INTRODUÇÃO
O PL 1.292, de 1995, se aprovado e promulgada a Lei correspondente, estabelecerá as normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de revogar as vigentes leis que tratam do assunto para tais entes.
Seguindo uma profusão global, um dos temas de grande destaque no Projeto, e objeto do presente estudo, é o da sustentabilidade.
O PL estabeleceu como princípio que condiciona as contratações públicas, dentre outros, o do desenvolvimento nacional sustentável, além de firma-lo também como objetivo das licitações.
O tema da sustentabilidade merece uma investigação dos marcos históricos, que agregam seu fundamento, para posterior definição e identificação da evolução conceitual até sua inserção no PL, erigindo-a como objetivo e princípio para as contratações públicas. Esse será o propósito do presente e breve estudo.
1. BASES HISTÓRICAS DA SUSTENTABILIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
A revolução industrial inaugurou um desenvolvimento que se baseava no uso intensivo de combustíveis fósseis, como o carvão, despejo de lixo urbano e efluentes químicos nos rios e mares, poluição atmosférica e exploração excessiva dos recursos naturais, levando ao declínio de muitos deles, além da prática do imperialismo e colonialismo, para apropriação de riquezas.
Desde que o movimento ambientalista desabrochou nas décadas de 40 e 50 do século passado, o mundo passou a conhecer os malefícios causados ao meio ambiente pelo modelo desenvolvimentista emergente. O movimento tomou envergadura global na década de 60 com a obra “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson, que apontou o materialismo da ciência e os problemas relacionados ao uso de pesticidas na agricultura para a saúde humana e dos animais, no qual passou-se a questionar como estabelecer um desenvolvimento que não fosse tão predatório aos recursos naturais a ponto de inviabilizar o atendimento das necessidades de gerações presentes e futuras.
O que se observou em muitos países foi um crescimento econômico que não foi acompanhado pelo desenvolvimento social. Outrossim, a exploração dos recursos naturais para fazer frente aos avanços da indústria e aumento nas relações comerciais tornou-se predatória e os sistemas naturais começaram a colapsar.
Muitas nações passaram a dialogar para instaurar modelos de desenvolvimento que pudessem atender às necessidades das gerações presentes sem, contudo, prejudicar a satisfação das necessidades das gerações futuras. Esse foi o conceito apresentado pela ONU para o desenvolvimento sustentável na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia, em 1972.
A sustentabilidade passou a ter presença em agendas políticas e a comunidade internacional organizou grandes eventos globais para discutir a questão ambiental e elaborar documentos que estabelecessem os princípios da sustentabilidade e as ações para empreende-los.
Dá-se destaque, nesse plano, à iniciativa da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que elaborou em 1987 o Relatório Brudtland, intitulado “Nosso Futuro Comum”, que apontou para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo até então vigentes.
Na sequência a ONU realizou na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92, que estabeleceu os princípios do desenvolvimento sustentável e um programa de ações para alcança-lo. Foram produzidos importantes documentos oficiais, como a Carta da Terra e a Agenda 21, e realizadas três convenções para tratar de temas específicos como biodiversidade, mudanças climáticas e desertificação.
Através da Agenda 21 muitas nações se comprometeram a estabelecer e manter diálogo construtivo para alcançar uma economia mundial mais eficiente e equitativa e viabilizar um padrão de desenvolvimento ambientalmente racional. Sua implementação e o comprometimento com os princípios estabelecidos na ECO-92 foram reafirmados em Joanesburgo, em 2002, durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. O Plano de Implementação de Joanesburgo em seu parágrafo 18 estabelece o incentivo às autoridades competentes para levar em consideração as questões do desenvolvimento sustentável nas tomadas de decisão, incluindo medidas como a promoção de políticas de aquisição pública que fomentem o desenvolvimento e a difusão de bens e serviços ambientalmente racionais[1].
