João Domingues
1. INTRODUÇÃO
Este artigo se atém, exclusivamente, ao exame da utilização de dispensa de licitação pública nas contratações por meio de registro de preços, hipótese ordenada pela Medida Provisória (MPV) 951, de 15.04.2020, a qual altera a Lei 13.979, de 06.02.2020, e à avaliação de alguns aspectos jurídicos envolvidos na sua implementação pelos municípios como medida para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus (COVID-19).
Sabe-se que o Sistema de Registro de Preços (SRP) confere a possibilidade de a Administração, a partir da formalização de Ata de Registro de Preços (ARP)[1], adquirir bens ou contratar a prestação de serviços ao longo do período de doze meses, conforme a sua necessidade.
Importante destacar que a existência de preços registrados não obriga a Administração a contratar[2]. No entanto, a celebração da ARP vincula o fornecedor ou o prestador de serviços, os quais somente serão liberados do compromisso assumido, sem aplicação de penalidade, em hipóteses restritas.
O SRP encontra fundamento legal nas Leis 8.666, de 21.06.1993[3]; 10.520, de 17.07.2002[4]; 12.462, de 04.08.2011[5]; e 13.303, de 30.06.2016[6].
As Leis 8.666/1993 e 10.520/2002 instituem a concorrência e o pregão, inclusive em sua forma eletrônica, como modalidades licitatórias outorgadas para realizar contratações por meio do registro de preços. Logo, a nova MPV 951 inaugura a hipótese de celebração de ARP por meio da dispensa de licitação[7], contudo, circunscreve a sua aplicação ao pressuposto de a compra ou a contratação serem realizadas por mais de um órgão ou entidade.
Tal Medida Provisória antecipou, ainda que de forma precária e vez que a vigência da Lei 13.979/2020[8] está adstrita ao estado de emergência de saúde internacional decorrente da COVID-19, a previsão contida na redação final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei 1.292-F, de 1995, de a Administração valer-se das hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade por registro de preços[9].
Por outro lado, a Lei de Licitações não exaure o tratamento normativo da matéria. Ao contrário, leva o legislador a remeter-se expressamente ao decreto e à regulamentação do SRP, atentando para a necessidade de se considerar as peculiaridades regionais.
Hodiernamente, o SRP é normatizado, no âmbito federal, pelo Decreto 7.892, de 23.01.2013, estabelecendo, dentre outras, as hipóteses de adoção do registro de preços; a instituição da Intenção do Registro de Preços (IRP); as competências dos órgãos gerenciador e participante; o prazo de validade da ARP; a revisão e o cancelamento dos preços registrados; e a utilização por órgãos ou entidades não participantes (carona).
A diferença entre órgãos participantes e carona é que este último, embora não tenha participado dos procedimentos iniciais da licitação, pode, desde que atendidos os requisitos eleitos pelo decreto regulamentador, valer-se do objeto registrado em ata para atendimento de suas necessidades, enquanto o participante integra os procedimentos iniciais do SRP e a respectiva ARP.
A licitação para registro de preços anuncia inúmeras vantagens, a saber: (i) redução do número de licitações; (ii) celeridade nas aquisições/contratações; (iii) aquisição/contratação conforme a necessidade; (iv) redução de custos com armazenagem; (v) redução do volume de estoques e do respectivo desperdício de material; e (vi) ausência de indicação de recursos orçamentários.
Cabe frisar que a Lei 8.666/1993, ao enfrentar a temática das compras que serão levadas a efeito no âmbito da Administração Pública, orienta que se dê preferência às contratações processadas por meio de SRP[10], o que se alinha com o almejado planejamento das contratações públicas, tendo em vista que as aquisições serão processadas conforme as necessidades do órgão ou entidade.
O procedimento para implementação do registro de preços se diferencia dos demais que não se propõem a esta finalidade porque as propostas comerciais terão valores unitários e, ao final, no lugar do contrato, é formalizada a ARP, não obrigando a Administração a realizar, na íntegra ou em parte do quantitativo registrado, as contratações que dela poderão advir, conforme dito anteriormente. É como se ficasse à disposição da Administração Pública um arquivo de preços e, de acordo com a sua necessidade, emite-se, durante a vigência da ARP, o empenho visando às aquisições e contratações.
2. PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES NO SRP
A utilização do SRP de necessita de planejamento adequado das estimativas dos quantitativos com vistas ao atendimento da demanda do órgão gerenciador e dos órgãos participantes, bem como de justificativa fundamentada.
