INTRODUÇÃO
No Brasil temos o costume de trocar algo antes de aperfeiçoá-lo, ou até mesmo sequer cogitarmos a possibilidade de aperfeiçoamento.
Os problemas relacionados com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei 8.666/1993 e que também acometem as outras duas normas sobre o assunto que serão objeto de revogação pela proposta contida no PL 1.292/1995, a Lei do Pregão (Lei 10.520/2002) e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações (Lei 12.462/2011), dificilmente serão de todo espancados dessa nova, que lhes substituirá.
A principal dificuldade, aliás, será até mesmo, no início acentuada, a qual identificamos com a dificuldade de se ter doutrina e jurisprudência consolidada a respeito do assunto. Ora, após pouco mais de vinte anos de vigência da Lei 8.666/1993, o Judiciário e a Academia se puseram a trabalhar na produção de orientações a respeito da incidência de seus dispositivos, clareando sua aplicação à luz de outras disciplinas e das demandas fáticas, sob o filtro dos princípios, todavia, neste momento, o que nos parece é que ao invés de concluirmos nossa maratona, resolvemos recomeçar, agora uma outra corrida, na qual até poderemos aproveitar alguns dos aprendizados acumulados, mas não sem abrirmos oportunidade para o cometimento de equívocos similares àqueles que aconteceram no início da vigência das leis cuja revogação já se avizinha.
Tudo isso, sem avançarmos quase nada em aspectos importantíssimos, como, por exemplo, retirar do processo licitatório aspectos relativos a habilitação, colocando-os para além da contratação, mas no âmbito da execução do contrato, à salvo das intermináveis disputas jurídicas que não raras vezes fazem com que o objetivo da licitação, que é o atendimento de uma necessidade pública, se perca na bruma das eras, haja vista que a duração do processo judicial não coaduna com a urgência dos fatos que motivam as licitações.
Não contribui para a solução dos problemas constatados nas contratações públicas a geração de expectativa de que mudando a lei de licitação e contratações administrativas serão resolvidas as mazelas que grassam as contratações públicas. Aliás, complica ainda mais o quadro, causando a sensação de que nada poderá mudar o quadro de desperdício do dinheiro público, ora em razão da corrupção, ora lastreada na falta de gestão, este último, por sinal, entendemos ser o problema de natureza mais grave, porque posiciona-se como origem para aquele da corrupção.
A mudança do jogo, ou das regras do jogo, não irá produzir efeito benéfico qualquer se não houver uma alteração na perspectiva dos jogadores quanto ao resultado que se pretende obter.
II – ASPECTOS POSITIVOS DA MUDANÇA LEGISLATIVA
Apesar das ponderações feitas na abertura deste trabalho, não seria honesto afirmar absoluta inexistência de aspectos positivos na produção de uma nova lei de licitações e contratações para o setor público, especialmente porque acreditamos que há sinceridade neste propósito.
Pelo menos dois aspectos devem-se anotar como relevantes na inovação legislativa: i) a consolidação em um único diploma das normas gerais de licitação sob todas as modalidades previstas no ordenamento brasileiro; e ii) a incorporação de experiências positivas no corpo da nova legislação.
II.1 – Consolidação das Normas de Licitação em um único Diploma
Parece-nos evidente que a junção de todas as normas de licitação e contratação em um só diploma legal se apresenta como fator de otimização do processo licitatório, simplificando a atividade daqueles que deverão consultar o ordenamento em busca da modalidade mais adequada, especialmente porque as coloca como disponibilidades em um mesmo ferramental, pensando especialmente que muitos dos integrantes de comissões de licitação são leigos.
