Teresa Villac
Em complementação ao artigo publicado em 19 de março, duas importantes medidas governamentais foram adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus com repercussão nas contratações públicas.
- Medida Provisória 926, 20 de março de 2020
A primeira refere-se à alteração ocorrida na Lei 13.972/20, pela Medida Provisória 926, de 20 de março, publicada em edição extra do Diário Oficial da União n. 55-G (para conhecimento integral das normativas: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm).
Há impactos relevantes às contratações públicas que serão efetivadas e aos contratos vigentes.
O artigo 4º da Lei 13.972/20 foi modificado e ampliado o rol de hipóteses para além de bens, serviços e insumos de saúde, passando a considerar: aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata a lei. A nova redação não limita mais a contratações apenas de objetos contratuais de saúde, mas a objetos outros que sejam necessários e imprescindíveis para atuação pública na situação de emergência. Aqui, ponderamos pela motivação administrativa comprovar a vinculação da contratação ao combate, direto (alcool, equipamentos médicos, remédios, etc) ou indireto (serviços de engenharia, contratação de serviços de transporte, etc), ao coronavírus. Subsiste a indicação da dispensabilidade licitatória ser temporária e apenas enquanto necessária para o equacionamento da emergência de saúde pública (artigo 4º, parágrafo 1º).
A MP 826/20 possibilitou, em caráter de excepcionalidade, a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido (artigo 4º, parágrafo 3º, incluído pela MP 926/2020).
Trata-se de previsão em face da calamidade pública já reconhecida pelo Congresso Nacional (Decreto legislativo 6, de 20 de março – link aqui: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-legislativo-249090982), tendo como requisito inafastável de legalidade da contratação que se realizará com fundamento na Lei 13.972/20 a comprovação patente pelo gestor público de que não há outra fornecedora que possa atender às necessidades urgentes, ao interesse público, direitos e bens jurídicos que se objetivam tutelar com aquela contratação.
Sobre o âmbito de circunscrição territorial a ser considerado para esta comprovação, recomedamos seja objeto de motivação administrativa consistente, seguida de documentos que a atestem. Em situações excepcionalissimas e a fim de evitar prejuízo maior, nosso entendimento é que seja exarada declaração da autoridade do órgão público, com detalhamento da situação fática e dificuldades encontradas para comprovação documental mais robusta de que não há outros fornecedores. Considere-se, na avaliação da configuração (ou não) de fornecedor único não apenas a area territorial pesquisada, mas também o tempo que decorre da logística empresarial de transporte. Ao final, atente-se para a necessidade de manifestação jurídica prévia da Consultoria Jurídica e o regime de urgência para que esta seja exarada.
A apresentação de documentação comprobatória de regularidade e requisitos de habilitação também foi excepcionada, em hipóteses expressas:
Art. 4º-F Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição.
Igualmente foram dispensados: os estudos técnicos preliminares (para bens e serviços comuns) e a exigência de gerenciamento de risco foi postergada para a fase de gestão contratual (artigos 4º-C e 4-D).
Há possibilidade de simplificação do termo de referência ou projeto básico, com parâmetros definidos para estimativas de preços:
Art. 4º-E Nas contratações para aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência que trata esta Lei, será admitida a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado
§ 1º O termo de referência simplificado ou o projeto básico simplificado a que se refere o caput conterá:
I – declaração do objeto;
II – fundamentação simplificada da contratação;
III – descrição resumida da solução apresentada
IV – requisitos da contratação;
V – critérios de medição e pagamento;
VI – estimativas dos preços obtidos por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros:
a) Portal de Compras do Governo Federal;
b) pesquisa publicada em mídia especializada:
c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo;
d) contratações similares de outros entes públicos; ou
e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; e
VII – adequação orçamentária
§ 2º Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a estimativa de preços de que trata o inciso VI do caput
§ 3º Os preços obtidos a partir da estimativa de que trata o inciso VI do caput não impedem a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa nos autos.
Verifica-se, pelos paragráfos 2º e 3º, o zelo a ser empreendido pelo gestor público na motivação administrativa robusta nos autos.
Importante inovação quanto ao consumo sustentável foi introduzida pela medida provisória e está prevista no artigo 4º-A a possibilidade de contratação de bens usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de funcioamento e uso. Assim, ainda que seja de pequeno valor a contratação, devem ser estabelecidas cláusulas sobre esta obrigação, seja em contrato ou instrumento equivalente.
Outros aspectos introduzidos pela MP 826 na Lei 13.979/20 evidenciaram a adequação do direito administrativo à situações de crise como a atual, tendo sido estabelecido que os prazos de pregão deverão ser reduzidos pela metade (artigo 4º-G) e os recursos administrativos somente terão efeito devolutivo (parágrafo 2º).