Além das exigências constantes da legislação vigente[11], a jurisprudência do TCU[12], recorrentemente, vem alertando para a necessidade de planejamento das contratações, no qual a estimativa das quantidades deve ser baseada em estudos técnicos preliminares, inclusive na Intenção do Registro de Preços.
Por outro lado, quanto aos estudos técnicos preliminares, importante destacar que a Instrução Normativa Seges 05, de 25.05.2017, a qual regulamenta as contratações de serviços por órgãos ou entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional para a realização de tarefas executivas sob o regime de execução indireta , estabelece que caberá ao órgão gerenciador a produção do documento que contemple o dimensionamento da sua necessidade, bem como que deverá ser elaborado estudo preliminar para formação da ata, consolidando a demanda de todos os participantes desse procedimento[13].
É sabido que a quantidade estimada do item, bem como que a presença detalhada de outros elementos característicos do planejamento da contratação pode interferir na qualidade e no preço da contratação.
Nesse sentido, recomenda-se[14] a fixação, não apenas da quantidade máxima a ser licitada, como também que sejam estabelecidos lotes mínimos, de maneira que as aquisições contemplem ganhos aos cofres públicos, decorrentes da economia de escala.
3. OBJETIVO DA MPV 951
A MPV 951 promoveu alterações na Lei 13.979/2020 com o desiderato de aprimorar as contratações públicas com foco na celeridade e na racionalização das necessidades para o enfrentamento da situação de emergência em saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19[15].
Não obstante as orientações constantes quanto à necessária elaboração dos estudos preliminares, talvez tal pressuposto possa não ser desenvolvido nas compras realizadas por SRP com fulcro na MPV 951.
A aplicação do SRP nas contratações voltadas ao enfrentamento da pandemia visa potencializar os resultados, especialmente se considerarmos as incertezas nos quantitativos a serem demandados e o momento de suas respectivas requisições ao fornecedor pela Administração, sem esquecer a possibilidade de atendimento simultâneo a diversos órgãos e entidades, diversamente do que possibilitaria a realização de licitação tradicional, que se restringe aos quantitativos e aos prazos de fornecimento contratados.
Em relação às normas sobre compras públicas, a MPV assim dispõe:
Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.
[…]
§ 4º Na hipótese de dispensa de licitação de que trata o caput, quando se tratar de compra ou contratação por mais de um órgão ou entidade, o sistema de registro de preços, de que trata o inciso II do caput do art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, poderá ser utilizado.
§ 5º Na hipótese de inexistência de regulamento específico, o ente federativo poderá aplicar o regulamento federal sobre registro de preços.
§ 6º O órgão ou entidade gerenciador da compra estabelecerá prazo, contado da data de divulgação da intenção de registro de preço, entre dois e quatro dias úteis, para que outros órgãos e entidades manifestem interesse em participar do sistema de registro de preços nos termos do disposto no § 4º e no § 5º.”
Art. 4º-G Nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade.
[…]
§ 4º As licitações de que trata o caput realizadas por meio de sistema de registro de preços serão consideradas compras nacionais, nos termos do disposto no regulamento federal, observado o prazo estabelecido no § 6º do art. 4º.
Portanto, a MPV 951 acrescenta ao ordenamento jurídico pátrio (i) hipótese de contração mediante registro de preços a partir de dispensa de licitação; (ii) aplicação do Decreto 7.892/2013 nas contratações regidas pela Lei 13.979/2020 por todos os entes federativos; (iii) redução dos prazos para IRP; e (iv) equiparação automática às compras nacionais das licitações na modalidade de pregão eletrônico ou presencial fundadas no art. 4º-G da Lei 13.979/2020.
Em que pese o regulamento federal[16] instituir que o prazo de validade da ARP não será superior a doze meses, não podemos perder de vista que a Lei 13.979/2020[17] possui vigência atrelada à declaração da condição de emergência em saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19, ou seja, em havendo a cessação da situação de emergência em saúde pública, as ARP em vigor deverão ser canceladas, conforme interpretação extraída do art. 8º na norma em comento.
Entretanto, a limitação temporal anterior não se aplica aos contratos firmados com embasamento nas ARP, vez que a vigência contratual não se entrelaça à vigência estabelecida ao registro de preços, tendo em vista terem prazos de duração próprio, dissociado da ARP.
