Uma dos mais aguardados avanços do Projeto de Nova Lei de Licitações e Contratos, aprovado pela Câmara dos Deputados, reside nos critérios de julgamento de propostas. Não, propriamente, em sua enumeração – dos seis critérios adotados, quatro reeditam a pauta que a Lei nº 8.666/93 chama de “tipos de licitação” (art. 45, caput e § 1º), e dois foram transplantados, com ajustamentos, da Lei nº 12.462/2011 (artigos 10 e 23), que instituiu o Regime Diferenciado de Contratação -, mas, sim, em razão dos inúmeros fatores e requisitos de sua aplicação, que abrem nova dimensão operacional para o princípio do julgamento objetivo, que permanece do regime anterior, porém agora instrumentalizado por parâmetros cuja elaboração haverá de desenvolver-se na fase preparatória do processo e vinculará os agentes julgadores das propostas, tanto que estampados no respectivo edital.
O art. 33 do Projeto alinha como critérios de julgamento de propostas: menor preço; maior desconto; melhor técnica ou conteúdo artístico; técnica e preço; maior lance, no caso de leilão; e maior retorno econômico. Basta a leitura do art. 34 do Projeto para perceber-se, desde logo, a mudança de método de avaliação de propostas até mesmo em relação ao vetusto critério do menor preço, que deverá passar a levar em conta “o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação”. Ou seja, sequer o critério de maior objetividade – menor preço – se satisfaz com a só comparação entre valores, para que prevaleça o menor, se este desatender aos parâmetros de menor dispêndio em termos de qualidade.
O julgamento segundo o critério do menor preço, sob o regime da Lei nº 8.666/93, sempre padeceu de inadequada simplificação, ao passar-se do texto da lei à sua aplicação prática. Veja-se que o art. 45, § 1º, I, da Lei nº 8.666/93 considera mais vantajosa para a Administração a proposta que o licitante apresentar “de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço”, seguindo-se que não bastaria, para ser a mais vantajosa, que a proposta cotasse o menor preço; antes, deveria atender às especificações do edital, cabendo a este, portanto, formular exigências objetivas para que, uma vez atendidas, surtisse vencedora a proposta de menor preço. Na maiora dos casos, porém, os editais, sob a regência da Lei nº 8.666/93, não enunciam requisitos objetivos de qualidade que as propostas devam cumprir, satisfazendo-se com o menor preço independentemente da qualidade do objeto, embora o seu art. 40, VII, requisite que o edital inclua, como item obrigatório, “critério para julgamento, com disposições claras e parâmetros objetivos”. E a despeito, ademais, de o verbete 177, da Súmula do Tribunal de Contas da União, enfatizar que “A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demanda uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão”.
Em outras palavras, no regime que se pretende revogar, a especificação do objeto quanto às características necessárias para a Administração bastaria a que o edital cumprisse a ordem legal e sinalizasse qual seria a proposta vencedora: a de menor preço, independentemente da qualidade do objeto, desde que este atendesse às especificações definidas.
Para o Projeto, será necessário averiguar, antes de consagrar o menor preço, o menor dispêndio segundo “parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital”. É de esperar-se que de licitação assim estruturada e conduzida resulte a contratação de objetos de qualidade pelo menor preço, abolindo-se a cultura do menor preço por si só, que sempre prevaleceu na Administração pública brasileira, em detrimento do dispêndio, ou seja, despesas com manutenção, correção, troca, adaptação, reposição que, entre outras providências, acompanham, em regra, a contratação de produtos de qualidade inferior, com a decorrente prevalência do conhecido adágio de que “o barato sai caro”. Para que bem se cumpra a nova orientação, os agentes públicos de execução e de controle dos contratos administrativos deverão empenhar-se na aplicação da regra do “menor dispêndio” como tradutora de qualidade e condicionante do “menor preço”.
Daí o art. 34 do Projeto acrescentar, em seu § 1º, orientação sobre a consideração, para a definição do menor dispêndio, dos chamados custos indiretos, “relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, dentre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, desde que objetivamente mensuráveis.
