1. Introdução
O projeto de nova lei geral de licitações contempla expressamente as figuras da contratação integrada e da contratação semi-integrada.
Neste breve artigo, pretende-se expor qual é, em nossa visão, a lógica que informa esses tipos de contratação. A compreensão da lógica desses contratos é essencial para a sua correta aplicação prática e para a interpretação das normas que os disciplinam. Nos próximos artigos que apresentaremos neste Observatório, detalharemos melhor o seu regime jurídico.
2. As contratações integradas e semi-integradas
O inciso XXXII do art. 6º do projeto de lei define contratação integrada como sendo o “regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”.
O inciso XXXIII do mesmo art. 6º define contratação semi-integrada como o “regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver o projeto executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”.
3. Breve histórico da legislação
As contratações integradas foram previstas pela primeira vez no Regulamento Simplificado de Licitações da Petrobras, instituído pelo Decreto nº 2.745, de 1998. O item 1.9 estabelecia que a Petrobras poderia se valer de contratações integradas, que compreenderiam a realização de projeto básico e (ou) detalhamento, realização de obras e serviços, montagem, execução de testes, pré-operação e toda as demais operações necessárias para que o produto final fosse entregue com a solidez e a segurança exigidas.
Obviamente, as características de certas contratações da Petrobras, dotadas de relevante complexidade, justificavam a adoção de formas contratuais anômalas. Era necessário estabelecer um regime contratual com maleabilidade suficiente para dar conta da complexidade de certas situações. Assim, a Petrobras poderia atribuir a um terceiro que tivesse conhecimentos específicos o dever de conceber a solução integral de um determinado empreendimento.
Posteriormente, as contratações integradas foram incorporadas ao Regime Diferenciado de Contratação – RDC, conforme previsto fundamentalmente no art. 9º da Lei nº 12.462, de 2011. Posteriormente, passaram a ser previstas também nas regras que disciplinam as licitações nas empresas estatais em geral, de que trata a Lei nº 13.303, de 2015 (art. 42, principalmente nos §§1º a 3º). A Lei nº 13.303 inclusive criou a figura da contratação semi-integrada, na qual o particular não fica responsável pela elaboração do projeto básico, mas deve elaborar o executivo.
Agora, a ideia do projeto de lei é que a futura lei geral de licitações contemple as figuras das contratações integradas e semi-integradas, de modo que possam ser utilizadas não apenas no âmbito das empresas estatais e dos RDC.
4. As características básicas das contratações integradas e semi-integradas
As contratações integradas e semi-integradas possuem três características básicas.
A primeira delas é a complexidade do objeto. Como se nota nas definições constantes do projeto de lei, que adotam a mesma linha da legislação já vigente, as contratações integradas e semi-integradas versam sobre objeto de natureza complexa. Envolvem obras por meio das quais se desenvolvem atividades específicas. Mas seu objeto não englobará apenas a execução de obras. Compreenderá também o desenvolvimento de projetos, o fornecimento de bens, a montagem, testes, pré-operação e demais medidas para que o objeto final seja entregue pronto para funcionamento.
Portanto, não é permitida a realização de contratações integradas ou semi-integradas que tenham por objeto apenas a execução de uma obra pura e simples. Esses modelos contratuais se aplicam a objetos mais complexos. Envolvem a assunção de encargos heterogêneos por parte do contratado.
A lógica das contratações integradas e semi-integradas é que a Administração receba um empreendimento complexo pronto para funcionamento. Sob um certo ângulo, busca-se evitar o problema da “constelação de contratos”, em que a Administração, para obter um objeto complexo, acaba tendo de efetuar contratações diversas, com objetos distintos, perante contratados variados – o que costuma ser fruto de muitos problemas em termos de gestão, por exemplo. A contratação integrada racionaliza essas relações contratuais ao centralizar objetos distintos dentro de um único contrato complexo[1].
A segunda caraterística das contratações integradas e semi-integradas é que a elaboração de projetos deve ficar a cargo do particular.