Acresce-se que o impedimento à continuidade dos contratos em vigor à época da cessação da condição de emergência poderia suscitar enormes prejuízos nas ações em execução no combate à pandemia e na preservação à vida, objetivos delineados pelos diversos normativos, legais e infralegais, editados com fulcro na declaração do estado de calamidade pública pelo Decreto Legislativo 6, de 20.03.2020[18].
4. APLICAÇÃO DA MPV 951 PELOS MUNICÍPIOS
Neste tópico faz-se necessário avaliarmos a aplicação e os impactos trazidos pelas diretrizes da MPV 951 às contratações voltadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da COVID-19 pelos entes municipais.
Em âmbito federal, o registro de preços encontra-se regulamentado pelo Decreto 7.892/2013, normativo que, aqui, será usado como referência em consonância com a orientação da MPV 951, a qual prevê, no art. 4º, § 5°, que na hipótese de inexistência de regulamento específico, o ente federativo poderá aplicar o regulamento federal sobre o registro de preços.
Convêm frisar, por oportuno, que a solução encontrada pela MPV 951 para atender a situação pandêmica tem gerado várias controvérsias direcionadas, basicamente, à nova modelagem de implementação do registro de preços por meio da dispensa de licitação pelos municípios.
De acordo com o art. 4º, § 4º, do normativo multicitado, a faculdade de realização da contratação direta para registro de preços poderá ocorrer quando se tratar de compra ou contratação por mais de um órgão ou entidade. Contudo, o órgão ou entidade responsável pelo gerenciamento do registro de preços deverá estabelecer um prazo, entre dois e quatro dias úteis contados a partir da data de divulgação da intenção de registro de preço, para que outros órgãos e entidades possam manifestar interesse em participar do SRP.
A Intenção de Registro de Preços é agregar previamente a demanda dos órgãos que tenham interesse em integrar o certame desde sua deflagração. Trata-se, em verdade, do chamado órgão participante que manifesta seu interesse prematuro de participar da licitação e encaminha para o órgão gerenciador a sua estimativa de consumo, o local de entrega e, quando oportuno, o cronograma de contratação e respectivas especificações ou termo de referência ou projeto básico.
A vantagem do compartilhamento das demandas de todos os interessados se baseia no chamado ganho da economia de escala, com o qual se obtém resultados mais competitivos quanto aos custos dos produtos e serviços, sem olvidar a redução do número de licitações e, consequentemente, de todos os custos que envolvem a operacionalização dos seus procedimentos, resultando em celeridade, desburocratização e redução do rito administrativo aquisitivo.
Ressalta-se, porém, que, para agrupar os interessados e operacionalizar as compras nesse novo formato, a MPV estabelece um prazo mais exíguo do que o habitual (reduzindo de oito para o período de dois a quatro dias úteis) para manifestação do interesse dos entes públicos.
Além disso, a manifestação de interesse está condicionada à disponibilização de informações técnicas (especificações em termo de referência ou projeto básico) e quantitativas que demandam organização administrativa e domínio técnico dos servidores responsáveis pelas aquisições nos órgãos ou entidades do ente federativo municipal.
Essas medidas, por si mesmas, já inviabilizam a implantação do registro nos municípios por meio da dispensa. Acresça-se, o fato agravante nesse processo que é a ausência, quase sempre, de uma cultura do exercício do planejamento nas compras públicas municipais e carência de habilidades técnicas dos servidores públicos municipais para realização adequada dos procedimentos licitatórios, características essas compulsórias para que se promovam aquisições mais céleres e sem perda da efetividade nos novos moldes da MP.
Essa lacuna é constatada na maioria dos municípios brasileiros, em especial aqueles com menos de 30.000 habitantes, nos quais são observadas falhas do suporte documental e no rito processual praticados em condições regulares.
Pode-se inferir, por conseguinte, que a redação trazida pela MPV 951 visando aglutinar interessados no SRP unificado deve alcançar, na prática, órgãos e entidades das esferas federal, estadual e, no tocante ao âmbito municipal, somente aqueles que apresentem domínio técnico das melhores práticas aplicadas às compras públicas.
Além disso, considerando a previsão da figura do órgão gerenciador definida no art. 2º, III, do Decreto 7.892/2013, que tem por atribuições a condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e o gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente, pergunta-se: qual município terá condições de assumir este trabalho hercúleo em momento de crise pandêmica, o qual demanda atendimento imediato da situação?
A maioria dos municípios estão voltados a dar respostas para as demandas emergenciais que veem surgindo no dia a dia e não conseguem assumir outra responsabilidade que demandaria remanejamento de esforços que não possuem.