- Decreto 10.282, de 20 de março de 2020
Em acréscimo, edições extras do Diário Oficial da União (DOU de 20.3.2020 – Edição extra- G e republicação no DOU de 21.03.2020 – Edição extra- H) publicaram o Decreto 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamentou a Lei 13.379/2020.
O Decreto aplica-se às pessoas jurídicas de direito público interno, federal, estadual, distrital e municipal, e aos entes privados e às pessoas naturais.
O artigo 3º considera serviços públicos e atividades essenciais “aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”, elencando rol:
- assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares;
II – assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade;
III – atividades de segurança pública e privada, incluídas a vigilância, a guarda e a custódia de presos;
IV – atividades de defesa nacional e de defesa civil;
V – transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros por táxi ou aplicativo;
VI – telecomunicações e internet;
VII – serviço de call center;
VIII – captação, tratamento e distribuição de água;
IX – captação e tratamento de esgoto e lixo;
X – geração, transmissão e distribuição de energia elétrica e de gás;
XI – iluminação pública;
XII – produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, alimentos e bebidas;
XIII – serviços funerários;
XIV – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, de equipamentos e de materiais nucleares;
XV – vigilância e certificações sanitárias e fitossanitárias;
XVI – prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais;
XVII – inspeção de alimentos, produtos e derivados de origem animal e vegetal;
XVIII – vigilância agropecuária internacional;
XIX – controle de tráfego aéreo, aquático ou terrestre;
XX – compensação bancária, redes de cartões de crédito e débito, caixas bancários eletrônicos e outros serviços não presenciais de instituições financeiras;
XXI – serviços postais;
XXII – transporte e entrega de cargas em geral;
XXIII – serviço relacionados à tecnologia da informação e de processamento de dados (data center) para suporte de outras atividades previstas neste Decreto;
XXIV – fiscalização tributária e aduaneira;
XXV – transporte de numerário;
XXVI – fiscalização ambiental;
XXVII – produção, distribuição e comercialização de combustíveis e derivados;
XXVIII – monitoramento de construções e barragens que possam acarretar risco à segurança;
XXIX – levantamento e análise de dados geológicos com vistas à garantia da segurança coletiva, notadamente por meio de alerta de riscos naturais e de cheias e inundações;
XXX – mercado de capitais e seguros;
XXXI – cuidados com animais em cativeiro;
XXXII – atividade de assessoramento em resposta às demandas que continuem em andamento e às urgentes;
XXXIII – atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e assistência social;
XXXIV – atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência; e
XXXV – outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Atente o gestor público que o rol não é exauriente, considerando a menção à expressão “tais como” constante do artigo 3º, caput, bem como a previsão do seu parágrafo 2º:
“Parágrafo 2º. Também são consideradas essenciais as atividades acessórias, de suporte e a disponibilização dos insumos necessários a cadeia produtiva relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais”
Neste sentido, ponderamos que as demais situações fáticas vivenciadas pelos gestores públicos que não estejam elencadas nos incisos do artigo 3o sejam objeto de motivação administrativa que demonstre a vinculação da contratação com tratar-se de serviço público ou atividade essenciais ao enfrentamento da pandemia.
Para conhecimento do Decreto 10282, de 20 de março de 2020, acesse este link:
- Recomendações COVID-19 aos contratos de prestação de serviços terceirizados de órgãos da Administração Pública Federal
Na data de 21 de março de 2020, foram exaradas orientações oficiais complementares aos órgãos da Administração Pública Federal no tocante aos contratos de serviços terceirizados. As Recomendações (s/número) foram divulgadas no site do Painel de Compras do Governo Federal e podem ser acessadas em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/noticias/1270-recomendacoes-covid-19-servicos-terceirizados.
Deverão ser adotadas as seguintes recomendações, que são abaixo transcritas por se tratar de matéria de relevância pública e que demandam a adoção de providências brevíssimas pelos órgãos públicos da Administração Pública Federal, a fim de que a situação emergencial vivenciada pelo COVID-19 não impacte desfavoravelmente na vida e saúde dos terceirizados:
“1º – A atuação presencial de serviços terceirizados deve ficar limitada a atender atividades consideradas essenciais pelo órgão ou entidade, em patamar mínimo para a manutenção das atividades, a exemplo de segurança patrimonial e sanitária, dentre outros.
