PARTE II
3.2.1.2 Segmentação das atividades de gestão e fiscalização
Observe-se que a NLLC, assim como a Lei nº 8.666/93, não segmenta as atividades de gestão e fiscalização, ambas as leis trazem as atribuições a serem desempenhadas por representantes,[1] no caso da NLLC uma novidade a mais foi inserida ao dispor sobre a terminologia “fiscal” ou “fiscais” como representantes da Administração. Porém, o §3º do artigo 8º dispõe que as regras[2] relativas ao “agente da contratação e equipe de apoio”, fiscais e gestores de contratos serão definidas em regulamento.
Existem vários modelos de gestão e fiscalização na Administração Pública implementados pelos órgãos, assim, qualquer modelo de gestão definido pela instituição pode ser implementado, pois a NLLC não trouxe esses modelos, mas o regulamento pode especificar as atividades a serem desenvolvidas.
Conforme afirma a professora a Prof. Madeline Rocha Furtado,[3] “A falta de legislação específica sobre o assunto deixa em aberto a escolha da terminologia a ser aplicada pela Administração que vai acompanhar e fiscalizar os contratos”, segundo afirma, o artigo 67 da Lei nº 8.666/93 estabelece que a “Administração deverá designar um representante para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato”, o art. 11 do Decreto nº 9.507/2018[4] estabelece que a “Administração indicará um gestor do contrato, que será o responsável pelo seu acompanhamento e fiscalização”, e agora a NLCC traz os dois termos na Lei, porém não especifica que tipo de fiscalização.
Entretanto, a redação do artigo 10[5] do Decreto nº 9.507/2018 afirma que tais atividades de gestão e fiscalização dos contratos têm como objetivo aferir o cumprimento dos resultados que foram definidos no ETP/TR/Contrato e demais documentos, além de verificar as demais obrigações legais, inclusive quanto à mão de obra, e atividades relacionadas à instrução processual.
Bem, na Administração Pública existem várias terminologias aplicadas, como afirma Furtado:[6] […] “fiscal de contrato; gestor de contrato; fiscalizador de contrato; executor de contrato; órgão fiscalizador ou executor de contrato (quando a Administração não designa formalmente a pessoa)”, seguido de outras como: […] “RA (representante da Administração), AF (agente fiscalizador) e o famoso Agente 67”.
Quanto à responsabilidade da fiscalização existem diversos acórdãos do TCU sobre a matéria, em especial, quanto às “obrigações da contratada”, relação ao “pagamento”, às “penalidades” e à “rescisão”, todas essas diretrizes devem ser observadas pelos gestores e fiscais, tendo em vista que tais atores têm responsabilidade solidária com a empresa por possíveis danos causados pela execução irregular do contrato.
É comum um único servidor responsabilizar-se por todos os segmentos da fiscalização, e muitas vezes de vários objetos contratuais, com isso, a fiscalização fica fragilizada. Essa fiscalização equivocada pode ser realizada aquém das exigências contratuais, com prejuízo para a Administração, e ainda exigindo procedimentos além dos previstos contratualmente, prejudicando diretamente o contratado e podendo trazer uma futura responsabilidade ao gestor.
3.2.1.3 A visão sistêmica do processo de contratação e a gestão e fiscalização
Segundo Furtado,[7] “Para atuar de maneira proativa, o gestor/fiscal de contratos deve deter conhecimentos sobre a visão sistêmica do processo de contratação na Administração Pública, envolvendo todas as etapas, desde os instrumentos de planejamento”, abrangendo vários documentos do processo, desde os estudos preliminares, contemplando o gerenciamento dos riscos, instrumento de medição de resultados, planilhas, cronogramas, TR, PB, etc.
Para consolidar o entendimento das atividades relativas à gestão e fiscalização, e no sentido de modelar os instrumentos que irão operacionalizar a fiscalização, é importante destacar os artigos 39 e 40 da IN nº 5/2017, a qual define, em síntese, o que compõe as atividades de gestão e fiscalização contratual[8] e o que cabe ao gestor e aos fiscais técnicos, administrativos, setoriais e pelo público usuário,[9] conforme o caso.
Porém, independente do modelo a ser construído, entendo que só haverá êxito na gestão contratual se esta estiver fundamentada em pelo menos alguns requisitos:
1. O gestor precisa conhecer o objeto como um todo;
2. O gestor precisa de apoio técnico (alguém que conheça o objeto tecnicamente) e este será o fiscal técnico do objeto, que aferirá a execução;
3. Se o objeto envolver disponibilização de mão de obra, o gestor precisará da verificação documental dessa mão de obra, o que será feito pelo fiscal administrativo, podendo ser realizado pelo fiscal técnico ou por outra pessoa especialmente designada;
4. Os fiscais subsidiarão o gestor de informações capazes de lhe fornecer segurança para aceitar o objeto definitivamente.