Assim, percebe-se que somente aqueles órgãos ou entidades que apresentam estrutura administrativa com domínio técnico e operacional em procedimentos licitatórios serão capazes de assumir tal responsabilidade, na intenção de contribuir para a eficiência da Administração ao promoverem compras públicas com custos reduzidos e maior alcance de beneficiários governamentais diversos.
Para esse alcance há, naturalmente, uma sobreposição de interesses da esfera federal sobre a estadual e municipal, bem como da estadual sobre a municipal, o que deverá representar, na prática, a assunção da responsabilidade do órgão gerenciador às esferas de maior estrutura administrativa, haja vista que as resultantes de suas ações governamentais ecoam nos entes federativos menos estruturados.
Para estes entes (federal e estadual) é possível prever com maior assertividade quantitativos mais ajustados à realidade de itens relacionados às demandas daqueles que podem se beneficiar com o registro de preços promovido, uma vez que executam, cotidianamente, políticas públicas com maior nível de acompanhamento e de avaliação de resultados.
Entretanto, quando se projeta a função de órgão gerenciador do processo sendo exercida por um município, observam-se dificuldades deste ente em quantificar o volume de itens para possível aquisição no período de doze meses, tanto para si como para outros entes parceiros.
Isto se deve ao fato de não ser sua prática promover compras para beneficiários distintos da sua estrutura organizacional, considerando ainda que até em seu próprio processo de compras há grandes distorções entre a previsão da demanda e a necessidade real, fruto da inabilidade do agente local responsável pelo planejamento. É de se esperar, portanto, que os municípios atuem nos processos de contratação por registro de preços como órgãos participantes e não participantes e, em menor escala, como órgãos gerenciadores do SRP.
5. PRAZO DE VIGÊNCIA DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS
A Lei 13.979/2020 não institui contornos para vigência da ARP, o que em primeira análise, alvitra adotar o lapso temporal da validade do registro de preços deve ser buscado nos dispositivos delineados pela Lei de Licitações[19] e pelo Decreto 7.892/2013[20]. Contudo, a Lei 13.979/2020 condiciona a vigência da ARP à declaração de emergência em saúde pública decorrente da COVID-19, o que, por um lado, impacta as aquisições e a execução do planejamento das contratações voltadas ao combate do coronavírus.
Por outro giro, considerando o cenário turvo e o horizonte incerto da pandemia, é possível que tenhamos atas de até doze meses, o que não se apresenta como a melhor opção para a utilização do SRP, sendo que este não se amolda a ambiente de oscilações frequentes de preços, mas, sim, a mercados com estabilidade econômica, evitando modificações de forma substancial nos preços dos bens ou produtos que resultaria na inviabilidade financeira para adimplemento do compromisso em entregar o objeto da ARP pelo fornecedor[21] e, consequentemente, o não atendimento da demanda pública no combate ao COVID-19.
Ocorre que, na situação adversa constatada pela emergência de saúde pública de importância internacional e que balizou a edição da MPV 951 no cenário nacional, já se apresentam desajustes entre oferta e demanda por bens e serviços necessários para o combate à pandemia, o que, por consequência, já vem inflacionando enormemente os valores praticados no mercado.
Considerando, ainda, que o regulamento federal, normativo anunciado como referência[22], não prevê a possibilidade de revisão de valores quando estes se tornarem superiores ao preço praticado no mercado, notadamente, restam apenas duas saídas aos órgãos públicos: liberar o fornecedor titular da ata de registro de preços ou convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.
Fica, assim, esvaziada a dinâmica que poderia ser utilizada neste momento de volatilidade do mercado, ainda que não seja a melhor solução. À propósito, cumpre esclarecer que a alternativa oferecida pelo regulamento federal não é a mais indicada, pois se não lograr êxito na negociação promovida com os demais fornecedores, a ata será revogada, ocasionando a necessidade de novo certame licitatório e todos os custos do seu processamento, com consequente retardo na aquisição do objeto, bem como na possibilidade de elevação dos valores a serem contratados.
Em razão disso, o mais indicado, no caso de pesquisa mercadológica revelar que o valor pleiteado pelo titular da ARP se encontra superior, é fazer novo certame, sem, contudo, revogar a ata, já que, em igualdade de condições, permanece o valor registrado[23]. Vê-se, que, pautada nessa orientação, fica assegurada à Administração realizar a contratação a partir do menor preço, podendo este ser menor do que aquele obtido a partir da realização de nova licitação.