Nessa mesma Cúpula foi proposta a elaboração de um conjunto de programas com duração de 10 anos (10 Years Framework Program) para apoiar e fortalecer iniciativas regionais e nacionais para promoção de mudanças nos padrões de consumo e produção.
Referidos programas foram estabelecidos no Processo de Marrakesh, em 2003, e criados 7 Grupos de Trabalho (Task Forces), cuja adesão era voluntária, para apoiar a implementação de programas e projetos-piloto para o conceito de Produção e Consumo Sustentáveis (PCS)[2]. Dentre essas forças de trabalho dá-se destaque a de Compras Públicas Sustentáveis, lançada pelo governo da Suíça, em 2005. Vários países se propuseram a aderir a essa força-trabalho, que tinha como objetivo promover e apoiar a implementação de compras públicas sustentáveis (CPS). Os principais resultados se materializaram no desenvolvimento de uma abordagem em CPS, treinamentos e orientações, implementação e conscientização. Entre os anos 2009 e 2012 a abordagem foi testada em 11 países-piloto.
Camila Moraes Baceti et.al. assim relata sobre o resultado da Abordagem MTF para CPS:
De acordo com a abordagem da Força-tarefa, os requisitos ambientais e socioeconômicos podem ser considerados em todas as etapas do processo licitatório, podendo, entretanto, ser mais facilmente introduzidos nas etapas iniciais como no caso da definição do objeto do contrato. As especificações técnicas também podem incorporar critérios de sustentabilidade, desde que não haja discriminação contra alguns licitantes. Além disso, considerações ambientais podem ser em pregadas como critério de seleção, porém unicamente se a experiência na área ambiental for essencial ao cumprimento do contrato. As leis e regulamentos que disciplinam as licitações públicas podem prever critérios de exclusão do certame, por exemplo, no caso de uma empresa ter repetidamente violado as normas de proteção ao meio ambiente. Na etapa de adjudicação, se for permitido pela legislação, além do preço, poderão ser considerados outros critérios para a adjudicação Há, ainda, a possibilidade de as autoridades licitantes incluírem metas mais rígidas, cujo atendimento acarretará um bônus para o contratado.[3]
Nesse aspecto, YAKER et al. delinearam como resultados obtidos pela implementação de CPS por meio da abordagem acima:
Redução específica das emissões de CO2, tanto em função das metas globais quanto das metas locais; redução de custos, principalmente por meio do reconhecimento dos benefícios e custos não tangíveis; boa governança; criação de empregos; empoderamento das minorias; criação de riquezas e de transferência de competências e tecnologia[4].
Mas a principal conclusão extraída dessa experiência, além do desenvolvimento da metodologia em CPS, foi o reconhecimento de que “boas compras são compras sustentáveis”[5].
Por fim, ainda cabe citar a Conferência realizada pela ONU em Nova York, no ano de 2015, na qual foram estabelecidos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), para que os países-membros possam, numa agenda global cunhada para até o ano 2030, “acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas.”[6]
Dentre os ODS dá-se destaque ao 12.7 que estabelece a promoção de compras públicas sustentáveis, de acordo com as políticas e prioridades nacionais.
Nesse contexto de agendas globais, no Brasil as compras públicas sustentáveis foram erigidas a status legal pela Lei 12.349, de 2010, que incorporou um novo objetivo às licitações, alterando a Lei 8.666/93. Além da isonomia e da proposta mais vantajosa, as contratações públicas devem promover o desenvolvimento nacional sustentável[7].
Essa lei foi responsável pela inserção das licitações sustentáveis no bojo do planejamento das contratações públicas. Legislações posteriores seguiram a mesma concepção, a exemplo da Lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações, Lei n° 12.462/2011; e, da Lei das Estatais, Lei n° 13.303/16, que define a proposta mais vantajosa sob a avaliação do ciclo de vida do objeto[8]. Por fim, o Decreto 10.024/19, que regulamenta a modalidade pregão em sua forma eletrônica, na Administração Pública Federal, acrescentou a dimensão cultural à sustentabilidade.