5. O fiscal técnico pode ser terceirizado se não existir no órgão alguém capacitado.
Muito embora o fiscal técnico possa realizar as atividades de fiscalização administrativa (cessão de mão de obra), caso não haja servidores/empregados disponíveis, nem todos os objetos possibilitarão fazer-se o inverso, ou seja, o fiscal administrativo realizar a fiscalização técnica. A fiscalização técnica carece de conhecimentos técnicos específicos do objeto, podendo envolver metodologias diferenciadas e condicionadas à habilitação legal.
O artigo 18[10] da NLLC, referente à instrução processual, dispõe que, na fase preparatória, a Administração deverá atentar a diversos requisitos, entre esses “abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos” alguns requisitos, ou seja, são vários aspectos relativos à caracterização da “gestão” que alcançam a contratação.
Assim como já observado anteriormente tendo como base da contratação os estudos técnicos realizados, mediante o interesse público envolvido, observadas as exigências que impactaram na execução do objeto, cabe ao requisitante, juntamente com demais agentes envolvidos (equipe de planejamento, se existente), traçar as regras do modelo de gestão e fiscalização da contratação.
3.3 Diretrizes dos novos modelos de gestão e fiscalização
Nos modelos de gestão e fiscalização da contratação, serão descritos tópicos que envolvam várias situações que abranjam a composição do objeto, desde condições (metodologia) de execução, regime de fornecimento ou a forma de prestação dos serviços, a forma de medição e o pagamento, mediante os valores estabelecidos no contrato, sendo essas situações delineadas conforme o estudo preliminar (ETP). Por isso, a importância de o gestor ou fiscal do contrato participar da fase de planejamento. Nesses modelos também serão observados os riscos da contratação, inclusive quanto à capacitação de quem será responsável pela gestão e fiscalização.
O modelo de gestão do objeto deve envolver várias atividades a serem executadas, como já citado (art. 40 da IN nº 5/2017), acerca das atribuições do gestor de contratos, deixando sob sua responsabilidade os atos administrativo-processuais relativos à execução dos contratos e à coordenação das atividades relacionadas às fiscalizações, sendo estas subdividas em fiscais administrativos, técnicos e público usuário.
No modelo de gestão e fiscalização, definem-se as atribuições dos fiscais[11] e, como já é de praxe, o fiscal (técnico ou administrativo) deverá anotar todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato e, diante da constatação de irregularidades, determinar a regularização e submeter aos superiores aquelas situações que ultrapassam sua competência.
3.3.1 Auxílio jurídico e controle interno
Chama-se a atenção ao §3º deste mesmo artigo,[12] quanto à previsão de auxílio pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, quanto à possibilidade de existência de dúvidas relevantes na prevenção dos riscos na execução contratual. Este tópico vai exigir dois tipos de análises pela área jurídica ou pelo controle interno, conforme definido: uma análise referente às questões técnicas específicas da composição física do objeto, e outra referente à viabilidade jurídica da contratação. Nesse momento, enxergo que uma análise por esses atores de forma mais apurada pode, ao invés de dar celeridade e eficiência à contratação, ter efeito contrário. Este ponto deve ser mais bem avaliado, pois existem grandes diferenças na atuação dessas áreas (assessoramento jurídico e controle) por toda a Administração Pública, dependendo das estruturas organizacionais existentes esse auxílio pode implicar dificuldades de ordem operacional, como dizem por aí: “to backfire” ou “o tiro pode sair pela culatra”.
3.3.2 O preposto
Outro ponto trazido pela Lei é o artigo 118,[13] com a mesma redação da Lei nº 8.666/93 e seus problemas, trata-se da disponibilização do preposto no contrato e o custo operacional dessa disponibilização, se é custo direto ou indireto. Esse ponto pode parecer teoricamente simples, mas, na prática, a ausência dessa informação de forma clara e objetiva traz uma grande dificuldade, inclusive com responsabilidade administrativa para gestores e fiscais.
O preposto é o “elo” entre a empresa e o órgão contratante (que pode ser qualquer pessoa representante da empresa). Porém, só que pode onerar o contrato é a disponibilização desse profissional nas dependências do órgão durante a execução do contrato, cumprindo a sua jornada de trabalho exclusivamente para o contratante. Esse aspecto é bastante controverso, pois alguns entendem que, uma vez exigido o preposto, este deve ficar disponível todo o tempo (jornada de trabalho) para o tomador. Essa situação precisa estar bastante esclarecida porque qualquer que seja este profissional que fique inteiramente à disposição do tomador, isso implica custo contratual.
A questão é deixar claro quem é o preposto e o que ele faz.
De acordo com o Código Civil,[14] no art. 932, inciso III, tem responsabilidade civil: […] “III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”, e mais adiante, no art. 1.172: “considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência”. Assim, caracteriza-se o preposto no Código, porém observa-se que este dispositivo já foi objeto do Recurso Especial nº 304.673/SP, do STJ,[15] no qual o relator, o Ministro Barros Monteiro, em seu relatório, traz o seguinte entendimento:
[…] O conceito de preposto, todavia, é mais abrangente do que o sustentado pela recursante. Para o Prof. Antônio Chaves, citado por Rui Stoco, “preposto é aquele que está sob a vinculação de um contrato de preposição, isto é, um contrato em virtude do qual certas pessoas exercem, sob a autoridade de outrem, certas funções subordinadas, no seu interesse e sob suas ordens e instruções, e que têm o dever de fiscalizá-la e vigiá-la, para que proceda com a devida segurança, de modo a não causar danos a terceiros” (Tratado de responsabilidade civil. 5. ed.). […]
Assim, ficou demonstrado que, “para o reconhecimento do vínculo de preposição, não é preciso que exista contrato típico de trabalho”, sendo “suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem”. Observa-se ainda que esse “preposto” só age com autorização escrita do proponente[16] e não pode negociar por conta própria, salvo se autorizado expressamente.