Percebe-se, neste contexto, que os municípios devem ter cuidado na edição do seu regulamento de registro de preços, levando em consideração a sua realidade e não promovendo uma simples reprodução de normativo, evitando, inclusive, endossar este entrave do decreto federal.
6. SRP E A COMPRA NACIONAL
Outra novidade trazida pela MPV 951[24] é que as licitações realizadas na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, para SRP serão consideradas compras nacionais, nos termos do disposto no regulamento federal.
De acordo com o artigo art. 2º, VI, do Decreto 7.892/2013, a compra nacional é definida como contratação de bens e serviços, na qual o órgão gerenciador conduz os procedimentos para registro de preços destinado à execução descentralizada de programa ou projeto federal, mediante prévia indicação da demanda pelos entes federados beneficiados.
A vantagem da compra nacional em relação ao registro de preços ordinário[25] reside na possibilidade prevista no regulamento federal de que a adesão poderá alcançar (i) individualmente, o percentual de cem por cento dos quantitativos registrados ao órgão gerenciador e para os órgãos participantes; e (ii) na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.
Destarte, não pairam dúvidas de que o enquadramento em compras nacionais se mostra alternativa valorosa e vantajosa prevista pela MPV 951, propiciando ao ente federal, visto apresentar maior domínio técnico e operacional (expertise), quando comparado com as esferas estadual e municipal, liderar/promover as aquisições necessárias de bens e serviços destinadas ao combate da pandemia, cabendo aos entes municipais atuarem na qualidade de órgãos participantes ou caronas e não como órgãos gerenciadores.
É o estado brasileiro se reinventando para fazer frente ao atual cenário adverso provocado pela pandemia, quando avança nas condições dadas aos entes federativos para que promovam compras públicas aglutinando interesses de órgãos e entidades de diversas esferas (federal, estadual e municipal), observando o princípio constitucional da eficiência respaldada na segurança e celeridade do processo aquisitivo.
Entretanto, cabe destacar para configurarem na condição de órgão não participante nas contratações ora destacadas, os municípios devem, primeiramente, consultar o normativo de regência de suas contratações para registro de preços e certificar-se de que não se encontra vedado a adesão à Ata de Registro de Preços gerenciada por outro ente da federação, bem como as recomendações exaradas do Tribunal de Contas a que estão submetidos.
7. CERTIFICAÇÃO DIGITAL
A Medida Provisória prevê, ainda, atribuição às Autoridades de Registro (AR) da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para identificar e cadastrar usuários, encaminhar solicitações de certificados às Autoridade Certificadora (AC) e manter registros de suas operações.
A identificação deve ser feita presencialmente, mediante comparecimento pessoal do usuário, ou por outra forma que garanta nível de segurança equivalente, observadas as normas técnicas da ICP-Brasil.
Considerando a época de pandemia, com isolamento social decretado em diversos municípios brasileiros, se torna difícil ou até inviável a emissão de certificação digital com a exigência da identificação presencial.
Entretanto, a própria Medida Provisória traz contornos à dificuldade de emissão do certificado digital neste cenário atípico de forma presencial, quando aceita outra forma de expedição da certificação, desde que garantido o nível de segurança equivalente e observada as normas técnicas da ICP-Brasil.
Nasce, por consequência, e em caráter exclusivo enquanto perdurar o estado atual de emergência de saúde pública, a Resolução nº 170, de 23 de abril de 2020, do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas, que estabelece os procedimentos a serem observados quando da primeira emissão de um certificado digital por meio de videoconferência, garantindo segurança e conformidade às normas técnicas da ICP-Brasil. De qualquer modo, essa medida, para realidade municipal, por ora, ainda é novidadeira e não está ao alcance de boa parte dos municípios.
8. CONCLUSÃO
Por fim, cabe destacar que a situação emergencial gerada pela pandemia do COVID-19 deixará lições importantes e valiosas, as quais merecem o investimento em mais tempo para reflexões sobre esse novo arranjo de contratação por meio da dispensa para registro de preços.
A alternativa proposta na MPV 951, pensada exclusivamente como nova modulagem de procedimento sem vínculo com o cenário pandêmico, apresenta-se positiva em função das inúmeras vantagens que o sistema oferece, principalmente, para os municípios de pequeno porte que fazem várias compras por meio da dispensa em função do valor e que poderiam entabular uma única contratação com prazo de doze meses.