A identificação do menor preço com o menor dispêndio também dependerá de os agentes públicos praticarem, com rigor metodológico, as regras do art. 23 do Projeto, a partir de seu caput – “O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contradadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto”. A verificação do menor preço se fará, destarte, em compatibilidade com o preço de mercado corretamente apurado pela Administração, para objetos com as especificações e o padrão de qualidade previamente definidos, com o fim de evitar que a proposta de preço cotado, diante do praticado pelo mercado, vicie a escolha da proposta de menor preço do objeto qualificado.
O § 1º do art. 23 indica modos e fontes associadas de pesquisa do preço de mercado, tratando-se de aquisição de bens e contratação de serviços em geral: composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); contratações similares pela Administração, em execução ou concluídas no período de um ano anterior à data da pesquisa de preços; utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada ou constante de sítos eletrônicos especializados ou de domínio amplo, com data e hora de acesso; pesquisa direta com no mínimo três fornecedores, mediante solicitação formal de cotação e justificada a respectiva escolha; pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas.
O § 2º arrola modos e fontes de pesquisa, tratando-se da contratação de obras e serviços de engenharia: composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente do Sistema de Custos Referenciais de Obras (SICRO) ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI); os demais meios indicados no § 1º.
Deduza-se que o Projeto não se satisfaz com pesquisa de preço junto a uma só fonte. Quer pesquisa ampla e em fontes variadas, o que, aliás, cumpre antiga orientação do Tribunal de Contas da União. E que surge reforçada no art. 34, § 2º, do Projeto, que define o julgamento por maior desconto como aquele cuja referência é o preço global fixado no edital de licitação, estendendo-se o desconto a eventuais termos aditivos. Reforça-se, por conseguinte, a relevância da pesquisa ampla do preço de mercado do objeto a ser contratado, se o critério de julgamento das propostas for o de maior desconto, já que este terá por base de cálculo o preço global do objeto fixado no edital, após aferição na fase preliminar do processo, junto àquela variedade de fontes e considerados os parâmetros demarcados.
Seja qual for o critério de julgamento das propostas, o Projeto municia os agentes julgadores com vasta teia de princípios e técnicas interpretativas na condução de cada processo. Note-se que, enquanto o art. 3º, caput, da Lei nº 8.666/93, com a redação da Lei nº 12.349/2010, nomeava oito princípios expressos e os que lhe fossem correlatos, além de indicar as três finalidades sistêmicas a modelar toda licitação – garantir isonomia de tratamento aos concorrentes, selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e promover o desenvolvimento sustentável –, o art. 5º do Projeto amplia esse rol para 22 princípios expressos e vincula sua aplicação às disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a que a Lei nº 13.655/2018 vem de incorporar orientação específica para a interpretação de normas regentes da atividade administrativa estatal, realçando, sobretudo, a necessidade de se examinarem, a cada caso, os meios de que dispunha o agente ao decidir e as consequências com que se defrontaria a opção por tal ou qual solução que viesse a adotar no caso concreto.
Ou seja, o Projeto associa à principiologia o consequencialismo, para medir-se o acerto ou o desacerto da conduta administrativa adotada, bem como a responsabilização dos agentes, destacando-se a repercussão, na interpretação das normas licitatórias, das disposições dos artigos 20 a 23 da Lei nº 13.655/2018. Adverte Odilon Cavallari de Oliveira que a nova hermenêutica daí decorrente “busca inserir, como regra, no direito brasileiro, a aplicação consequencialista da norma. E é aí que reside o problema. A análise das consequências de uma decisão, embora seja muitas vezes necessária, não pode ser adotada como técnica incondicional de decisão… Com efeito, por vezes são de extrema importância avaliações dessa natureza antes da decisão. Não se pode, porém, supor que se trata de método a ser sempre aplicado, sob pena de subvertermos os mandamentos constitucionais e legais, a fim de evitar consequências que, na visão de alguns, podem ser consideradas indesejadas…” (in Política Pública e Controle, p. 44. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2018).