De pronto pode-se ter como resultado que discussões que aportariam ao Poder Judiciário, por exemplo, a respeito da aplicação em determinada situação de regramentos de disciplina de contratos, presente na Lei de Licitações, seria ou não aplicável a contratos do RDC, não chegarão a acontecer, uma vez que aquele regime terá sido revogado, incorporando na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos algumas de suas características. Do mesmo modo, as discussões a respeito da inversão de fases, que estavam a espera de pronunciamento sobre a sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
II.2 – Incorporação de Experiências Positivas na Nova Legislação
A ampliação da quantidade de incisos e alíneas de cunho interpretativo no art. 6º do PL 1.292/1995, que trata das definições para termos utilizados naquele futuro diploma de licitações, se antecipa às discussões que poderiam acontecer, porque já haviam ocorrido na vigência de normas anteriores, a respeito do alcance de cada uma delas.
Na mesma direção pode-se afirmar a previsão da sequência das licitações, presente no art. 17, do PL, colocando a habilitação em momento seguinte àquele do julgamento, o que apesar de não muito ambicioso, em vista do que se propõe a seguir sobre esse aspecto, é já um avanço, por incorporar a experiência positiva experimentada na Lei do Pregão.
III – AVANÇOS QUE PODERIAM SER INCORPORADOS AO PROJETO
Tendo em vista que ao invés de se aperfeiçoar a legislação existente optou-se por elaborar outra totalmente nova, inclusive incorporando em seu conteúdo modalidades que se encontravam em leis separadas, poderia o legislador ter ousado mais, como, por exemplo, excluindo do processo licitatório a habilitação, postergando esta etapa para o momento da contratação.
Outro avanço interessante seria a criação de mecanismo que permitisse a realização de interpretação vinculante, no âmbito administrativo, de dispositivos da Lei de Licitações e Contratações, o que teria potencial de agilizar processos de seleção e contratação.
Também seria bem-vinda a previsão de instrumentos de concentração de informações a respeito da declaração de inidoneidade de empresas, criando um cadastro acessível e de fácil consulta, do mesmo modo mecanismo que reunisse informações acerca da qualidade de bens e serviços, de modo a dispensar a exigência a amostras.
Ressente, ainda, o projeto de direcionamento da atividade fiscalizadora dos aspectos de legalidade e economicidade, a ser exercido por órgãos de controle interno, para a fase de execução, uma vez que a análise de documentos que tratam de modo formal e abstratamente da contratação tem-se demonstrado ao longo da vigência da Lei 8.666/1993, como já havia sido com o Decreto-lei 2.300/1986, inócuo ou insuficiente.
CONCLUSÃO
Mais importante do que o que depende da mudança da lei de licitações e contratações administrativas, para melhorar o processo de contratações de serviços e aquisições de bens no Brasil, seria pensar, separada ou juntamente com isso, sobre o que não depende de mudança legislativa para a realização de avanços nesta seara. E cada vez mais se torna evidente que o problema brasileiro não é na formulação de normas, mas em sua aplicação, pois de nada possuirmos roteiros fantásticos e atores horríveis, uma vez que o resultado da peça está muito mais próximo da qualidade daqueles que nela atuam, que podem agregar sua qualidade individual no resultado, do que na excelência do escrito, que fatalmente padecerá na interpretação de atores ruins.
A compreensão quanto a necessidade de mudança é correta, porém o alvo da mudança, mais uma vez, é equivocado.
Há de permanecer, no entanto, a esperança de que a mudança do script seja também uma mudança, na atitude dos atores, seja porque evoluíram por experiência, seja porque melhoram no processo de repetição, que mesmo se realizando de modo ineficiente, se houver observação por parte daqueles que dele participam, resultará em melhoria em suas atuações, conquanto que o erro danoso não seja proposital.
As novas leis no Brasil, ao nosso ver, tem o mesmo sentido da comemoração do réveillon, mais do que materializarem algo novo significam a renovação da expectativa de que tudo poderá ser diferente, de que os sonhos permanecem vivos, de que ainda somos uma promessa e que esta está por ser realizar proximamente.
Desse modo, se as inovações da lei não são tantas, mas não há como deixar de reconhecer que existem algumas, o que foi anotado neste escrito, é imperioso reconhecer que renova-se a esperança, combustível máximo do bom ânimo do povo brasileiro.