2. DEFINIÇÃO E DIMENSÕES DA SUSTENTABILIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
Desde a concepção do termo, a sustentabilidade está embasada em multidimensões, inicialmente trabalhando com três aspectos: ambientais, sociais e econômicos. Decorre daí a atribuição da expressão triple bottom line (interpretada como “tripé da sustentabilidade”). Outras dimensões foram sendo agregadas ao conceito, mas sem consenso entre autores. A abrangência das dimensões igualmente não apresenta delimitação clara.
Para a compreensão da sustentabilidade em sua dimensão ambiental deve ser incluída a manutenção das funções e componentes dos ecossistemas, a qualidade e equilíbrio dos recursos ambientais, o respeito à biodiversidade e a manutenção aos ciclos naturais. A sustentabilidade econômica abrange as práticas econômicas, financeiras e administrativas que orientam o desenvolvimento econômico, como a capacidade de produção, distribuição e utilização equitativa das riquezas produzidas pelo homem, avaliação de custos e benefícios e economicidade com planejamento a longo prazo, subordinando a eficiência à eficácia. Por fim, quanto à sustentabilidade social, essa dimensão eleva o equilíbrio social, com redução do nível de pobreza, promovendo o bem-estar social, os direitos fundamentais sociais, a inclusão e responsabilidade social, o empoderamento e inclusão de minorias, o incremento da equidade intra e intergeracional e a aptidão para desenvolvimento das potencialidades humanas.
Nesse escopo, pode-se afirmar que a sustentabilidade nas contratações públicas busca satisfazer as necessidades do ente promotor da contratação, com isonomia e visando a proposta mais vantajosa ao interesse público e alcançar um equilíbrio entre os pilares da sustentabilidade, gerando, de forma direta ou indireta, benefícios à coletividade e minimizando impactos ao meio ambiente.
Ainda que a sustentabilidade tenha alicerce constitucional[9], sendo princípio aplicável em diversas searas, a partir de 2010 os gestores públicos devem conferir prioridade a políticas públicas que visem garantir o atendimento às necessidades e bem-estar das presentes gerações, sem impedir a aferição desses mesmos benefícios às gerações futuras.
Nas palavras de Juarez Freitas, sob o manto da sustentabilidade “a proposta mais vantajosa será sempre aquela que, entre outros aspectos a serem contemplados, apresentar-se a mais apta a causar, direta ou indiretamente, o menor impacto negativo e, simultaneamente, os maiores benefícios econômicos, sociais e ambientais”[10].
Sobre os pilares da sustentabilidade nas contratações públicas, Marçal Justen Filho[11] aponta dois aspectos que envolvem a questão:
– A dimensão econômico-social – O fomento às atividades no Brasil
Sob esse aspecto, o contrato administrativo é concebido como instrumento para fomentar atividades materiais realizadas no Brasil, como o desenvolvimento de ideias, no âmbito do conhecimento, da ciência e da tecnologia.
Isso significa, em última análise, assegurar um tratamento preferencial às empresas estabelecidas no Brasil. Haverá preferência pela contratação de empresas aptas a assegurar empregos, a pagar tributos e a manter a riqueza nacional do País.
– A dimensão ecológica – Adoção de práticas ambientalmente corretas
A outra dimensão normativa, segundo o autor, envolve a adoção de soluções ambientalmente corretas. A contratação administrativa deve buscar práticas amigáveis ao meio ambiente, reduzindo ao mínimo possível os danos ou o uso inadequado dos recursos naturais.