A articulação entre principiologia e consequencialismo constitui extraordinário desafio. Se, de um lado, a principiologia pretende ser estruturante do sistema jurídico e da incidência de suas normas – sendo eles próprios, os princípios, normas jurídicas de superior hierarquia e eficácia imediata, cujo eventual descumprimento gera responsabilidades -, o consequencialismo atua sobretudo no campo casuístico, pretendendo encontrar soluções que se compatibilizem com as circunstâncias do caso concreto, no presente e com vistas ao futuro, sobre o qual as normas jurídicas repercutirão, quando mais de uma solução se apresente como viável e supostamente razoável. Essa articulação, a partir daqueles parâmetros do art. 23 do Projeto, decerto que demandará instrução processual fundada em variada expertise de órgãos e agentes públicos, traduzida em relatórios, estudos, laudos e pareceres, que serão tanto mais minuciosos e multidisciplinares quanto maior for a complexidade do objeto a ser contratado, carecendo, portanto, de prazos dilargados de elaboração e análise. Nada, enfim, que se assemelhe a soluções rápidas e superficiais para atender-se a interesses políticos ou gerenciais contingentes ou imediatos.
Por outro lado, o Projeto veda, expressamente, o formalismo exacerbado, que volta e meia compromete o ato de julgar nos processos administrativos e sempre foi censurado na jurisprudência dos tribunais judiciais e de contas. Em seu art. 12, o Projeto manda considerar que “o desatendimento de exigências meramente formais, que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo” (inciso III); “o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade, salvo imposição legal” (inciso V); “É permitida a identificação e assinatura digital por pessoa física ou jurídica em meio eletrônico, mediante certificado digital emitido em âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)” (§ 2º do mesmo art. 12).
Decerto que almeja contribuir para simplificar e conferir maior objetividade aos critérios de julgamento de propostas a regra que, posta no art. 25, § 1º, do Projeto, veio consagrarar a orientação que o Tribunal de Contas da União vinha ministrando: “Sempre que o objeto permitir, a Administração adotará minutas padronizadas de edital e de contrato com cláusulas uniformes”. Por óbvio que minutas padronizadas são incompatíveis com objetos sem afinidade essencial com os precedentes geradores do modelo padronizado, por isto que aquelas a estes não se aplicam. Recorde-se o julgado do TCU que fixou a orientação da Corte de Controle, ainda na vigência da Lei nº 8.666/93: “[…] Ao gestor caberá a responsabilidade da verificação da conformidade entre a licitação que pretende realizar e a minuta-padrão previamente examinada e aprovada pela assessoria jurídica. Por prudência, havendo dúvida da perfeita identidade, deve-se requerer a manifestação da assessoria jurídica, em vista das peculiaridades de cada caso concreto… Assim, a utilização de minutas-padrão, guardadas as necessárias cautelas, em que, como assevera o recorrente, limita-se ao preenchimento das quantidades de bens e serviços, unidades favorecidas, local de entrega dos bens ou prestação dos serviços, sem alterar quaisquer das cláusulas desses instrumentos previamente examinados pela assessoria jurídica, atende aos princípios da legalidade e também da eficiência e da proporcionalidade” (Plenário, Ac. nº 1.504/2005, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues).
O art. 35 do Projeto delimita as hipóteses de cabimento do critério de julgamento fundado na melhor técnica ou em conteúdo artístico, esclarecendo o seu parágrafo único que pode ser utilizado “para a contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística”, com atribuição de prêmio ou remuneração aos vencedores. Nesse ponto, há de distinguir-se que o Projeto está, aqui, a tratar de critério de julgamento de propostas, não de modalidade de licitação, a que corresponderia, no caso de atribuição de prêmio, o concurso. Nada obstante, a distinção resultará evidenciada nos artigos 37 e 38, como se verá adiante.
O art. 36 do Projeto concentra-se no julgamento por técnica e preço, que levará em conta “a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta”. Nada de substancialmente diverso, a rigor, da redundante redação da norma equivalente do art. 46, § 2º, II, da Lei nº 8.666/93 (“a classificação dos proponentes far-se-á de acordo com a média ponderada das valorizações das propostas técnicas e de preço, de acordo coom os pesos preestabelecidos no instrumento convocatório”). O tratamento traçado pelo Projeto para o julgamento por técnica e preço apresenta-se superior ao claramente estabelecer as hipóteses de seu cabimento e os limites de seu emprego. Mas persiste em dubiedade quanto à natureza da decisão que o adotará.