2º – notificar as empresas contratadas quanto à necessidade de adoção de meios necessários para intensificar a higienização das áreas com maior fluxo de pessoas e superfícies mais tocadas, com o uso de álcool gel (maçanetas, corrimões, elevadores, torneiras, válvulas de descarga etc.);
3º – solicitar que as empresas contratadas procedam a campanhas internas de conscientização dos riscos e das medidas de prevenção para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19), observadas as informações e diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde;
4º – proceder a levantamento de quais são os prestadores de serviços que se encontram no grupo risco (portadores de doenças crônicas, histórico de contato com suspeito ou confirmado para COVID-19 nos últimos 14 dias, idade acima de 60 anos etc.), para que sejam colocados em quarentena com suspensão da prestação do serviços ou, em casos excepcionalíssimos, a substituição temporária na prestação dos serviços desses terceirizados.
5º – Caso haja diminuição do fluxo de servidores dos órgãos ou entidades (estejam executando as suas atribuições remotamente) ou expediente parcial (rodízio), poderão – após avaliação de pertinência, e com base na singularidade de cada atividade prestada – suspender os serviços prestados pelas empresas terceirizadas ou reduzir o quantitativo até que a situação se regularize.
6º – Caso a ausência do prestador de serviço (“falta da mão de obra alocada”), decorrente da situação de calamidade atual, esteja enquadrada no art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o órgão ou entidade deverá observar o § 3º da referida Lei, hipótese em que será “considerado falta justificada”.
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de
saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão
ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
[…]
§ 3º Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade
laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste
artigo.
7º – É facultada a negociação com a empresa prestadora de serviços, visando às seguintes medidas:
(i) antecipação de férias, concessão de férias
individuais ou decretação de férias coletivas;
(iii) fixação de regime de jornada de trabalho em turnos alternados de
revezamento;
(iv) execução de trabalho remoto ou de teletrabalho para as atividades
compatíveis com este instituto e desde que justificado, sem concessão do vale
transporte, observadas as disposições da CLT;
(v) redução da jornada de trabalho com a criação de banco de horas para
posterior compensação das horas não trabalhadas.
8º – Não havendo tempo hábil para formalização de termo aditivo ao contrato, considerando o risco iminente à saúde pública proveniente da pandemia, o órgão ou entidade deverá proceder os ajustes necessários e anexar posteriormente a devida justificativa ao processo que embasa a formalização do termo aditivo.
* Suspensão ou redução – Nota Técnica nº 66/2018 – Delog/Seges/MP. Alerta-se que o vale alimentação e o vale transporte têm natureza indenizatória. Portanto, os órgãos e entidades devem observar nos casos de suspensão da prestação dos serviços, o paradigma a seguir:
a) Os dispositivos da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), via de regra, dispõem que a empresa conceda auxílio-alimentação aos seus empregados apenas nos dias efetivamente trabalhados. Dito de outro modo, se o empregado não labora em dias considerados de “ponto facultativo” ou de “recesso” de servidores públicos, não há, a priori, que se falar no pagamento dessas rubricas, mas sim o seu desconto nas faturas a serem pagas pela administração.
a.1) Deve-se ressaltar que os prestadores de serviços terceirizados colocados em trabalho remoto ou que estejam em escalas de revezamento deverão ter a manutenção do auxílio-alimentação assegurada, já que o serviço não sofrerá solução de continuidade.
a.2) Já no caso de suspensão do contrato de trabalho, o recomenda-se, assim, que o órgão ou a entidade tome ciência da CCT aplicável ao caso concreto, procedendo a eventuais negociações com a categoria, se julgar pertinente.
b) Em relação ao vale-transporte, cabe destacar que este benefício cobre despesas de deslocamento efetivo do empregado. Por conseguinte, não havendo esse deslocamento – trajeto da sua residência para o trabalho e vice-versa – não há que se falar em pagamento dessa rubrica, o que por via reflexa enseja o desconto desse pagamento nas faturas a serem liquidadas pela Administração;
Observação: Dada a situação atual de calamidade, recomenda-se que, sempre que possível, e sem ferir o disposto na legislação e na CCT vigentes, seja mantido o auxílio-alimentação durante o período de suspensão.
* Quarentena – “restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus” – Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Estas as respostas, até o momento, do direito administrativo e da gestão pública federal à situação que enfrentamos. Que sejam observadas e implementadas as medidas necessárias com brevidade.
Diversas normatizações estão sendo expedidas, quase que diariamente, sobre a temática. Manter-se atualizado é fundamental. Para tanto, acompanhem o site governamental implementado para que se tenha acesso rápido e organizado aos atos normativos: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-legis/legislacao-covid-19.
Ao final, atentem para as informações que serão disseminadas pela Profa. Tatiana Camarão, colunista deste site, na organização precursora de evento on line pela Editora Fórum para análise dos impactos do COVID-19 nas contratações públicas.
Nota de rodapé
Trata-se de entendimento da colunista na qualidade de autora e pesquisadora, não configurando posicionamento oficial da Instituição que integra como Advogada da União em atividade de consultoria jurídica.