Há benefícios importantes e tangíveis para a realização de contratações públicas sustentáveis. Pode-se citar a melhoria da performance ambiental do país, com a redução de emissões de CO², destinação adequada de resíduos e disposição final dos rejeitos de forma ambientalmente correta; aquisição de produtos que não causam ou causam poucos impactos ambientais; redução de custos a médio e longo prazo, com contratação de produtos e serviços mais eficientes, inclusive do ponto de vista energético; criação de empregos, desenvolvimento da economia local, criação e distribuição de riqueza; maior diálogo com o mercado; estímulo a concorrência, com a criação de soluções tecnológicas, inovadoras e sustentáveis; além de estimular novos comportamentos socioambientais na sociedade[12].
A Administração é um importante consumidor de produtos e serviços, movimentando a economia em face das contratações que realiza. Estima-se que as contratações públicas movimentem cifras equivalentes a aproximadamente 12% do Produto Interno Bruto. Esse percentual expressivo é suficiente para a dedução de que as necessidades estatais modelam o setor privado e o Estado pode, com o desempenho de uma função indutora da sustentabilidade, implementar políticas públicas socioambientais por meio dessas contratações.
Mas há muitas barreiras ainda a serem transpostas. Dados do ano de 2019 apontam que, no âmbito da Administração Pública Federal, apenas 0,18% das contratações de bens e serviços se pautaram em critérios de sustentabilidade[13].
Essa expressiva baixa adesão pode ser explicada pela concepção de que as contratações sustentáveis são complexas e elevam os custos para a Administração.
Aponta-se também a falta de conhecimento e de informação sobre políticas ambientais e sociais bem como de critérios de sustentabilidade para incluí-los nas contratações, sendo que muitos desses critérios podem restringir a competitividade e se não houver fundamentação técnica pode vir a ser questionada por órgãos de controle.
A oferta no mercado para determinados produtos e metodologias é insuficiente; não há ferramentas práticas para determinação e avaliação de critérios sustentáveis; e, por fim, a cultura organizacional, pautada no materialismo imediatista, também podem ser empecilhos para a realização de contratações sustentáveis.
Sobre essa última questão apontada, a cultura organizacional, Juarez Freitas discorre que “os critérios estratégicos da sustentabilidade, no processo de tomada da decisão administrativa, requerem o maior distanciamento temporal e a capacidade de prospecção de longo prazo, com o abandono resoluto da visão reducionista dominante, segundo a qual o sistema jurídico cuidaria apenas do imediato e da obtenção do “preço míope”.[14]
3. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO OBJETIVO E PRINCÍPIO NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
A Lei 8.666/93, conforme outrora pontuado, foi alterada pela Lei 12.249/10 que incluiu como objetivo das licitações públicas a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
A Lei do Pregão, Lei 10.520/02, não sofreu alteração, mas conforme dispõe o artigo 9° dessa lei “aplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.” Associando as normas legais resulta que o desenvolvimento nacional sustentável também é objetivo para as contratações realizadas na modalidade pregão, aplicando-se subsidiariamente o mandamento da Lei n° 8.666/93.
A Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, Lei 12.462/2011, estabeleceu o desenvolvimento nacional sustentável como princípio no seu artigo 3°.
O projeto da nova lei de licitações, que revogará integral ou parcialmente os normativos acima, agregou a sustentabilidade a ser aplicada pelos órgãos e entidades integrantes da administração pública direta, autárquica e fundacional, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em suas licitações e contratações, cabendo aos mesmos, agora, incluir em seu planejamento de contratações critérios estratégicos da sustentabilidade para atender aos clamores globais por uma sociedade mais justa, equitativa e que respeite o meio ambiente.
Para materializar tal mister, o Projeto de Lei 1.292/95 erigiu o desenvolvimento sustentável a princípio e objetivo das contratações públicas, como se observa dos artigos abaixo destacados:
Art. 5° Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942.
…
Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:
I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a justa competição;
III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
IV – incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
(grifou-se)
Decorre do Projeto, portanto, que o desenvolvimento nacional sustentável deve ser aplicado como princípio e objetivo das contratações públicas.