Veja-se que o § 1º do art. 36 do Projeto assenta que tal critério “será escolhido quando estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos pela Adminstração nas licitações” dos objetos que arrola em incisos a seguir (os grifos não constam do original). A redação sugere pelo menos duas dúvidas relevantes. A primeira, quanto ao verbo designativo da ação administrativa – escolher. A segunda, quanto ao momento da escolha – em face dos requsitios mínimos estabelecidos no edital, ou seja, o critério está escolhido depois de arrematado o edital e mediante “estudo técnico preliminar”. Preliminar ao edital? Tal estudo, presume-se, produzirá elementos que habilitarão a Administração a escolher o critério de julgamento. Ora, estudo e escolha são anteriores ao edital, a tornar tormentosa a interpretação desse § 1º, do art. 36, do Projeto. Ademais, o verbo escolher traduz discrição administrativa, fortemente sugestiva de que a Administração poderá escolher o julgamento por técnica e preço ou não, ainda que em presença de elementos que o poderiam indicar como adequado. Qual a escala de prioridade a observar-se na escolha? Por outro lado, os “requisitos mínimos” não deveriam estar harmonizados com o critério de julgamento e vice-versa, tudo esquadrinhado antes de lançar-se a escolha e os requisitos no edital?
O rol de hipóteses em que caberia a adoção do julgamento por técnica e preço não ajuda a dissipar as dúvidas, reforçando-as, ao contrário, ao empregar adjetivos e advérbios nas respectivas definições abertas. Assim: “serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, caso em que o critério de julgamento de técnica e preço deverá ser preferencialmente empregado”; “serviços majoritariamente dependentes de tecnologia sofisticada e de domínio restrito…”; “objetos que admitam soluções específicas e alternativas e variações de execução, com repercussões significativas e concretamente mensuráveis sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade, quando essas soluções e variações puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes…” (os grifos não constam do original). O teor de incertezas e casuísmos é elevado e se agrava quando se pondera que soluções intelectuais, dependentes de tecnologia sofisticada, à livre escolha dos licitantes, ademais variam no tempo e no espaço, considerado o ritmo vertiginoso de mudança e inovações que caracteriza a ciência e a tecnologia contemporâneas.
Os §§ 2º e 3º, do art. 36, do Projeto contribuem com mais incertezas, ao estatuírem que a valoração da proposta de preço, sempre examinada depois da proposta técnica – nenhuma inovação em relação ao rito traçado pela Lei nº 8.666/93 – se fará “na proporção máxima de 70% de valoração para a proposta técnica”. Ignoram-se os fatores de ponderação sobre proporção dessa largueza. Como também larga é a consideração sobre a influência que o “desempenho pretérito na execução de contratos com a Administração Pública” exercerá na pontuação técnica, sabendo-se que os dados serão aqueles constantes de cadastros (art. 87 do Projeto) e segundo se dispuser em regulamento, o que igualmente veicula incerteza, já que, ao fazer uso da expressão Administração Pública, a norma está a se referir a todos os entes integrantes da federação e suas entidades vinculadas, ao que se extrai dos incisos III e IV, do art. 6º, do Projeto; portanto, haveria regulamento paradigmático nacional – a desprezar as sabidamente inúmeras diversidades regionais deste país continental – ou cada ente ou entidade teria o seu próprio regulamento, a multiplicar soluções normativamente possíveis?
Os artigos 37 e 38 editam regras procedimentais a serem observadas tanto no julgamento por melhor técnica como no julgamento por técnica e preço. Duas são as principais inovações propostas: 1ª, a de que a atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa será de banca designada para tal fim, de acordo com previsão editalícia, composta por no mínimo três membros, que poderão ser servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública, e profissionais contratados por seu conhecimento especializado na avaliação dos quesitos especificados no edital; 2ª, a pontuação devida à capacitação técnico-profissional “exigirá que a execução do respectivo contrato tenha participação direta e pessoal do profissional correspondente”.
Chega-se ao último critério de julgamento admitido pelo Projeto, que incorpora proposta originalmente positivada no direito brasileiro pelo chamado Regime Diferenciado de Contratações (Lei nº 12.462/2011, artigos 10 e 23), concebido para presidir licitações e contratações de objetos relacionados aos eventos desportivos mundiais que o Brasil sediou entre 2013 e 2016, estendendo-se, ao longo desse período, a licitações e contratações destinadas a obras de infraestrutura e de serviços para aeroportos, ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento, obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde, obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo, ações no âmbito da Segurança Pública, obras e serviços de engenharia relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística, ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação.
