – Belo Horizonte : Fórum 2018.
CARDOSO/Roberto Sales – Orçamento de obras em Foco – Cardoso. – 4. ed. – São Paulo: Oficina de Textos, 2020.
CAVALCANTE, Rafael Jardim – Um ensaio sobre “obras comuns de engenharia” na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Observatório da Nova Lei de Licitações, em http://www.novaleilicitacao.com.br/2021/02/05/um-ensaio-sobre-obras-comuns-de-engenharia-na-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-administrativos/.
IBRAOP – Orientação Técnica OT – IBR 004/2012 –
Precisão do orçamento de obras públicas. Primeira Edição: válida a partir de
01/05/2012.
[1] Art. 20, inciso I; art. 24; e anexo III da IN-MPOG 05/2017.
[2] Art. 2º, inciso XI; art. 9º, inciso II e art. 11 da IN-SLTI 01/2019
[3] Art. 3º, inciso IV e art. 8º, incisos I e II, do Decreto 10.024/2019.
[4] Art. 1º, caput e 4º da IN-ME 40/2020.
[5] Art. 7º, incisos de I a XIII, da IN-ME 40/2020.
[6] Art. 18, inciso I e §1º, da Lei 14.133/2021.
[7] Art. 18, incisos de I a XIII, da Lei 14.133/2021.
[8] Sobre o ETP Digital, vide art. 2º e art. 7º da IN-ME nº 40/2021.
[9] IBRAOP – Orientação Técnica OT – IBR 004/2012 – Precisão do orçamento de obras públicas. Primeira Edição: válida a partir de 01/05/2012. Faixas deprecisão esperada do custo estimado de uma obra em relação ao seu custo final. Pg 5. Disponível em https://www.ibraop.org.br/wp-content/uploads/2013/04/OT_IBR0042012.pdf, em 5/7/2021.
[10] Lei 10.257/2001 – Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto á qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo das seguintes questões: I – adensamento populacional; II – equipamentos urbanos e comunitários; III – uso e ocupação do solo; IV – valorização imobiliária; V – geração de tráfego e demanda de transporte público; VI – ventilação e iluminação; VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
[11] ABNT NBR 12.721:2006.
[12] Fonte: CARDOSO/Roberto Sales – Orçamento de obras em Foco – Cardoso. – 4. ed. – São Paulo: Oficina de Textos, 2020.
[13] Art. 6º, inciso XXXIV, da Lei 14.133/2021.
[14] Art. 113. O contrato firmado sob o regime de fornecimento e prestação de serviço associado terá sua vigência máxima definida pela soma do prazo relativo ao fornecimento inicial ou à entrega da obra com o prazo relativo ao serviço de operação e manutenção, este limitado a 5 (cinco) anos contados da data de recebimento do objeto inicial, autorizada a prorrogação na forma do art. 107 desta Lei.
[15] Lei 14.133/2021 – Art. 6º (…) XXXIII – contratação semi-integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver o projeto executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto;
[16] Lei 14.133/2021 – Art. 6º (…) XXX – empreitada integral: contratação de empreendimento em sua integralidade, compreendida a totalidade das etapas de obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade do contratado até sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, com características adequadas às finalidades para as quais foi contratado e atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização com segurança estrutural e operacional;
[17] CAVALCANTE, Rafael Jardim – Um ensaio sobre “obras comuns de engenharia” na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Observatório da Nova Lei de Licitações, em http://www.novaleilicitacao.com.br/2021/02/05/um-ensaio-sobre-obras-comuns-de-engenharia-na-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-administrativos/.