Diante desse panorama também cabe questionar: será possível traçar uma diferença entre objetivo e princípio ou consideram-se expressões sinônimas e podem ser tratadas da mesma forma?
Na Lei 8.666/93 o legislador definiu que a promoção do desenvolvimento nacional sustentável constitui finalidade da contratação pública, incorporando à proposta mais vantajosa novos contornos consubstanciados na satisfação de políticas públicas sociais, econômicas e ambientais[15]. Portanto, a contratação passou a materializar um incentivo ao desenvolvimento nacional sustentável.
Por outro lado, esse mesmo desenvolvimento, erigido a princípio, se apresenta como alicerce e fundamenta todo o sistema normativo das contratações públicas, tomando o conceito dado por Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Criação de secretarias municipais. RDP 15/284-286, 1971)
Ao transformar a finalidade da contratação pública da promoção do desenvolvimento nacional sustentável em um princípio o legislador elevou a sustentabilidade à categoria de “norma jurídica de caráter geral e elevada carga valorativa”[16], apresentando, portanto, caráter vinculante, cogente ou obrigatório e consubstanciando-se na “mais elevada expressão do consenso social sobre os valores básicos a serem assegurados no Estado Democrático de Direito”[17].
Em outros termos, pode-se afirmar que houve uma evolução legislativa da aplicação do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações públicas, passando apenas de objetivo atrelado à vantajosidade da proposta e vinculado ao intervencionismo estatal de promoção de políticas públicas para também uma categoria principiológica, que apresenta contornos próprios aplicando-o em suas dimensões econômica, social e ambiental e criando autonomia normativa aplicável de forma ampla.
Seja objetivo, seja princípio, a interpretação legal é convergente para o mesmo escopo: uma contratação pública sustentável, promotora de políticas públicas econômicas e socioambientais que se compatibilizam em prol do interesse coletivo e de valores consagrados constitucional e globalmente.
CONCLUSÃO
A expressão desenvolvimento sustentável tem sua embriogênese estabelecida a partir da percepção de que o modelo de crescimento econômico cunhado em muitas nações não foi acompanhado pelo desenvolvimento social, além de materializar a exploração dos recursos naturais de forma predatória, dando início ao colapso dos sistemas naturais.
Considerando o poder de compra estatal, após muitas agendas ambientais globais, foram cunhadas metodologias que proporcionassem a inserção da sustentabilidade nas contratações públicas, permitindo que atualmente sejam moldadas visando não apenas à satisfação das necessidades materiais de bens, serviços ou obras dos órgãos ou entidades da Administração Pública contratante, mas prosperam em desempenhar uma função extraordinária, socioambiental, pretendendo satisfazer as necessidades de futuras gerações, materializando o conceito do desenvolvimento sustentável.
O Projeto de Lei 1.292/95 seguiu a legítima e global tendência de amoldar as práticas administrativas aos novos paradigmas da sustentabilidade em suas multidimensões e criar no núcleo da administração pública uma cultura de integridade sustentável nas suas contratações, estabelecendo as contratações sustentáveis como objetivo e princípio a serem incorporados nos processos administrativos de aquisições e contratações de serviços e obras.
A pretensão desse breve estudo não permite maior aprofundamento na dogmática jurídica, mas vale a nota quanto ao relato histórico da sustentabilidade até o incremento da finalidade e da categoria principiológica da promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações públicas.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, Lei n° 12.462, de 4 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, dentre outras disposições. Diário Oficial da União. Brasília, DF, de 5.8.2011 – Edição extra e retificada em 10.8.2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12462.htm, acesso em: 04.mar.2020.
BRASIL, Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, de 22.6.1993, republicado em 6.7.1994 e retificado em 6.7.1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm, acesso em: 04.mar.2020.
BRASIL, Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 1º.07.2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm, acesso em: 20 dez. 2019.
FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: Licitações e a Redefinição da Proposta Mais Vantajosa. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL Nº 38│p. 74- 94│JUL-DEZ 2012.
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JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 18.ed, RT, 2019.
______. Desenvolvimento nacional sustentado – contratações administrativas e o regime introduzido pela lei nº 12.349/101. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 50, abril 2011. Disponível em: http://www.justen.com.br//informativo. php?informativo=50&artigo=528, acesso em 15 de março de 2018.
NOHARA, Irene Patricia. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Atlas, 2016
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Task Force on Sustainable Public Procurement led by Switzerland. Activity
Report, May, 2011. Disponível em: http://www.unep.fr/scp/procurement/docsres/projectinfo/
MTFonSPPReportCSD19FINAL.pdf, acesso em 25.abr.2019.
YAKER,
Farid, et.al. O trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na
promoção das Compras Públicas Sustentáveis. InPanorama de licitações sustentáveis:
direito e gestão pública. Coord. VILLAC, Teresa; BLIANCHERIS, Marcos Weiss;
SOUZA, Lilian Castro de. Belo Horizonte: Fórum
[1] Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/
[2] Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/plano-nacional/processo-de-marrakesh
[3] BACETI, Camila Moraes, ENMANUEL Carlos-Andrés, YAKER, Farid. O Trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na promoção das Compras Públicas Sustentáveis. In VILLAC, Teresa, BLIACHERIS, Marcos Weiss, SOUZA, Lilian Castro de. Panorama de Licitações Sustentáveis: direito e gestão pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 35.
[4] YAKER, Farid, et.al. O trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na promoção das Compras Públicas Sustentáveis. In Panorama de licitações sustentáveis: direito e gestão pública. Coord. VILLAC, Teresa; BLIANCHERIS, Marcos Weiss; SOUZA, Lilian Castro de. Belo Horizonte: Fórum 2014, p. 43.
[5] UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME – UNEP. Marrakech Task Force on Sustainable Public Procurement led by Switzerland. Activity Report, May, 2011.
[6] Disponível no site https://nacoesunidas.org/pos2015/, acesso em 04/03/2020.
[7] Conforme preceitua a Lei 8.666/93, com a redação dada pela Lei 12.349/10: “Art. 3° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.” (grifou-se)
[8] Além de inúmeras referências quanto à sustentabilidade nas contratações das empresas estatais no corpo da lei.
[9] É o que facilmente se conclui de uma interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal, dos artigos 3°, inciso II; 170, incisos VI e seguintes; e, 225. Tal concepção, em sua vertente ambiental, foi referendada pelo STF Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn 3.540 MC/DF: “O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia […]”.
[10] FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: Licitações e a Redefinição da Proposta Mais Vantajosa. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL Nº 38│p. 74- 94│JUL-DEZ 2012. p. 78
[11] FILHO, Marçal Justen. Desenvolvimento nacional sustentado – contratações administrativas e o regime introduzido pela lei nº 12.349/101. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 50, abril 2011. Disponível em: http://www.justen.com.br//informativo. php?informativo=50&artigo=528, acesso em 15 de março de 2018.
[12] Como concluiu o Marrakech Process do United Nation Environment Programme (UNEP). Disponível em: http://www.unep.fr/scp/marrakech/about.htm, acesso em 12 de junho de 2018.
[13] Fonte: Ministério do Planejamento – órgãos integrantes do SIASG, disponível em http://paineldecompras.planejamento.gov.br.
[14] FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: Licitações e a Redefinição da Proposta Mais Vantajosa. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL, Nº 38│p. 74- 94│JUL-DEZ 2012. p. 87.
[15] Na opinião de Marçal Justen Filho o artigo 3° da Lei 8.666/93 se relaciona especialmente com as dimensões econômicas e ambientais. (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 18.ed, RT, 2019, p. 97)
[16] NOHARA, Irene Patricia. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Atlas, 2016, p. 32.
[17] Idem.