Trata-se do critério de julgamento por maior retorno econômico, de utilização reservada, com exclusividade, para a celebração do chamado “contrato de eficiência”, caracterizado pelo fato de a “remuneração ser fixada em percentual que incidirá de forma proporcional à economia efetivamente obtida na execução do contrato” (art. 39, caput, do Projeto). O contrato de eficiência desafia tanto o setor empresarial privado quanto os órgãos e entidades da Administração pública. Àquele porque cabe à licitante apresentar duas propostas: a de trabalho, que deverá contemplar as obras, os serviços ou os bens, que executará ou fornecerá em prazos certos, indicando, em unidade monetária, a economia que estima gerar; a de preço, que corresponderá a percentual sobre essa economia estimada. À Administração porque elaborará edital explicitando parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo para a remuneração devida ao contratado, estabelecido, para efeito de julgamento da proposta, que o retorno econômico será o resultado da economia que se estima gerar com a execução, deduzida a proposta de preço (art. 39, § 3º). E ressalvando o § 4º do mesmo dispositivo como se dará a remuneração do contratado nos casos em que não for gerada a economia prevista no contrato: “a diferença ente a economia contrata e a efetivamente obtida será descontada da remuneração do contratado; se a diferença entre a economia contratada e o efetivamente obtida for superior ao limite máximo estabelecido no contrato, o contratado estará sujeito às sanções que hajam sido previstas no próprio contrato.
Em coautoria com Marinês Dotti, editamos comentários ao RDC (ed. Renovar, 2015), recordando que a remuneração variável é de há muito admitida nos contratos administrativos, antes mesmo de introduzida pelo RDC em nosso direito positivo, sendo exemplos as “Aquisições Baseadas no Desempenho”, previstas no item 3.14 das regras para contratações do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e do Banco Mundial, tidas como aplicáveis a contratos de financiamentos celebrados com essas entidades porque compatíveis com o disposto no art. 42, § 5º, da Lei nº 8.666/93. E também reconhecida pelo Tribunal de Contas da União (Ac. Plenário nº 589/2004), em relação à contratação de serviços pela Administração, prevendo-se remuneração com base em percentual sobre o benefício auferido pelo poder público. São contratos que associam eficiência e resultado econômico em prol da Administração, podendo ser aplicados em objetos tais como “revisão e manutenção de sistemas de fornecimento de energia elétrica, de hidráulica, de refrigeração de ambientes, de telefonia, de manutenção e gerenciamento de equipamentos. O critério de julgamento com base no maior retorno econômico serve, destarte, à formação de contrato de risco, tanto que o contratado não auferirá remuneração, ou a terá proporcionalmente reduzida, se não alcançar o resultado econômico a que se obrigou, podendo, inclusive, ser sancionado por isso… O traço de união entre os dois regimes está no princípio do julgamento objetivo, implícito no art. 37, XXI, da Constituição da República e reiteradamente referido na Lei Geral (artigos 3º, caput, 40, VII, 41 e 45, caput), mercê do qual cabe ao instrumento convocatório, e só a ele, estabelecer o critério de julgamento a ser adotado em cada caso, à vista de parâmetros objetivos e previamente definidos. Qualquer que seja o critério de julgamento adotado, a ele sobrepaira o dever jurídico de a Administração certificar-se de que a proposta atende aos parâmetros de qualidade definidos no edital… Mas pondere-se que a concentração de foco sobre o resultado econômico do contrato, embora meritória e estimulante, pode constituir armadilha jurídica se as partes, notadamente a Administração, não se derem conta de que a eficiência, na gestão pública, há de harmonizar-se com os demais princípios que a regem. Obtempere-se que o gestor público há de ser eficiente com observância das balizas da legalidade, ou, na linguagem do estado democrático de direito, da juridicidade. Eficiência contra a ordem jurídica ou à margem dela retrata apenas conduta ilegal e antijurídica” (Comentários ao RDC Integrado ao Sistema Brasileiro de Licitações e Contratações Públicas, p. 426-434).
Muito bom!