Ora, o preposto é qualquer pessoa a quem sejam designados poderes pelo proponente. No direito do trabalho, vê-se, no §1º do art. 843 da CLT,[17] que o preposto é “aquele que substituirá o empregador em audiência de julgamento”. Assim, no edital e no contrato, sempre será prevista a necessidade de um representante da contratada para representar a empresa nas relações contratuais, a questão é se este estará disponível exclusivamente para o tomador com exercício nas dependências dele; se for assim, deve a Administração inseri-lo nos custos diretos. Caso não haja necessidade desse profissional presente, ele estará inserido nos custos indiretos, como é de praxe. Percebe-se que esse representante tem funções específicas que não podem ser confundidas com a função de “supervisor” ou “coordenador”, estes podem ser nomeados prepostos, mas o contrário não faz sentido.
3.3.3 A fiscalização e o modelo de gestão
A fiscalização inserida no modelo de gestão deve detalhar a metodologia de aferição, recebimentos e, principalmente, o controle das quantidades a serem entregues e a sua qualidade. Tais diretrizes, dispostas na IN nº 5/2017, remetem à divisão de atribuições por diversos atores. Esse ponto é importante, pois, muito embora, a IN nº 5/2017 tenha sido absorvida em vários dispositivos legais, ao trazer esse tema na nova Lei, o legislador não cuidou de segmentar as suas atividades como previsto na IN citada, o que é perfeitamente compreensível que seja feito em regulamento.
O que não se pode esquecer é que muitas das atribuições realizadas atualmente e regidas por essa IN não podem deixar de continuar segmentadas. Segmenta-se a área técnica responsável pelo conhecimento e aplicação do objeto, daquela que cuida administrativamente do processo (das alterações contratuais processuais) da instrução do processo sancionatório, como também da área de pagamento. Na realidade muito se fala em segregação de funções como algo estranho e abstrato, mas, simplificando tais atribuições de formalização processual, operacionalização da licitação, gestão e fiscalização e pagamento, em tese seriam quatro servidores envolvidos na realização das atividades. Mas essa é outra etapa a se investigar.
No momento, a preocupação é definir o que será objeto de acompanhamento e fiscalização. A IN nº 5/2017 dispõe, no item 2.6,[18] as diretrizes para a construção de um “modelo de gestão do contrato e critérios de medição e pagamento”, contemplando, entre outras, as seguintes premissas:
(i) necessidade de definição dos responsáveis que irão realizar a gestão do contrato;
(ii) estabelecer a forma de comunicação com o prestador; delinear a metodologia de execução, se total ou gradual;
(iii) realizar a medição da execução conforme o previsto (quantidade, qualidade, desempenho, criticidade, resultados esperados, indicadores de desempenho, etc.);
(iv) estabelecer regras de aceitação e aplicação das sanções, garantias, manutenção das condições habilitatórias, entre outras.
No texto da Lei nº 14.133/2021 observa-se uma novidade bastante interessante: a nova Lei institui um sistema de registro cadastral[19] unificado, público, que deve ser amplamente divulgado e permanentemente aberto aos interessados. Esse cadastro reunirá as informações dos fornecedores, permitindo inclusive a contratação restrita desses (procedimento muito similar à Tomada de Preços da Lei nº 8.666/93), os quais, uma vez cadastrados, receberão um certificado.
Porém destaca-se a possível avaliação pelo contratante desse fornecedor contratado e cadastrado, em que será verificada a sua atuação e seu desempenho na execução do contrato.
Assim, sendo registrado o cumprimento das
obrigações pelo contratado, tais informações permitirão a implementação de medidas
de incentivo na licitação. Um novo modelo de gestão e fiscalização será importante
para que possa ser aferido o desempenho do contratado.
[1] BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Ver Art. 117. “A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 02 abr. 2021.
[2] Idem. Ver art. 8º, “§3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.”
[3] FURTADO, Madeline Rocha. Gestão de contratos de terceirização na Administração Pública: teoria e prática 7. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 362.
[4] Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018. Ver art. 11: “A gestão e a fiscalização de que trata o art. 10 competem ao gestor da execução dos contratos, auxiliado pela fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público usuário e, se necessário, poderá ter o auxílio de terceiro ou de empresa especializada, desde que justificada a necessidade de assistência especializada”. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/42013574/do1-2018-09-24-decreto-n-9-507-de-21-de-setembro-de-2018-42013422. Acesso em: 02 abr. 2021.
Muito bom o curso.