No caso das contratações integradas, o particular ficará responsável pela elaboração dos projetos básico e executivo, tomando por base o anteprojeto disponibilizado com a licitação. Já nas semi-integradas, o particular elabora o projeto executivo (o projeto básico já é disponibilizado pela Administração com o edital do certame).
A complexidade do objeto das contratações integradas e semi-integradas é o fator determinante para que o particular fique responsável pela elaboração do projeto básico e executivo (no caso das contratações integradas) ou ao menos do projeto executivo (no caso das contratações semi-integradas). Afinal, a Administração, ao adotar a sistemática da contratação integrada ou semi-integrada, pretende se valer da expertise do particular inclusive no detalhamento conceitual do empreendimento. Isso porque a complexidade do objeto é um fator que torna igualmente complexa a própria elaboração dos projetos pertinentes.
Disso decorre a terceira característica básica das contratações integradas e semi-integradas, que é a participação do particular na própria concepção do empreendimento.
A elaboração de projetos pelo particular não será uma atividade mecânica. Espera-se justamente que o particular empregue sua expertise para desenvolver soluções que repute ser mais eficientes e econômicas. Não se espera que o particular desenvolva uma atividade meramente mecânica. Sob esse ângulo, pode-se dizer que as contratações integradas e semi-integradas envolvem o reconhecimento de certos espaços de liberdade ao particular na concepção do empreendimento. Há linhas gerais estabelecidas pela Administração Pública que devem ser seguidas, evidentemente. Mas é imprescindível que haja uma dose razoável de liberdade ao contratado nas definições de aspectos relevantes do empreendimento. Do contrário, nem mesmo faria sentido adotar a sistemática das contratações integradas ou semi-integradas.
5. Conclusão: a necessidade da correta compreensão do racional das contratações integradas e semi-integradas
Da breve exposição acima, conclui-se ser absolutamente fundamental a correta compreensão do racional que informa as contratações integradas e semi-integradas.
O primeiro ponto de atenção é que as contratações integradas e semi-integradas procuram estabelecer uma distribuição de incentivos mais racional.
Ao permitir que o particular elabore os projetos e participe ativamente da própria concepção do empreendimento, busca-se evitar as constantes disputas decorrentes dos problemas que se verificam nos projetos. É comum que o executor de uma obra, no momento da execução, identifique problemas nos projetos desenvolvidos. Esse tipo de situação acaba gerando disputas e encarecendo o objeto final, inclusive com pedidos de reequilíbrio.
Nas contratações integradas e semi-integradas, será muito mais difícil que esse tipo de problema ocorra. O mesmo contratado elaborará os projetos (ao menos o executivo) e executará as demais atividades que integram o objeto contratual. Assim, terá o incentivo de elaborar não apenas um projeto correto, que evite problemas no momento da execução material, mas também um projeto mais racional, que reduza os custos de execução.
O segundo ponto de atenção diz respeito à assunção dos riscos pelo particular.
Ao ser o responsável, em grande medida, pela concepção do empreendimento desde a elaboração dos projetos, o particular acaba assumindo riscos mais intensos. De um lado, é necessário que haja uma matriz de riscos bem elaborada e que observe o racional das contratações integradas e semi-integradas. De outro lado, é necessário que a assunção de riscos se dê “para o bem e para o mal”. Ou seja, o particular não assume apenas os riscos negativos. É necessário que ele tenha vantagens ao constatar e desenvolver soluções que tornem a execução mais econômica e eficiente. Isso faz com que a Administração Pública tenha de observar não apenas os espaços de liberdade do particular, mas estabeleça uma distribuição de incentivos realmente eficiente – sob pena de os resultados esperados com essas modalidades contratuais não serem atingidos. Este é um ponto que, pela nossa experiência prática, ainda precisa ser melhor compreendido por todos aqueles que se envolvem com contratações integradas e semi-integradas.
[1] O mesmo objetivo se verifica em outras modalidades contratuais, como as concessões administrativas criadas pela Lei 11.079, de 2004.
A cargo do erário a fiscalização do projeto básico….. assim como também o executivo, como se corrige o executivo se o mesmo apresentar os mesmos vícios do baseco…?