Várias questões foram
apontadas neste texto e, sem a pretensão de apresentarem-se como verdades
absolutas, tão somente buscam provocar discussões mais aprofundadas e servir
como referência para uma possível mudança nos formatos licitatórios vigentes.
Enfim, esse debate
acerca da adoção dessa nova modelagem da dispensa para registro de preços,
considerando a situação pandêmica, poderá gerar frutos para um caminho de
mudanças longevas e positivas para as contratações públicas.
[1] Decreto 7.892, de 23.01.2013:
Art. 2º. Para os efeitos deste Decreto, são adotadas as seguintes definições:[…]
II – ata de registro de preços – documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas.
[2] Art. 16, Decreto 7.892, de 23.01.2013.
[3] Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: […]
II – serem processadas através de sistema de registro de preços.
[4] Art. 11. As compras e contratações de bens e serviços comuns, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando efetuadas pelo sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, poderão adotar a modalidade de pregão, conforme regulamento específico.
[5] Art. 29. São procedimentos auxiliares das licitações regidas pelo disposto nesta Lei: […]
III – sistema de registro de preços
[6] Art. 63. São procedimentos auxiliares das licitações regidas por esta Lei: […]
III – sistema de registro de preços.
[7] Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. […]
§ 4º Na hipótese de dispensa de licitação de que trata o caput, quando se tratar de compra ou contratação por mais de um órgão ou entidade, o sistema de registro de preços, de que trata o inciso II do caput do art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, poderá ser utilizado.
[8] Art. 8º Esta Lei vigorará enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, exceto quanto aos contratos de que trata o art. 4º-H, que obedecerão ao prazo de vigência neles estabelecidos.
[9] Art. 81. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: […]
§ 6º O sistema de registro de preços poderá, na forma de regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade.
[10] Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: […]
II – serem processadas através de sistema de registro de preços.
[11] Lei nº 8.666/1993; Decreto nº 7.892/2013; e Instrução Normativa SGD 01/2019; IN MPOG 05/2017; Decreto nº 10.024/2019.
[12] Acórdão TCU Plenário 757/2015, 3137/2014; 392/2011; 248/2017.
[13] Art. 24. […]
§ 5º Observado o § 2º deste artigo, nas contratações em que o órgão ou entidade for gerenciador de um Sistema de Registro de Preços (SRP), deve ser produzido um Estudo Preliminar específico para o órgão ou entidade com o conteúdo previsto nos incisos de I a XII, e outro para a formação da Ata contendo as informações dos incisos III, IV, V, VI, VII e VIII.
§ 6º Observado o § 2º deste artigo, nas contratações em que o órgão ou entidade for participante de um Sistema de Registro de Preços (SRP), a equipe de Planejamento da Contratação produzirá as informações dos incisos I, II, IV, IX, X, XI e XII, visto que as informações dos incisos III, V, VI, VII e VIII, considerando a totalidade da ata, serão produzidas pelo órgão gerenciador.
[14] Acórdão TCU 4.411/2010 – 2ª Câmara
[15] Parecer nº 00008/2020/CNMLC/CGU/AGU.
[16] Art. 12. O prazo de validade da ata de registro de preços não será superior a doze meses, incluídas eventuais prorrogações, conforme o inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666, de 1993.
[17] Art. 8º Esta Lei vigorará enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, exceto quanto aos contratos de que trata o art. 4º-H, que obedecerão ao prazo de vigência neles estabelecidos.
[18] Art. 1º Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.
[19] Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: […]
§ 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições: […] III – validade do registro não superior a um ano.
[20] Art. 12. O prazo de validade da ata de registro de preços não será superior a doze meses, incluídas eventuais prorrogações, conforme o inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666, de 1993.
[21] Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá:
I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e
II – convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.
Parágrafo único. Não havendo êxito nas negociações, o órgão gerenciador deverá proceder à revogação da ata de registro de preços, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação mais vantajosa.
[22] Arts. 17 e 18 do Decreto 7.892/2013.
[23] Art. 15, § 4º da Lei 8.666/1993.
[24] Art. 4º-G Nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade. […]
§ 4º As licitações de que trata o caput realizadas por meio de sistema de registro de preços serão consideradas compras nacionais, nos termos do disposto no regulamento federal, observado o prazo estabelecido no § 6º do art. 4º.
[25] Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador. […]
§ 3º As aquisições ou as contratações adicionais de que trata este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cinquenta por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes.
§ 4º O instrumento convocatório preverá que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.